Mais trabalho significa mais democracia |
Terça, 24 Maio 2011 | |||
O Público dava ontem conta de 204 mil pessoas desempregadas que não entram nas estatísticas do desemprego porque já desistiram de procurar emprego. Diz-nos que “Se estas 204 mil pessoas contassem para as estatísticas, o número de desempregados disparava dos 689 mil para os 892 mil. E a taxa de desemprego, que, no primeiro trimestre de 2011, atingiu o nível histórico de 12,4 por cento, estaria nos 15,5 por cento”. A força de trabalho é o reduto inalienável de poder individual de participação e de intervenção na sociedade. A detenção da força de trabalho é o elemento básico de intervenção nos processos colectivos de negociação das configurações de uma sociedade: quanto mais emprego, mais força têm os detentores da força de trabalho para influenciar configurações favoráveis aos trabalhadores. A este propósito, sabemos que, historicamente, na Europa, níveis próximos do pleno emprego e a expansão dos direitos sociais e provisão pública emergiram de forma relacionada. Quer dizer, a provisão pública de igualdade de oportunidades – garantia essencial de democracia – é conquista social associada a uma forte capacidade interventiva e negocial do trabalho. O que os números do Público nos dizem, portanto, é que há hoje cerca de um milhão de pessoas que foram despojados do seu instrumento básico de participação na sociedade e que, em contrapartida, o bloco colectivo que protege e faz avançar os direitos sociais e a valorização laboral está “desfalcado” em um milhão de activos, cada um e cada uma impedidos de acrescentar a sua força – a ameaça de greve – porque foram despojados dela. Mas não é só o desemprego que diminui a capacidade de influência dos trabalhadores na sociedade. Segundo o Eurostat, a estes 900 mil desempregados juntam-se cerca de um milhão e cem mil precários, entre recibos verdes e contratos temporários – pessoas que podem perder o seu trabalho, o seu elemento de poder na sociedade, a qualquer momento e sem protecção. Contas feitas, isto faz cerca de dois milhões de pessoas com armas de participação na sociedade ou inexistentes ou altamente deficitárias. Isto é inaceitável, do ponto de vista da democracia. E, entre austeridade e flexibilização da legislação laboral, o desemprego vai aumentar. Toda a gente diz e o Banco de Portugal confirma-o no seu relatório divulgado a semana passada. As palavras usadas são “recessão prolongada acompanhada de uma contracção sem precedentes do rendimento disponível real das famílias e de novos aumentos da taxa de desemprego”. De facto, o fanatismo ideológico e o pensamento único mais enraizado não resistem às evidências empíricas. A Grécia, “ajudada” há um ano pelo FMI e União Europeia ainda não viu a sua taxa de desemprego parar de subir. Na Irlanda, a mesma “ajuda” e a mesma cassete fizeram, desde a intervenção em Novembro de 2010, disparar o desemprego para 14,6 % da população activa do país. Em Espanha, a reforma da legislação laboral que, em Junho de 2010, veio tornar os despedimentos mais baratos, também não cumpriu a promessa de incentivar a contratação e o desemprego não pára de bater recordes, estando, presentemente, acima dos 21 por cento. Três pontos para concluir e orientar o discurso que responde à exigência de mais democracia através da exigência de políticas de emprego: Antes de mais, a luta por mais e melhor democracia coloca o trabalho no centro do seu discurso reivindicativo. O trabalho é a forma mais irredutível de participação na sociedade e nos processos decisionais sobre o seu rumo. Exigir mais democracia significa exigir mais trabalho, mais protecção e valorização desse trabalho. Em segundo lugar, um discurso exigente de políticas de emprego desenvolve-se a par da rejeição categórica da retórica da flexibilização das relações laborais como estratégia para criação de emprego. As evidências empíricas na Grécia, Irlanda e Espanha são indesmentíveis: a precarização destrói o emprego. E o desemprego e a precariedade esvaziam a democracia. Finalmente, não por ser secundário mas por ser uma dimensão presente em todas as questões referidas, importa referir que a notícia do Público diz-nos ainda que, das mais de duzentas mil pessoas que desistiram de procurar emprego, a maioria são mulheres. Desemprego e precariedade corroem o poder de participação na sociedade e, como tal, corroem a democracia; mas o desemprego e a precariedade atingem as pessoas de forma diferente, de acordo com uma multiplicidade de discriminações em vigor na sociedade (idade, nacionalidade, orientação sexual, etc.) a que a reivindicação por mais democracia deve estar atenta, sendo que a discriminação de género atravessa e está presente em todas as dimensões da exclusão – todas elas atingem sempre as mulheres de forma mais severa. Por esta razão, um discurso reivindicativo de políticas de trabalho, por mais e melhor democracia, deve sempre conter este reconhecimento e adereçar esta situação de forma explícita. Mariana Santos
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A Comuna 33 e 34
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