A Comuna na comuna Versão para impressão
Segunda, 21 Março 2011

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Há 140 anos, passados no dia 19 de Março de 2011, nasceu a Comuna de Paris.

A sua efémera  duração não impediu que ficasse na História como referência perene da luta do proletariado pela extinção do Estado.

Artigo de Mário Tomé

 

 

Não apenas do Estado burguês mascarado de entidade nacional, acima da luta de classes, «planando acima da sociedade»*, «sendo todavia ele próprio o maior escândalo dessa sociedade e, ao mesmo tempo, o foco de todas as corrupções»*, mas de todo o Estado enquanto central burocrática, centro de poder da classe possidente, tendo como esteio o exército permanente e como instrumento a burocracia administrativa.

«A Comuna não foi uma revolução contra uma forma qualquer do poder de Estado, legitimista, constitucional, republicano ou imperial. Foi uma revolução contra o Estado como tal, contra esse aborto monstruoso da sociedade; foi a ressurreição da autêntica via social do povo, realizada pelo povo»*.

Como as revoluções de 1848, a própria Comuna teve duas etapas: a primeira, «republicana», quando a guarda nacional se investe da missão de defender Paris contra a capitulação de Versailles perante o exército prussiano; a segunda quando o proletariado da Paris e os revolucionários em aliança com a Guarda Nacional se apoderam dos canhões de Montmarte não acatando as ordens de Thiers, tornado presidente da III República decorrente do aprisionamento do Rei em Sedan pelo exército da Prússsia, para os entregar ao inimigo nos termos da capitulação assinada. A revolta da população de Paris obriga Thiers a refugiar-se em Versailles.

As medidas tomadas pela Comuna têm como elemento comum a socialização da economia e da política, a equalização das relações sociais, a laicidade do Estado e a generalização e gratuitidade de todas as funções sociais como o ensino, tornado obrigatório, a proclamação das mais amplas liberdades e, medida primeira, a abolição do exército permanente e da polícia substituídos pelo armamento geral do povo. Deixou de haver «representantes», substituídos por delegados eleitos por sufrágio universal, responsáveis e revogáveis a todo o momento, o mesmo acontecendo com os elementos da justiça e da polícia.

Estamos perante medidas jamais tentadas, mas decerto sonhadas por todos os proletários e fazendo parte do programa da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT)

A utopia tornava-se realidade. A Comuna foi talvez o momento em que o movimento de classe do proletariado se tornou realidade, em que os seus anseios deixaram de ser vistos como utopia para passarem a ser uma perspectiva verosímil e objectivamente alcançável.

Mas a hesitação (Marx considera em carta a Kugelmann que deviam ter avançado logo para Versailles e demorar mais algum tempo o poder centralizado no CC!!!)  permitiu a Thiers conseguir a  ajuda dos prussianos que libertaram milhares de prisioneiros de guerra para constituirem a força executante da repressão da Comuna, apoiada histericamente por grandes intelectuais como Flaubert. O esmagamento foi brutal e impiedoso. As tropas de Thiers vencida a resistência da Comuna (foram 100 mil soldados contra 15 mil milicianos defendendo a cidade)  executaram vinte mil pessoas que somadas aos mortos em combate chegaram aos 80 mil. E o massacre só terminou por receio de que o número de mortos pudesse provocar alguma epidemia.

Não obstante, Karl Marx que esteve em Paris para viver essa grande aventura da humanidade, que  descreveu e analisou no seu enquadramento histórico, numa das suas obras maiores, «A Guerra Civil em França», dizia em carta a F. Domela Nieuwenhuis em 22 de Fevereiro de 1881:«mesmo sem considerar que se tratava da sublevação de uma única cidade em condições excepcionais, a maioria da Comuna não era nada socialista [os membros da Comuna iam desde os blanquistas – Blanqui fora eleito presidente –a  proudhonistas e membros da AIT, etc.] nem podia sê-lo. Um mínimo de bom senso ter-lhe-ia no entanto permitido obter um compromisso com Versailles, vantajosso para as massas populares – o que era então a única coisa realizável. Terem-se apoderado do Banco de França teria por si só sido suficiente para, no emio do pânico pôr fim à megalomania de Versailles, etc.»

As reformas liberais que o desenvolvimento capitalista exigia ainda cabiam nas relações de produção vigentes e a  burguesia no século XIX, à excepção dos Estados Unidos durante a guerra civil contra a escravatura, perdera toda a capacidade revolucionária limitando-se a gerir em seu proveito a tensão de classes usufruindo das próprias conquistas que o proletariado lhe foi arrancando à custa de muita luta, muito sofrimento e muito sangue.

As crises revolucionárias que desencadeiam  o movimento espontâneo das massas surgem no meio de uma grande complexidade de relações e de tensões políticas e sociais, geridas das mais diversas formas, tantas vezes subtis e discretas, pela dialéctica das relações políticas e sociais em situações nem sempre fáceis de caracterizar em cada época histórica.

O sobressalto revolucionário pode surgir independentemente de estarem conjugadas as condições que o assegurem vitorioso. A política do proletariado tem como objectivo declinar um programa capaz de lhe dar seguimento: travando a resposta do inimigo e assegurando a construção em movimento e na acção das condições favoráveis, ou neutralizando as desfavoráveis, ao êxito.

A Comuna confirma em toda a plenitude do seu significado histórico  que a selvajaria da burguesia não tem limites, a sua crueldade roça o sadismo, a sua bestialidade escorre de todos os poros dos mais civilizados seres do planeta. Basta que sinta que o seu poder está realmente em causa.

O proletariado, que hoje não pode já sequer comparar-se ao dos tempos da Comuna ou da Revolução de Outubro, mas que fez a sua estreia em Maio de 68, tem outra dimensão quantitativa e qualitativa. As suas condições de exploração refinaram e aprofundaram-se mas a sua presença activa e objectivamente revolucionária, faz dele o  factor decisivo de sustentação da democracia e permite-lhe impor um  papel visível na dinâmica política da sociedade capitalista enquanto está em condições de dominar e controlar os novos meios de comunicação embora os de informação ainda muito lhe escapassem até ao recentíssimo fenómeno da Wikileaks.

As revoluções tão só iniciadas e sem caminho bem definido, mas ainda assim revoluções populares, na Tunísia e no  Egipto (o que se passa na Líbia exige mais ponderada análise) parecem ser já de uma outra geração. As massas populares afirmam-se na ocupação do espaço público em manifesta imposição da sua expressão maioritária, sem necessidade de representação.

O 140º aniversário da Comuna de Paris passou em Portugal entre duas magnas demonstrações de vontade maioritária de transformação política.

A primeira, dia 12, solta, livre, alegre, num somatório de consciências em construção e de clareza de objectivos assumidos individualmente originando um surpreendente e arrasador colectivo em movimento, numa clara asumpção de novos caminhos e novos protagonistas.

A segunda, dia 19, numa poderosa afirmação de vontade política no movimento sindical, enquadrada numa tradicional estrutura organizativa, pesada, fechada, eficaz na sua organização, mas atada por uma concepção ortodoxa do movimento.

O futuro conta certamente com o encontro das duas, mas a primeira irá marcar o ritmo, na liberdade e na democracia que não podem suspender-se seja em nome do que for.

Compete-nos entender o momento histórico e afinar a proposta política que corresponda aos interesses maioritários e os reforce na sua liberdade de expressão e no seu conteúdo transformador.

 

A Comuna 33 e 34

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