O binómio dólar-yuan e as contradições da ordem monetária neoliberal Versão para impressão
Quarta, 10 Novembro 2010

Sarkozy já deixou claro que a reforma da ordem monetária internacional será a prioridade da presidência francesa do G20, logo após a reunião do grupo esta semana em Seul.

As tensões cambiais – sobretudo entre a China e os EUA –, que vão enchendo as páginas dos jornais, não são produto de coisas de agora, de cada um a querer dar resposta a esta crise à custa do vizinho; elas são a expressão de que 40 anos de configuração neoliberal da ordem monetária internacional só geraram relações de interdependência financeira que continuamente estorvaram tanto prioridades macroeconómicas como a recuperação das sucessivas crises, e com as quais ninguém está contente.

Resumidamente é isto: os EUA acusam a China de impedir artificialmente a valorização do yuan que seria necessária a uma correcção dos desequilíbrios entre as contas correntes destes países; a China responde que os programas da Fed de estímulo à economia americana pela compra de obrigações do tesouro através da emissão de moeda (quantitative easing) não são mais que desvalorizações encapotadas do dólar que distorcem a economia global; no meio disto, outras economias emergentes protegem-se como podem dos efeitos de sobrevalorização que tem sobre as suas moedas a invasão de capitais estrangeiros em fuga de rendibilidades diminuídas por essas descidas das taxas de juro; e “como podem” significa recorrendo à aquisição de reservas cambiais, mantendo, assim, a mesma lógica perversa que tem estado na base de todas estas assimetrias.

Isto suscita duas críticas fundamentais. A primeira é uma crítica ao entendimento do estatuto da moeda que subjaz esta configuração institucional da ordem monetária internacional, e que é responsável pelos desequilíbrios sistémicos na origem desucessivas crises financeiras. A segunda deriva da primeira e é a crítica ao estrangulamento democrático que esse entendimento do estatuto da moeda envolve.

O entendimento neoliberal da moeda configura-a como um sujeito passivo cujo melhor contributo para a estabilidade económica é a neutralidade relativamente a objectivos politicamente determinados: o valor da moeda deveria ser unicamente determinado pelas leis do mercado liberalizado e desregulamentado. A partir dos anos 70, a agenda neoliberal do chamado Bretton Woods 2, formatada segundo os princípios do Consenso de Washington, desmantelou, então, os elementos da arquitectura keynesiana original das instituições de Bretton Woods que permitiam controlo políticos obre a circulação de capitais.

Isto significou que, para assegurar a competitividade externa das suas economias, países apostados em modelos de crescimento assentes nas exportações foram obrigados a sacrificar prioridades de investimento no seu próprio desenvolvimento interno em nome da acumulação de excedentes comerciais que permitissem a aquisição de reservas, tendo em vista a prevenção da sobrevalorização das suas moedas.

Ora, acontece que a moeda de reserva internacional é o dólar, o que significa que essa acumulação de reservas é feita em grande medida recorrendo à aquisição de obrigações do Tesouro americano.

Como explica Skidelsky[1], a coexistência de países excedentários e deficitários não constitui, em si mesma, necessariamente um problema económico, desde que os primeiros invistam nos segundos. O problema está na direcção e na natureza desse investimento. A perversidade da relação entre países excedentários e países deficitários que espoletou a crise esteve em que o fluxo de poupanças ocorreu de países em desenvolvimento, sobretudo asiáticos (com abundantes oportunidades para investimento “real”), para países desenvolvidos onde, já não existindo essas oportunidades, cresceram as bolhas especulativas associadas ao consumo e dívida americanos, propagadas através da intermediação financeira.

Na actual configuração da ordem económica internacional, com a combinatória entre o dólar como moeda de reserva internacional e a livre circulação de capitais, a estratégia de crescimento assente em exportações das economias emergentes promete mais alimentar o capitalismo financeirizado assente no consumo excessivo dos EUA do que dinamizar o investimento real e o desenvolvimento em benefício das populações daqueles países.

Finalmente, além de provocar desequilíbrios estruturais conducentes a instabilidade e crises financeiras, a lógica de sacrifício de objectivos macroeconómicos em nome da rigidez monetária e cambial que advém da concepção neoliberal da moeda corresponde a um evidente e insustentável estrangulamento da democracia: no actual paradigma, a forma de determinação do valor da moeda não tem espaço institucional para poder responder a necessidades e prioridades colectivas, democraticamente determinadas, de crescimento, desenvolvimento ou emprego. Antes é determinada por e para o mercado.

E o mercado não quer saber se a circulação desregulada de capitais tem o efeito perverso de as economias emergentes buscarem excedentes comerciais para converter em acumulação de reservas, à custa do seu próprio desenvolvimento interno; ou se políticas de estímulo à economia como o quantitative easing são a forma correcta de os decisores de política económica lidarem com as pressões deflacionárias que deprimem a economia real; e também desconhecem que essa ignorância (irracionalidade) é, em última análise, eminentemente autofágica. Para a economia e para a democracia.

Mariana Santos 

 

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