Era segunda-feira, 30 de maio, faltavam poucos dias para as eleições. Estava na sede nacional, no meio de uma série de tarefas de campanha e, em campanha, todo o tempo é pouco. Mas houve uma ótima razão para interromper toda essa agitação. Tocaram à porta uma rapariga e um rapaz que vinham da Áustria e queriam conhecer o Bloco de Esquerda.
Falaram-me da política austríaca, nomeadamente da não existência de um partido socialista e anti-capitalista com expressão nacional na Áustria. A jovem e o jovem de que vos falo fazem parte de um pequeno grupo de esquerda chamado Linkswende (Left Turn) ligado à International Socialist Tendency, corrente trotskista da qual é figura destacada Alex Callinicos e que tem como figuras histórica Tony Cliff, fundador do britânico Socialist Workers Party. Contaram-me as dificuldades dos grupos de esquerda na Áustria em gerar uma força de esquerda capaz de conseguir levar a sua voz e as suas propostas no parlamento nacional. Desses pequenos grupos, os que chegam a conseguir apresentar-se a eleições nacionais têm frequentemente muito abaixo do 1%: os 0,05% (zero vírgula zero cinco por cento) do Sozialistische LinksPartei, nas legislativas de 2006, por exemplo.
Um dos motivos imediatamente apontado pela jovem e pelo jovem para a fraqueza da esquerda socialista austríaca foi o sectarismo. Recomendei-lhes a leitura do artigo do Francisco Louçã: "Sectarismo: um fantasma que ameaça a esquerda" (http://combate.info/media/288sectarismo.pdf). De facto, penso que o "Sectarismo: um fantasma que ameaça a esquerda" do Francisco Louçã e o "Partido, razão necessária" do Luís Fazenda (http://www.esquerda.net/virus/index.php?option=com_content&task=view&id=80&Itemid=26) são contributos teóricos importantes para todas e todos quantos pretendam gerar a força necessária a uma alternativa democrática, socialista e anti-capitalista na Europa.
A experiência do Bloco de Esquerda interessava-lhes muito. Falei do Começar de Novo (http://www.bloco.org/media/comecardenovo.pdf), de como a convergência das diferentes de correntes e experiências da esquerda social e política formaram um partido de tipo novo, unido na construção de uma política socialista. Afirmei, assumindo como opinião pessoal, que o tipo de partido que faz falta à esquerda na Europa (e possivelmente noutras partes do mundo) é um partido como o Bloco de Esquerda, em que várias correntes teóricas e ideológicas e várias experiências dos movimentos e da luta social convergem, sublinho, na construção de uma política socialista. Esse projecto político é um projecto autónomo, capaz das convergências exigidas por cada luta política e social mas sem perder a sua identidade e o seu carácter alternativo.
À data da visita daquela jovem e daquele jovem da Áustria que anseiam por um partido que faça a diferença, que lhes dê voz, esperança e futuro, eu já tinha a percepção da derrota que se aproximava. Dias antes, falava com uma camarada sobre isso. Qual é o pior resultado que nos dão nas sondagens? perguntei-lhe. Respondeu-me um número desagradável que nem estava muito longe do que veio a verificar-se. Depois, questionei a camarada e se tivermos esse resultado no dia 5, o que é que temos no dia 6? A resposta dela foi que tínhamos força para lutar e para dar a volta a isto. E a minha resposta foi esta: que temos um partido para lutar e conquistar o futuro. A história da esquerda é feita avanços e recuos, conquistas e derrotas. O que eu vi na noite de dia 5, na sede nacional, foi muita unidade e muita força, uma estranha força que intrigou os jornalistas.
Nos dias seguintes, a história pública e publicada é sobejamente conhecida e agrava a situação de um partido saído da sua primeira grande derrota. Mas para além disso e sem fugir a essas controvérsias, há um trabalho minucioso, diário, demorado, do debate profundo e multi focado das razões do crescimento e do recuo do Bloco. Tenho participado em muitos desses momentos, formais e informais, de debate e, principalmente, escutado. Militantes e simpatizantes de vários lugares e com diferentes opiniões têm-me ensinado a ver a questão de vários prismas; estas análises não são simples. É com elas e com eles, com as suas opiniões, o seu trabalho diário e o seu contributo que vamos seguir em frente.
O frenesim das minhas tarefas de campanha parou por um momento, naquele dia. Como socialista, como europeísta de esquerda, tive a percepção de que era importante trocar ideias e experiências com jovens que, como eu, estão comprometidos com a busca de uma alternativa democrática e socialista ao capitalismo. Faço votos para que, tão breve quanto possível, se possam orgulhar, na Áustria, de ouvir de uma bancada sua uma saudação como a da Catarina Martins à queda do Muro de Berlim: http://youtu.be/7sEc447PWKY.
Bruno Góis
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