Um caso Sírio Versão para impressão
Quinta, 10 Fevereiro 2011

 

 

As recentes sublevações populares no Magrebe têm abanado as velhas estruturas ditatoriais e trazido um novo entusiasmo de mudança democrática às populações do Norte de África e do Médio Oriente.

As oposições, os excluídos e os explorados ganharam nova voz, clamando por mudança, exigindo o fim da supressão dos seus direitos, liberdades e garantias.

Este processo alastrador, não tem chegado com a mesma força a todo o lado. No entanto, esperamos que assim seja, que derrube os governos absolutistas e as suas instituições despóticas. Que envergonhe, de um lado ao outro do globo, todos que os têm suportado. Agora, que o mundo se lembrou que estes países são mais do que um postal de férias ou que um castelo de areia, que abriga inimigos do Ocidente.

A Síria é um desses casos, onde os ventos de mudança, só se têm manifestado sob a finura de uma leve e inofensiva brisa, desde que as areias se cansaram de faraós e os jasmins desabrocharam.

O país chega-nos através dos media convencionais como um adversário da ordem ocidental, como colonizador do Líbano, inimigo de Israel e instigador bélico na guerra dos seis dias. Serão talvez estas, as imagens dominantes que criam o quadro de referência que a maioria tem sobre esta República Árabe.

Com cerca de 20 milhões de habitantes e com capital em Damasco, a Síria tem vivido sob estado de emergência e lei marcial desde 1963. Usando o argumento de guerra contínua com Israel para legitimar a cessação de praticamente todos os direitos cívicos e políticos, que a Constituição atribui aos seus cidadãos.

Durante trinta anos o país foi governado com mãos de ferro por Hafez-Al Assad, contando com o suporte político do partido Baaht. Após a sua morte em 2000, foi substituído pelo seu filho Bashar-Al Assad, tendo-se alterado a Constituição, uma vez que, para se ser eleito presidente se necessitava ter mais de 40anos.

Aquando da tomada de posse do novo presidente, foram prometidas alterações substantivas no regime. Passados onze anos nada mudou praticamente. A democracia, as liberdades individuais e colectivas, liberdade de imprensa e o respeito pelos direitos humanos continuam uma miragem.

 

A estrutura do regime

A República Árabe da Síria tem um regime parlamentar, mas o essencial do poder legislativo e executivo encontram-se nas mãos do Presidente. Nomeia os ministros, pode declarar guerra, impor o estado de emergência e alterar a constituição. Este tem que ser votado em plebiscito, porém, desde que o partido Baaht está no poder nunca existiu oposição. A Constituição define este partido como o legítimo governador do Estado e da Sociedade, não se tolerando qualquer outro que esteja fora da Frente Progressista Nacional(FRN).

A FRN é composta por diversos partidos. O Baaht (líder desta organização), Movimento Socialista Árabe, União Socialista Árabe, Partido Comunista da Síria (Facção Khalid Bakdash), Partido Comunista da Síria (Facção Yusuf Faisal), Unionistas Social-Democratas, Unionistas Socialistas, Partido Social Nacionalista, Partido Unionista do Socialismo-democrático, Partido Árabe Unionista Democrata e Movimento Nacional Vow.

Todas as outras organizações políticas, que não componham esta Frente, são expressamente proibidas. De todas as organizações supracitadas, apenas o Baaht pode ter iniciativa partidária autónoma.

O regime conta com um forte aparato militar e securitário, cujas lideranças estão estrategicamente bem localizadas no aparelho de Estado. São parte integrante da curta esfera de decisão e controlam o essencial da economia nacional, antes e pós liberalização.

 

Que oposição?

A lista de forças opositoras ao regime é extensa.

À esquerda destaca-se a Reunião (ing, rally) Nacional Democrática (RND), composta pela União Democrática Árabe Socialista, Partido Democrático do Povo (ex- Partido Comunista Sírio), Partido Revolucionário dos Trabalhadores, Movimento dos Socialistas Árabes, Partido Socialista Democrático Baath e o Partido de Acção Comunista.

Formado em 1980, foi-se destacando historicamente como uma das oposições mais firmes, bem organizada e com extensão nacional. Vários dos seus membros foram consecutivamente presos por dissidência política.

Nos últimos anos tem tido imensa dificuldade na mobilização das camadas mais jovens da sociedade, apesar de ser uma força com enraizamento, tem vindo a perder importância na cena política, não conseguindo renovar os seus quadros e substituir os seus dirigentes históricos.

Como força de oposição ilegalizada pelo regime, tem-se batido por alterações democráticas do país, exigindo eleições livres e multipartidárias.

É a maior força de esquerda do País, congregando ex-nasseristas, marxistas-leninistas, social-democratas, socialistas revolucionários e socialistas árabes.

A Irmandade Muçulmana (IM) é talvez a força mais temida pelo regime, apesar de a sua acção ter reduzido nos últimos anos, não se sabe ao certo qual é o seu verdadeiro potencial. Desde do massacre de Hama, em que morreram milhares de pessoas com os bombardeamentos do exército, a Irmandade abdicou da luta armada, da Sharia e da dominação Sunita, defendo desde 1982 a luta política pacífica e um regime democrático pluralista.

Ryiad Al-Turk, dirigente comunista histórico e membro da RND, considera séria esta evolução e classifica a IM como a oposição mais forte e credível.

Ambas as organizações, juntamente com outros 20 partidos, participam na Declaração de Damasco pela Paz (http://www.nidaasyria.org/en/home/) . Fundada em 2005, tem funcionado como Plataforma de União Nacional por mudanças democráticas no país. Apesar de não ter conseguido forçar mudanças no regime, esta plataforma, desenvolverá um papel fulcral caso existam futuros protestos de massa no regime. Congrega todas as sensibilidades políticas da Sírias, da esquerda à direita, passando pelos partidos étnicos, como os Curdos.

 

A janela e a oportunidade

Ribal al-Assad, filho de Rifaat Al-Assad - ex-vice-presidente que se exilou na Europa depois de um golpe frustrado contra o regime do irmão Hafez, na década 1980 - tem-se destacado na luta pela defesa dos direitos humanos na Síria.

Com educação partilhada entre o Reino Unido e na França, este primo directo do actual presidente, tem-se vindo a afirmar como o trunfo do Ocidente.

Não só pela simpatia que tem reunido junto da União Europeia com os seus discursos anti-Irão e com a sua apologia de paz imediata com Israel, mas por ser um defensor de uma transição democrática estável, que assegure que o poder não descambe nas ruas ou caia nas mãos de uma força menos simpática, tal como reafirmou na semana passada: "Ninguém quer ver um levantamento popular na Síria, a última coisa que as pessoas querem é uma revolução na Síria, porque resultaria em desastre e caos e ninguém o deseja”.

 

Protestos e reacções

Na passada sexta-feira estava marcada, via facebook, uma manifestação anti-regime, que se revelou um fracasso. Apesar das milhares de adesões virtuais, para além da polícia, ninguém compareceu.

O regime sabe que existe um inúmero espaço para a revolta se começar a sentir nas ruas.

Prova disso são as afirmações do ditador sírio, dadas ao Wall Street Journal, onde reconhece que o ritmo de reformas políticas no país não progrediu como o previsto, desde que assumiu o poder, prometendo reformas e aberturas políticas ainda este ano. Contudo, diz que o país necessita de tempo para fortalecer as instituições e melhorar a educação antes de “realmente liberalizar o sistema político (…). As actuais exigências populares de reformas políticas rápidas podem ser contraproducentes se as sociedades árabes não estiverem prontas para elas”.

Esperemos que as reformas venham tarde demais.

Fabian Figueiredo

 

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