A UDP e a UMAR Versão para impressão
Segunda, 06 Setembro 2010
Na edição de 7 de Agosto de 2010 do Jornal “Público” e a propósito de um conjunto de artigos sobre violência contra as mulheres, que constituem o destaque do jornal nesse dia, ocupando as páginas 3, 4 e 5, está uma caixa cujo título é “Anos 70, Quando a UMAR estava ligada à UDP” da autoria da jornalista Tânia Marques. Para este texto é esta “caixa” que interessa. O seu conteúdo não corresponde à verdade e transmite uma ideia completamente errada sobre as posições da UDP em relação à despenalização do aborto em Portugal e sobre os seus contributos para esta luta de tantos anos que teve o seu desfecho no Referendo de 2007.
 
Artigo de Helena Pinto

 

As questões em torno do aborto sempre foram questões polémicas. Na sociedade, entre as mulheres, no confronto com a Igreja, no confronto com a direita e os conservadores. Sempre existiram várias posições, mais moderadas e mais radicais. É uma das lutas mais prolongadas, senão mesmo a mais prolongada da democracia portuguesa. Vale a pena analisar o seu percurso, as suas fases, as palavras de ordem, os instrumentos políticos utilizados, as alianças, os movimentos, as argumentações. Na evolução deste processo confluem várias experiências, várias orientações e várias leituras, sobretudo das derrotas, com particular destaque para o Referendo de 1998. Os diversos protagonistas nem sempre coincidiram na orientação política a seguir, assim como não coincidiram na avaliação dos resultados.

Em 2007, um movimento plural e muito alargado deu origem a uma maioria social que viria a impor, por referendo, a mudança da Lei. Foi uma conquista decisiva para a esquerda. Não foi simplesmente “resolver uma luta que vinha de trás”, foi um passo fundamental para o reforço da corrente de esquerda na sociedade e foi um golpe demolidor nos conservadores (não esquecer que Cavaco Silva foi obrigado a promulgar a Lei) abrindo caminho a novas conquistas no campo dos direitos individuais que se seguiram, como as alterações à Lei do Divórcio, o casamento entre pessoas do mesmo sexo, o reforço dos direitos das uniões de facto e outras que ainda se seguirão. Cavaco Silva protagonizou sempre a oposição conservadora a estes processos.

É preciso dizer que também na esquerda existia polémica sobre esta questão. A reivindicação sobre a despenalização do aborto não foi assumida logo no pós-25 de Abril e era até encarada como uma questão “lateral” à luta de classes, mas também sobre este aspecto há a registar processos muito interessantes, mas diferentes, no posicionamento das correntes políticas e na forma como contribuíram para que a questão do aborto entrasse na agenda política.

A UDP não foi imune a este debate, bem pelo contrário. Mas o que faz parte do acervo teórico da UDP é a concepção sobre a necessidade de respeitar e consagrar os direitos individuais, mesmo num Estado Socialista, e isto faz toda a diferença na determinação de propostas e estratégias políticas.

Por outro lado, as organizações feministas, que têm um percurso próprio e que têm contribuído para o avanço dos direitos das mulheres, são natural e historicamente enquadradas na esquerda e a UMAR insere-se nesta trajectória. Em Portugal não apareceram feministas de direita contra a criminalização do aborto, como foi o caso em França com Simone Weil.

Mas voltando à “caixa”  do Público: esta notícia transmite a ideia de que a UMAR e a UDP, a que esteve ligada na sua origem (o que não constitui novidade para ninguém) teriam tido divergências sobre como abordar e tratar a questão do aborto. “A UDP advogava que só as mulheres trabalhadoras poderiam abortar, por causa das questões económicas”, diz o “Público”.

A UDP, através do Deputado Mário Tomé, foi o primeiro partido a apresentar um Projecto de Lei na Assembleia da República sobre a despenalização do aborto, em 1980, na 1.ª Legislatura (Projecto-Lei 500/I) e não introduzia as questões económicas como motivo para o aborto. Bem pelo contrário, já na altura, era bem explícito: “A mulher não tem de revelar, caso não o deseje, o motivo por que pretende submeter-se a uma intervenção voluntária da gravidez.” (n.º 2 do Artigo 4.º). As “questões económicas” seriam introduzidas mais tarde, pelo PCP, no Projecto-Lei que apresentou em 1982, na 2.ª Legislatura (Projecto-Lei 309/II) onde previa entre as situações em que uma mulher podia solicitar uma interrupção da gravidez, para além de situações de violação, perigo para a saúde da mulher e malformação do feto, uma alínea com o seguinte texto: “A mulher, em razão da situação familiar ou de grave carência económica, esteja impossibilitada de assegurar ao nascituro condições razoáveis de subsistência e educação ou a gravidez seja susceptível de lhe criar uma situação social ou economicamente incompatível” – alínea d) do Artigo 1.º Condições em que a interrupção pode ser praticada.

“As questões económicas” como motivo para realizar um aborto estiveram de facto presentes em muitos debates nos anos seguintes, mas para nós foi sempre absolutamente claro, que o direito ao aborto se incluía na esfera dos direitos individuais. Assim como é claro que existe uma contradição de género na sociedade, que não deve ser subalternizada em função de uma hierarquização das contradições, emanando todas da “principal” (entre trabalho e capital). A visão marxista implica que as contradições na sociedade não se hierarquizam, são paralelas, assumindo, consoante os períodos concretos, protagonismos diferentes. E a contradição de género, que não é uma contradição exclusiva de classe, pode assumir num determinado momento uma importância determinante e assim projectar-se noutras lutas.

A UDP foi o primeiro partido a apresentar um Projecto-Lei sobre a despenalização do aborto, claríssimo na questão (fundamental) de este ser praticado a pedido da mulher e contribuiu assim para colocar esta luta na agenda política, logo no início dos anos 80.

Mais tarde a UDP dinamizará diversas iniciativas próprias sobre a despenalização do aborto, marcando presença nos momentos mais decisivos desta luta, mas também recolocando a questão na agenda política, como aconteceu com a campanha lançada em 1995 pelo seu Departamento de Mulheres.

Não será, contudo, de passar ao lado sobre a intervenção das e dos militantes da UDP (em diversas organizações, incluindo a UMAR), cujo papel foi determinante para o êxito de muitas iniciativas que pontuam na história da despenalização do aborto em Portugal.

Após a fundação do Bloco de Esquerda, em 1999, somos parte de um conjunto de iniciativas que se revelaram fundamentais para manter a questão do aborto na agenda política, para agrupar forças e alargar apoios a esta causa. A iniciativa popular para um Referendo em 2004 durante o Governo PSD-CDS é um exemplo disso mesmo e teve o ser reflexo no Referendo de 2007.

Importa falar sobre estes aspectos, não só para repor a verdade em relação à “caixa”  do Público, mas porque a política também se faz da experiência passada e a História não pode trocar os protagonistas.


 

 

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