O Fórum Social Mundial 10 anos depois |
Terça, 01 Março 2011 | |||
O Fórum Social Mundial é um processo com 10 anos e por isso será interessante fazer uma análise em jeito de balanço, procurando identificar suas conquistas e suas debilidades ou contradições, assim como necessidades futuras à luz da realidade em que vivemos. A última edição, em Dakar, juntou 75 000 participantes, com forte mobilização de movimentos de toda a África Ocidental, mas também gente da Europa, Estados Unidos e, claro, América do Sul. A sensação de que este fórum representa um forte estímulo para os movimentos africanos que têm um dinamismo crescente é inegável. Por outro lado, a queda de mais um ditador africano, na altura no Egipto, deu um forte alento aos activistas que celebraram entusiasticamente o acontecimento, mobilizaram-se por ele e o fórum adquiriu um tom mais político. O fórum é um enorme evento de comunicação em que os movimentos sociais têm participado, explicando suas lutas, denunciando seus inimigos, partilhando e desenvolvendo estratégias, construindo alianças, aprofundado e complementao análises. Ao longo de dez anos promoveu fortemente a organização de redes, e redes de redes que têm agora um corpo mais robusto, estão mais articuladas e mais maduras na sua capacidade de convergência. A contradição está nas dificuldades que têm novos movimentos a entrar nestas dinâmicas e de não conseguirem ter capacidade de influência perante as fortes redes. O fórum de Dakar - apesar dos problemas que teve em termos de programação e do colapso logístico existente, sobretudo devido à tentativa de sabotagem do evento - conseguiu organizar importantes reuniões em que a convergência foi palavra de ordem e onde se sentiu um maior amadurecimento do movimento em geral na sua capacidade de trabalhar em conjunto e de promover documentos, mobilização e preparação de acções concretas comuns. Além das convergências sectoriais, foram marcadas duas mobilizações comuns: 20 março, acção global de solidariedade com as revoluções do povo magrebino e o dia 12 de Outubro, mobilização global contra o capitalismo, que se insere numa semana de mobilizações: resistência dos povos indígenas, celebração da mãe terra, e semana global de luta contra a dívida e as instituições financeiras internacionais. As caravanas que se desenvolveram são também elementos novos e importantes no processo do Fórum (já ensaiadas no Fórum de Mumbai mas agora promovidas de forma mais sistemática, mas infelizmente ainda com condições muito precárias para os seus participantes, falta de financiamento e de logística adequada). Sete caravanas vindas de vários pontos de África ocidental e do norte percorreram milhares de Kms até ao fórum, desenvolvendo iniciativas e discussões, comícios e eventos ao longo do percurso, levando o fórum a vários pontos da região e trazendo varias centenas de pessoas dessas regiões ao fórum. As discussões sobre o futuro do fórum andam em torno dos seguintes eixos: por um lado aqueles que defendem o que chamaram de mais ideologia para o fórum, para outros mais proposta concreta (apostar mais no que se quer e não apenas no que se combate) e/ ou (conforme os casos) uma reformulação dos seus princípios no sentido de o tornar mais deliberativo e assim, supostamente, com maior capacidade de unidade na acção. Para outros, tais objectivos são impossíveis perante a diversidade existente no fórum, a qual é vista como a sua maior riqueza. Para esses o fórum continua no seu processo de construção actual com o desenvolvimento de redes, eventos e sinergias diversas de forma livre pelos seus actores, com eventuais contradições, paralelismos e sobreposições naturais à diversidade existente. Também há quem defenda que o fórum, como gigantesco espaço de comunicação, precisa de se requalificar, sob pena de se esvaziar e se tornar um "bazar" altermundialista. O mundo mudou em dez anos e por isso o fórum deverá actualizar-se nos temas, e procurar os pontos de mobilização comum mais determinantes. A estas reflexões acrescentamos, o Fórum é um importante espaço de encontro e comunicação dos movimentos sociais e organizações diversas, é um espaço também de disputa (como todos o são) onde através destes exercícios se alargam perspectivas e análises, se marcam mobilizações comuns, e se desenvolvem sinergias e de uma forma geral contribui para incentivar lutas locais sobretudo nas regiões onde acontece e das quais incorpora novas temáticas e mobilizações. Como tal deve manter-se. Poderá ser mais ou menos espaçado no tempo, mas deve manter-se, e multiplicar-se em fóruns regionais, temáticos, nacionais e locais. Deverá também requalificar-se, procurar inovar-se, dar mais dignidade às condições da organização e da comunicação e concentrar-se no envolvimento de outras gentes e no apoio à participação dos movimentos sociais de base, que desenvolvem lutas muito importantes em condições extremamente precárias e, muitas vezes, têm muito poucas condições materiais para participar nos fóruns ou para participar nas suas discussões. Estes movimentos são importantes porque muitas vezes juntam milhares em torno de lutas concretas em torno da terra, da habitação, da produção agrícola, na luta ecológica, do trabalho, assim como jovens e estudantes. O esforço de envolvimento destes participantes dará bons frutos e a sua integração no processo mais abrangente é necessária. Mas o fórum é apenas uma peça no processo da luta por um outro mundo... que, apesar das disputas internas, nesta edição se afirmou mais fortemente contra o capitalismo. Outras iniciativas serão fundamentais fora do espaço do fórum. Vivemos uma época de crises estruturais: ambiental, energética, financeira, económica, alimentar. Estas crises destruíram a base ideológica do neoliberalismo que encontrava justificação teórica na afirmação de que a mão invisível do mercado é a melhor regulação, que tudo arranjará, e assim quanto menos Estado melhor. Essa teoria caiu por terra, sobretudo quando o que o neoliberalismo produziu foram crises sucessivas e de fortíssimo impacto que recorreram aos Estados para salvar o que os mercados destroem com a avidez que os caracteriza. Actualmente, o capital procura novas formas de se auto-justificar. Tudo indica, pelos sinais que vão aparecendo que as respostas vêm mais à direita e mais agressivas ainda. Simultaneamente, as esquerdas estão também em crise pela falta de capacidade de mobilizar e responder eficazmente às consequências das crises actuais e promover a transformação necessária, assim como fazer face às ameaças da extrema direita. É fundamental, apesar da diversidade e com esta como elemento a valorizar, avançar para a construção de plataformas políticas amplas que tenham como objectivo apresentar alternativas políticas fortes com capacidade de fazer face ao avanço do capitalismo e das direitas, que tenham capacidade de integrar partidos e movimentos em processos amplos de convergência. Será isto possível? A ver vamos, mas os custos de não o fazer serão certamente muito maiores. No entanto, é importante encontrar boas formas de articulação entre movimentos e partidos (o que continua a ser tabu no FSM, apesar de os partidos estarem e naturalmente disputarem também este espaço). Independentemente de os movimentos se terem reforçado neste processo e de conseguirem também gerar muitas vitórias parciais muitas vezes esquecidas, sente-se que o movimento social e as esquerdas enfrentam grandes desafios e têm fragilidades; o apelo à urgência na acção e à procura de respostas e a insistência na convergência foram palavras de ordem.
Manchas no Fórum Algumas questões que mancharam o fórum e outras sobre as quais é necessário reflectir: a delegação Sarauí foi sistemáticamente atacada (materias destruídos, ataques verbais e físicos) em todos os espaços do fórum, nos seus ateliers, noutros onde procuravam intervir ou onde quer que estivessem. O resto do Fórum assistiu a estes incidentes de forma incrédula e teve dificuldades até em reagir. Um forte delegação marroquina, de supostos activistas de movimentos sociais estava impregnada de sindicatos e movimentos altamente comprometidos com o reinado de marrocos e a sua integridade territorial e não olharam a meios para impedir a expressão dos Sarauís. O uso de violência e de censura é intolerável no fórum e deverá ser uma preocupação a ter em conta. Por outro lado, essa situação leva-nos a outra: o financiamento do fórum por parte dos estados marroquino e argelino aconteceu e é inaceitável. A forte presença de tendas marroquinas e da sua delegação mostraram bem o que pode acontecer. Tambérm existia uma grande tenda do brasil com bastante publicidade a programas estatais. A omnipresença (dependência?) dos chefes de estado da América Latina aconteceu mais uma vez: Evo Morales interviu no acto de abertura e Lula foi recebido com grande alarido. Até que ponto é que o Fórum deverá permitir este tipo de colagens? até que ponto é que o Fórum deverá permitir a forte presença de publicidade e apoio da Petrobrás e até de momentos Danone (que acabou, felizmente por ser cancelado)?. A credibilidade do fórum é claramente posta em causa. Apesar de sabermos que as necessidades financeiras e logísticas deste espaço são muito elevadas e estão longe de ser suprimidas, causando grandes dificuldades à organização, a requalificação deste espaço precisa-se! Rita Silva
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A Comuna 33 e 34
A Comuna 34 (II semestre 2015) "Luta social e crise política no Brasil" | Editorial | ISSUU | PDF
A Comuna 33 (I semestre 2015) "Feminismo em Ação" | ISSUU | PDF | Revistas anteriores
Karl Marx