O grito árabe contra as ditaduras Versão para impressão
Quinta, 10 Fevereiro 2011

 

As elites árabes que se perpetuam no poder têm agora oposição que, mais ou menos consciente do seu papel na luta de classes, está comprometida com valores. O grito árabe está na rua e não nos deixa indiferentes.

A Tunísia e o Egipto eram até há pouco tempo nomes de países que a população portuguesa quase só reconhecia como destinos turísticos paradisíacos. Hoje todo o mundo vê que para lá dos locais retratados nos cartões postais existe uma realidade feia onde os povos são oprimidos por ditadores cruéis.
O vitorioso levantamento popular na Tunísia, que levou à expulsão de Ben-Ali, e a luta corajosa do povo egípcio para expulsar Mubarak obrigou a um olhar mais atento para uma realidade muitas vezes escamoteada por contos das mil e uma noites.
Para lá das danças exóticas, das especiarias e do colorido do mundo árabe, o ocidente descobre agora outra característica fascinante do mundo árabe que é a coragem dos seus povos que espontaneamente se erguem e enchem as ruas gritando por liberdade e democracia. Estes levantamentos de massas foram capazes de ir mais além que as fantasias ao mesmo tempo que afastaram os fantasmas pois se a beleza e o mistério dos povos árabes sempre teve o poder de atrair muitos turistas alheando-os das realidades locais, o discurso alarmista da comunicação social e dos analistas mainstream sobre os perigos do Islão foi capaz de assustar o ocidente de modo a distrair as pessoas dos verdadeiros perigos e da opressão destas ditaduras. Mas o coro alarmista que invoca o perigo do islamismo cai por terra ao não encontrar eco na praça da libertação no Egípcio onde não existem nem sloganes religiosos nem ameaças ao modo de vida ocidental mas apenas um clamor por democracia, a exigência da saída do tirano e o apelo ao direito de escolher o próprio destino.
Será que agora seremos capazes de ver para lá do exotismo e do terror e sentir empatia com os povos árabes? Os jovens egípcios qualificados, sem emprego e sem esperança, que iniciaram e dão corpo a estes levantamentos, não são muito diferentes dos jovens europeus qualificados, sem emprego e sem esperança. A diferença entre ambos é que na Europa somos livres de protestar sem receio de desaparecer às mãos de agentes dos aparelhos repressivos que as ditaduras utilizam para silenciar os povos e podemos votar em eleições livres e democráticas. Mas o grito árabe está na rua e não nos deixa indiferentes.
Pouco se sabe sobre estes levantamentos que não têm uma direcção religiosa nem uma direcção política evidentes. Mas uma coisa sabemos e apoiamos: é preciso acabar com as ditaduras. É urgente depor os ditadores, acabar com os seus aparelhos repressivos, garantir a liberdade de imprensa, a realização de eleições livres e a expressão da vontade dos povos.
As últimas semanas  têm revelado também a hipocrisia do imperialismo global que faz a guerra em nome da democracia mas é incapaz de apoiar o derrube das ditaduras quando os mercados se agitam  com medo da liberdade. Pouco tempo depois de discursar no Egipto pedindo o aprofundamento da democracia Obama age agora de modo a manter no poder o ditador enquanto procura, assustado pela coragem e persistência do povo egípcio, nova marioneta que garanta os seus interesses no mundo árabe. Nem os mortos comovem os EUA que só aceitam uma solução que proteja os seus interesses económicos e estratégicos. Na mesma linha os países europeus, preocupados com os mercados, estão a apoiar Suleiman, presidente interino do Egipto, conhecido do povo como torturador e instrumento de repressão da ditadura.
O que os EUA não querem ver é que estamos perante uma situação que marcará para sempre o mundo árabe. Ainda é cedo para saber como vai acabar a revolução iniciada pelas massas reunidas na praça da libertação ou que futuro espera os tunisinos mas as crianças árabes e as gerações vindouras podem vir a saber que quando os debaixo já não querem viver como dantes e os de cima já não têm poder para os obrigar então a mudança é possível. As elites árabes que se perpetuam no poder têm agora oposição que, mais ou menos consciente do seu papel na luta de classes, está comprometida com valores democráticos e revela uma coragem notável ao enfrentar com pedras  grupos de bandidos armados pela polícia repressora. Uma coragem notável por lutar de peito aberto e cara destapada sem saber se no fim será vitorioso ou vítima de uma ditadura de torturadores que tudo fará para se manter no poder.
Aguardemos então o fim das ditaduras pois só com regimes democráticos podemos ver começar a outra luta, a luta que une árabes, europeus e os povos do mundo inteiro, a luta pela liberdade a sério como canta Sérgio Godinho: “Só há liberdade a sério quando houver/liberdade de mudar e decidir/quando pertencer ao povo o que o povo produzir”.

Ana Cansado

 

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