Emérita Cidadania |
Terça, 02 Novembro 2010 | |||
A cidadania tem sido barbaramente lixada pelos que enfiaram o valor integral do défice no BPN, fora o que fizeram com o BPP e com a libertinagem da fuga aos impostos da malta, está no [Projecto] Farol e no apoio à proposta de «Magna carta orçamental»... Artigo de Mário Tomé Sempre achei que não há nada como o saber. Principalmente quando esse saber é inquestionável. O saber farol. Ideologia mais a técnica, no seu sentido nobre, de saber fazer com eficácia e sem alternativa. As finanças, como a economia, tratam de números. Há quem diga que a economia trata de pessoas mas esses são os que metem a política em tudo e, portanto, têm uma visão da economia distorcida pelas suas ambições políticas e pela demagogia da conquista de votos. São os números e o seu rigor que asseguram a confiança daqueles de quem dependemos. Do BCE, da CE, das agências de rating, da banca, nossa – a patriótica, e a internacional que precisam de garantias, avales e juros. E os números ou estão certos ou não estão. Nada que não se perceba. O difícil é acertar os números. E mais difícil ainda é encontrar quem os acerte. E ainda mais difícil e absolutamente necessário é que, depois de acertar os números, sejamos capazes de os manter certos de trás para a frente e da frente para trás. O rigor dos cálculos não pode sujeitar-se a calendários eleitorais, como são os ciclos políticos que alteram e dão cabo das contas que custaram e demoraram tanto a fazer. Fazer depender as finanças das decisões de um governo, do Governo, sujeito à polémica parlamentar e sempre a pensar nos efeitos mediáticos das suas decisões, impede a independência de julgamento. Os governos dependem em excesso da política e isso significa que são susceptíveis aos altos e baixos da sua avaliação pública impedindo que se trace e se prossiga uma linha coerente e rigorosa determinada pela avaliação objectiva dos factores que contribuem para o êxito das reformas necessárias e para assegurar o rigor das finanças públicas. Chegamos, assim, ao ponto crucial: queremos respostas de acordo com as volúveis preferências do eleitorado e que nos enterrarão ainda mais, sabido como é que o eleitorado apenas pensa nos seus interesses; ou queremos regras que, para além da tradicional matriz constitucional que continua marcada pela sua origem atrabiliária, permitam traçar uma tragectória sustentável das finanças públicas que «não são propriedade dos governos». São propriedade do BCE, da CE, das agências de rating, da banca em geral e exigem, para que se mantenham sólidas e possam obedecer aos critérios dos seus legítimos detentores, manipuladores especializados e credenciados pela sua própria experiência de financiamento próprio com sucesso assinalável. Ou seja «personalidades de reconhecido mérito». Ofacto de essas personalidades em geral serem responsáveis pelo descalabro das finanças públicas desde há décadas, não lhes retira o reconhecido mérito. É tempo de referir que estas ideias que tentei explanar com a simplicidade necessária para serem facilmente interpretadas por todos os que me lêem, tenham ou não reconhecido mérito, não são originais. Elas foram-me inspiradas pelo projecto Farol e sua sequência na propostada «Magna Carta Orçamental» apresentada por um grupo de «personalidades de reconhecido mérito» que propõem a criação, por iniciativa parlamentar, de uma comissão «constituída por personalidades de reconhecido mérito» que fixem «uma agenda de execução transparente sobrea sustentabilidade das finanças públicas». A palavra chave que define a modernidade nestas coisas de execução é monitorização, de que a referida comissão faroleira se encarregará. A fiscalização da Assembleia da República, ou seja a fiscalização política exercida por delegação e representação do eleitorado ficará remetida ao seu verdadeiro papel de bagunça da política a que não devemos ligar, entregue às personagens de segunda ordem como sejam o Primeiro Ministro, os chefes dos partidos, os deputados, todos eles legitimados pelo voto popular ou pela ordem democrática e que, por isso mesmo, dependentes do voto e não do rigor da objectividade dos números, deverão limitar-se a representar um papel cada vez mais inócuo. Esta proposta vem tanto a propósito quanto o próprio ministro Luís Amado, inspirado pelo seu contacto permanente com as altas instâncias internacionais, e impressionado com a capacidade de o BCE emprestar à Banca a juros de 1% para esta emprestar aos estados apertados pela dívida externa e soberana a 5%, propôs a constitucionalização dos limites do défice, o que vai no sentido de assegurar que os governos não podem fazer asneiras e a Assembleia da República vê reforçado o seu papel simbólico. É impossível não encontrar aqui a inspiração no sistema mundial de agências predadoras sem legitimidade nem escrutínio democráticos. A democracia normalmente só atrapalha... Assim, deixa-se a política para os políticos e a economia e as finanças, que se aprendem em escolas especializadas, para os bons alunos de onde derivam as personalidades de reconhecido mérito obtido e avalizado pela cansativa rotatividade entre os governos, as grandes empresas e a banca. Teremos, assim, garantida uma agenda de «reorganização fiscal» que, depois de assegurada a sustentabilidade das finanças, privilegiaria a criação de emprego e riqueza que, como se sabe, impedem a sustentabilidade das finanças. A falar verdade nem são compatíveis entre si: a criação de riqueza (ver a Forbes e outras do género) está muito associada ao aumento do desemprego (ver estatísticas). Um estudo da Merryl Lynch diz que ricos estão cada vez mais ricos, e nós apanhamos com os números do desemprego que não param. Por enquanto ainda só apanhamos com os números, porque se a cidadania se começar a manifestar devidamente, como aliás os nossos magnos encartados parecem prever, apanharemos com os próprios desempregados em cima com tudo o que isso tem de transformador. Retomando o fio, eis então que nos apresentam uma perspectiva para «um novo contrato social» que gere uma plataforma mobilizadora de uma «nova cidadania» - por enquanto ainda uma «maioria silenciosa» - que desponte em apoio das reformas de que a sociedade e o Estado carecem, uma das quais é sem dúvida - e assim voltamos ao princípio da nossa história de encantar- as finanças aos financeiros e a política aos políticos. Mas a cidadania que tem andado por aí, talvez ao Deus dará, vai estar sobeja e dignamente representada na Greve Geral de 24 de Novembro, e considera que a condição sine qua non para o saneamento adequado das finanças públicas passa pela política: pelo emprego e condições de vida decentes, serviços públicos, segurança social e equidade mais justiça fiscal; e que isso exige-se aos políticos comprometidos, pelo menos formalmente, com a cidadania, mesmo que apenas eleitoral; e que nada se espera de eméritos directamente comprometidos e às ordens dos que levaram o país ao caos e prosseguem a roubalheira. A cidadania que tem sido barbaramente lixada pelos da mesma laia dos que enfiaram o valor integral do défice no BPN, fora o que fizeram com o BPP e com a libertinagem da fuga aos impostos da malta que está no Farol e no apoio à proposta de «Magna carta orçamental», dada à luz nas páginas do Expresso de sábado passado, assinada por gente impoluta e que devotou a vida ao bem comum e à Pátria, a designar: Daniel Proença de Carvalho, Belmiro de Azevedo, e os eméritos J.M. Brandão de Brito, António Pinho Cardão, Jorge Marrão e Manuel Alves Monteiro. Já em 1928 a Magna Carta, com outro nome, fez a sua aparição. E o resultado viu-se. ------- Artigos anteriores sobre o Projecto Farol e suas propostas: Magna Carta - Constituição Económica Os bons rapazes do Projecto Farol Projecto Farol, a solução ou a causa
|
A Comuna 33 e 34
A Comuna 34 (II semestre 2015) "Luta social e crise política no Brasil" | Editorial | ISSUU | PDF
A Comuna 33 (I semestre 2015) "Feminismo em Ação" | ISSUU | PDF | Revistas anteriores
Karl Marx