As vésperas do FMI Versão para impressão
Quinta, 07 Abril 2011

Não ao FMI

Ontem, 6 de abril, ao fim do dia, Sócrates, primeiro-ministro de um Governo que se demitiu na sequência do chumbo do austeritário PEC4, escancarou as portas ao maior ataque austeritário em Portugal, desde o início dos anos 80. Sócrates pediu a intervenção do fundo europeu e do FMI.

 

Artigo de Bruno Góis

 

Este acontecimento, que será seguramente de má-memória, deve ser enquadrado num contexto de acontecimentos que muito têm a dizer sobre o momento da luta social e política que vivemos.


Recapitulemos alguns acontecimentos: a 10 de fevereiro, o Bloco de Esquerda anuncia para daí a um mês (no primeiro dia em que constitucionalmente teria efeito) uma moção de censura ao Governo e à maioria (PS/PSD/CDS) responsável pela "queda dos salários, aumento dos impostos, do corte no abono de família", uma moção de censura em defesa dos desempregados de longa duração, dos trabalhadores vivem em situação totalmente precária, e para impedir medidas do governo "como os despedimentos simplex".

A este anúncio seguiu-se uma forte campanha encabeçada pela direita em defesa do Governo, com Passos Coelho a dizer que "é o tempo de o PS governar", e com os comentadores de serviço a acusar a Moção do Bloco de Esquerda de ser uma irresponsabilidade, a acusar o Bloco de provocar uma crise política. Quando, na verdade, crise política é ter um governo suportado por uma maioria parlamentar não-assumida, que governa unida de facto contra a maioria do povo e até contra o próprio programa do partido mais votado - o programa do PS.


O Bloco de Esquerda defendeu (e bem) a devolução da palavra ao povo, defendeu que só pela democracia podia resolver a crise e a instabilidade que o Governo impõe como inevitabilidade à vida das trabalhadoras, dos desemprecários, das pensionistas pobres e dos jovens condenados a viver pior que os seus pais.


A 9 de março, na sua tomada de posse para o segundo mandato como Presidente da República, Cavaco assume-se como líder da direita e incita a um "sobressalto cívico", atacando o Governo/PS, deixando claro a Passos Coelho e ao PSD que, contrariamente ao que vinham dizendo, era mesmo o momento de (parafraseando Passos Coelho) "ir ao pote". Era tempo de a política liberal mudar de liderança, algo que mudasse para que a política anti-social do liberalismo, seguindo o mesmo rumo, saísse reforçada, tivesse um novo folgo.


No dia 10 de março, o Bloco de Esquerda apresenta a moção de censura "em nome das gerações sacrificadas", contando apenas com o apoio da esquerda parlamentar. O PSD e o CDS suportam o governo assobiando para o lado, pela abstenção. Foi conseguida a clarificação de qual era a maioria que apoiava o Governo e a política austeritária. E foi conseguida a apresentação de uma censura parlamentar de esquerda, que representava o descontentamento e a censura popular que já se fazia sentir nas ruas, pelos diversos protestos e greves em diversos sectores, nomeadamente transportes e educação, pela convocação do protesto da Geração à Rasca para 12 de março e pela convocação da manifestação da CGTP para 19 de março.


Dia 11 de março, o governo anuncia o PEC4, tendo feito questão de nem falar disso no Parlamento, no dia anterior, nem dar conhecimento ao Presidente da República. Ao PSD, seu parceiro de todos os PEC's, fez também questão de apresentar o PEC4 como um facto não negociável, de forma a dar pretexto ao PSD para não o aprovar.


O 12 de Março, iniciativa de quatro jovens divulgado inicialmente pelo facebook e depois pelo merecido destaque na comunicação social tradicional, revelou-se uma um acontecimento que fica na história da vida política e social portuguesa pela mobilização de mais de 300 mil pessoas que saíram às ruas de Lisboa, Porto e outras cidades pelo continente, ilhas e, mesmo, junto de algumas embaixadas portuguesas.

 

Note-se que o protesto era apartidário mas não era apolítico, aliás a manifestação convocada para a mesma hora e local pela extrema-direita contra todos os partidos (dita "1 milhão na Avenida da Liberdade pela demissão de toda a classe política" ) acabou por se ver "obrigada" a "apenas" tentar cavalgar a manifestação da Geração à Rasca.  Ainda assim (e por isso), foi indesmentível a presença das críticas de direita e extrema-direita no protesto.

 

No entanto, a reclamação do direito ao trabalho e a uma vida sem precariedade respirava muito mais as referências ao 25 de Abril, recuperando alguns cravos e palavras de ordem, e principalmente à "Geração casinha dos pais" que quer sair da "casinha dos pais" (Deolinda) e à luta do "Povo, Pá!" (Homens da Luta). Nesse protesto, ficou demonstrado que, ainda que a iniciativa tenha partido da juventude, todas as gerações à rasca se uniram em solidariedade, em nome de um "País precário! [que] Saiu do Armário!".


Nos dias seguintes, o Arco da Governabilidade Falhada PS/PSD/CDS segue indiferente e surdo, salvo referências vazias, a um protesto que, nas palavras do próprio Marcelo Rebelo de Sousa, embora apartidário tinha maioritariamente um carácter de esquerda. O PS segue o jogo da arrogância de uma invitabilidade que já não negoceia o "mata e esfola" com o PSD, agora é "mata" ou "mata". E o PSD, sempre que questionado sobre as razões para o chumbo anunciado do PEC4, invocava razões de forma mas não de conteúdo, visto que o PEC4 era a política liberal, era a sua política. E a vontade de "ir ao pote" era a única razão de fundo do PSD.


A 23 de março, a Assembleia da República rejeitou o PEC4 e Sócrates apresenta a demissão do Governo. O PSD, que com os outros partidos da oposição participou no chumbo deste PEC, não tardou muito para acrescentar razões à pura vontade de "ir ao pote": afinal o PSD chumbou o PEC4 porque este “não vai tão longe quanto devia”. Passo Coelho defende um plano "mais rigoroso", defende que é precisa a privatização parcial da Caixa Geral de Depósitos e entrega aos privados de empresas de transporte ferroviário e rodoviário, órgãos de comunicação social e Águas de Portugal.

A 31 de março, nas mesmas declarações em que convoca as eleições legislativas para 5 de junho, Cavaco Silva deixa claro que o Governo de Gestão NÃO está "impedido de praticar os actos necessários à condução dos destinos do país, tanto no plano interno, como no plano externo" - ou seja, que pode chamar o FMI.


A 5 de abril, o Governo demissionário assume que, embora em gestão, as medidas do PEC4 estão e vão ser aplicadas. No mesmo dia, entra em cena a chantagem da banca portuguesa para a entrada do FMI, a banca decidiu colocar um garrote no financiamento do Estado.


No dia 6 de abril, Sócrates assume formalmente o pedido de "assistência financeira" e escancara as portas à entrada da intervenção do fundo da UE e do FMI. Isto passou-se apenas 24 horas depois de Ricardo Salgado (BES) ter afirmado que seria "um erro grave" se o recurso à "ajuda externa" não fosse pedido de imediato.


O Governo demissionário do PS, em aliança nada secreta com o PSD, com a banca portuguesa e os interesses das burguesias europeias, tomou inequívoco partido por um dos lados, assumiu uma posição de classe - a da classe burguesa. À pergunta "quem paga a crise?", Cavaco, Sócrates, Passos e Paulo Portas nunca se enganam e nunca têm dúvidas: pagam as gerações sacrificadas, a crise vai ser paga pelo roubo dos salários, da produção e dos serviços públicos.


Do outro lado, aprendendo com toda esta história, e temos outra resposta para a mesma pergunta, queremos que pague quem nunca pagou, que pague quem mais beneficia deste sistema de exploração do trabalho alheio. É tempo de mudar o futuro, de lutar pelas nossas respostas ao problemas criados pela burguesia. Como disse Simone de Beauvoir, "O presente não é um passado em potência, ele é o momento da escolha e da ação."

 

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