Pode alguém ser quem não é? Versão para impressão
Quinta, 10 Fevereiro 2011

A crise do Partido Socialista mereceu uma análise detalhada de Daniel Oliveira. Sendo que um comentador político não pode ter temas proibidos e estando em preparação um congresso socialista, nada mais natural do que colocar esse tema em cima da mesa, analisando perspectivas e tendências. Este poderá ter sido o ponto de partida, mas o resultado é bem diferente. Daniel Oliveira, não apenas como espectador distante, define as escolhas e dá a táctica para a reconstrução do Partido Socialista ao longo dos anos negros que se avizinham.

O tom é dramático e apresentado com uma nota de alguma dor pessoal: O PS “ficará em escombros” após o fim da liderança de José Sócrates e povoado por uma imensa “tralha acumulada por anos de clientelismo no aparelho de Estado”. Conseguirá o PS libertar-se desta triste realidade em que se encontra mergulhado? Angustiado pelas dúvidas que o cercam, o comentador coloca em cima da mesa a escolha da vida ou morte, entre a construção de uma verdadeira alternativa social-democrata ou o lugar ao centro. Não se enganem, um passo em falso e tudo desabará. Depois desta tormenta, poderá já nem existir a acalmia da rotatividade ao centro! Percebe-se a ansiedade de Daniel Oliveira…

É irónico que quando Daniel Oliveira perspectiva um crescimento eleitoral dos partidos à sua esquerda veja nisso um cenário negativo. Contudo, percebe-se o alcance da afirmação. Afinal, é uma questão de fé: ou se acredita que o PS é reformável e possa virar à esquerda, contra todos os indícios e práticas; ou não espera por milagres e se disputam projectos à esquerda. E aqui reside uma escolha de fundo para o Bloco de Esquerda. Será o Bloco apenas o grilo falante sempre subalterno e solicito que, pela sua prática política, serve para chamar o PS à razão? Daniel Oliveira assim parece entender, considerando que o PS é o contraponto natural à direita e que mais nenhum projecto político alternativo à esquerda poderá ter esse papel. Enferma na análise o comentador, pois quem se guia pela fé, tende a esquecer a realidade.

O PS depois de Guterres foi quem abriu caminho ao ataque ao Estado Social e será o partido que mais privatizou na história da democracia portuguesa. É o partido da flexigurança e da precariedade. Esta fria realidade leva-nos à conclusão razoável: aqueles que privatizaram não nacionalizarão e aqueles que flexibilizaram não irão repor direitos laborais. Daniel Oliveira poderá perder o sono ao pensar na longa travessia do deserto que espera o PS, mas esse não é a preocupação à esquerda. O PS passou uma linha para não mais voltar. Foi uma escolha ponderada e esclarecida e cuja factura está a ser passada ao país. Essa é a escolha dos sacrifícios que estão a impor aos portugueses e eles tem bons motivos para não perdoar.

À Esquerda procuram-se maiorias sociais para defesa do Estado Social, para a construção de um país mais justo e igual, onde a segurança se sobreponha à ansiedade e a estabilidade não seja uma miragem. Os anseios do país são por estes combates políticos. Toda uma geração de desemprecários procura soluções que não lhes digam que é inevitável viverem pior do que seus pais. O Bloco de Esquerda é o rosto destas lutas e procura ser um pólo agregador de quem se queira juntar por estes valores.

Pedro Filipe Soares