Vi er alle Norge* |
Terça, 26 Julho 2011 | |||
Foi com consternação, choque, muita tristeza mas sem surpresa que acompanhei os acontecimentos horrorosos na Noruega.
1 Choque sem surpresa
Quer viessem de extremistas islâmicos ou de um indivíduo ou movimento de extrema direita, os atentados que ocorreram em Oslo e na ilha de Utøya eram previsíveis numa sociedade em que o belicismo, o racismo em geral e a islamofobia em particular são cultivados culturalmente e alimentados politicamente. Talvez não seja a imagem mais associada à terra do pai natal, mas a tensão racial na Noruega é um facto assim como o crescimento dos movimentos de extrema direita. Mas estes movimentos não crescem naturalmente em lado nenhum. Só uma grande permeabilidade social, uma apatia coletiva permitem que se façam campanhas racistas nos mídia sistemáticas, sem que haja uma voz norueguesa de contestação: um partido, um sindicato, uma associação de defesa dos imigrantes; ninguém. No verão de 2009, mais de 20 taxistas da região de Rogaland (todos eles estrangeiros e maioritariamente turcos e paquistaneses) foram expostos nos mídia por alegadas acusações de violação sexual e abusos desse foro a clientes norueguesas, fazendo as 1ªs páginas dos diários. Em Dezembro desse ano só 3 das investigações deram origem a processos. A revolta nos taxistas era evidente. Mas sem organização não passava disso mesmo, de revolta. Ainda tentaram uma manifestação mas rapidamente foram “aconselhados” pela polícia de Stavanger a desistirem da ideia. A marcha lenta devidamente assimilada por um cordão de veículos da polícia acabou por ser a única manifestação de desagrado. Este pequeno exemplo é o retrato fiel das campanhas anti-imigrante orquestradas nos mídia noruegueses. De forma sistemática, tablóides como o VG (diário mais lido na Noruega, de linha direitona que por ironia teve a fachada do edifício sede destruída na explosão de Oslo), traziam as suas 1ªs páginas com exultação à nacionalidade de um qualquer criminoso (sempre de nacionalidade não loura ocidental), em campanhas de ódio constantes. Toda esta campanha ideológica tem responsáveis políticos, neste caso os partidos de direita e extrema direita noruegueses. 2 - Como chega a guerra ao país do prémio Nobel da paz?
A Noruega tem o estado mais rico do mundo e uma situação económica estável. Embora a direita norueguesa conserve o seu traço liberal, apresentando propostas como a da utilização do fundo do petróleo por destribuição direta à população, é nas questões culturais e de identidade que tentam marcar o seu espaço político. O høyre (direita), numa versão mais soft mas determinada e o FRP (Framstegpartiet – Partido do progresso); têm de forma constante constituido uma oposição ao governo norueguês do Ardeiderpartiet (Partido do trabalho) alimentada num discurso de restrição à entrada de imigrantes e de integração dos imigrantes já presentes na Noruega. Um 2º traço ideológico destes partidos é a identidade religiosa que tentam firmar na Noruega. O cristianismo como pilar cultural e social, é uma bandeira do FRP desde que se formou em 1978. Se no passado serviu mais para disputar influência e simpatia do eleitorado através da identidade partidária, após o 11 de Setembro esta mensagem religiosa e identitária revestiu-se de um discuso de ódio contra os islâmicos em prol dos cristãos nórdicos, o velho discuso do nós ou eles. O 3º aspeto ideológico não é exclusivo da direita. O belicismo, quer seja através do alinhamento com a economia de guerra norte americana, quer seja na promoção do negócio de armamento ( a Noruega pertence aos 10 maiores negociantes de armas do mundo), tem trazido para a sociedade norueguesa uma convivência pacífica com os discursos de guerra. A imagem da Noruega fortaleza, cristã, rica (quase por direito divino, diria eu) e potência bélica tem sido propagada e assimilada ao longo das últimas décadas na Noruega. Quando se submeteu a eleições parlamentares, em 1997, o FRP obteve pela primeira vez o 2º lugar na representação do Parlamento norueguês. Esta posição de maior partido de oposição, com um apoio grande de massas, tem sido mantida nas duas últimas eleições de 2005 e 2009 com o tal discurso racista e islamofóbico. 3 - Os imigrantes foram retirados da geometria social
A Noruega desenvolveu muito o seu Estado Social através de uma fórmula que, não sendo exclusiva da Noruega dentro dos países nórdicos, acenta num triângulo social que (em partes mais o menos iguais até um passado recente) mantiveram um equilíbrio social: o governo, sindicatos e associações patronais. Com o desenvolvimento do neoliberalismo global este equilíbrio é cada vez mais difícil, sendo os imigrantes os primeiros trabalhadores a serem atacados nos seus direitos. Numa sociedade em que os direitos laborais ainda fazem parte da realidade, os imigrantes são o elo mais fraco. Hoje são comuns os casos de abusos laborais sobre as comunidades imigrantes assim como a incapacidade dos sindicatos de os organizar (por culpa dos próprios e da sua incapacidade de sair da lógica nacionalista) e da autoridade que inspeciona as condições de trabalho (Arbeidstilsynet) que, confidenciava-me um dos inspetores em Novembro de 2010, após a reestruturação desse serviço não tem inspetores suficientes para o enorme número de queixas e denúncias feitas por trabalhadores estrangeiros. Com um discurso político racista, os sindicatos a assobiarem para o lado e o governo sem dar meios para a inspeção do trabalho, é com facilidade que o vértice do patronato vai avançando na sua ofensiva contra os direitos laborais que hoje vai sendo expressiva no trabalho imigrante mas que amanhã será inexoravelmente na classe trabalhadora toda. 4 - E depois do luto?
A Noruega nas últimas décadas, através dos seus sucessivos governos, tem uma posição de subducção política em relação aos EUA no que à política externa concerne. O alinhamento sistemático com os interesses norte americanos na política de guerra tem levado a Noruega a uma colagem política que tem trazido mais obstáculos na condução da política externa norueguesa que soluções. Com interesses estabelecidos na economia energética mundial, com múltiplas agressões na exploração de países subdesenvolvidos (a filantropia norueguesa, como todas as outras, é a de dar uma mão do que se tirou com uma escavadora, o que per si merecia um artigo...), a Noruega tem-se submetido sempre aos interesses da casa branca, seja na sua política de guerra, seja na sua política económica em relação aos hidrocarbonetos. Não raras vezes a Statoil Hydro (empresa avançada na defesa dos interesses da Noruega no mercado mundial dos hidrocarbonetos) tem de reformular a sua política empresarial por contradições com a política de guerra seguida. Este posicionamento é uma barreira intransponível para uma sociedade que se pretende tolerante e multicultural. A retirada do eixo de ocupação norte americano e o respetivo apoio político urge para que haja na Noruega condições de diálogo social e que não apareçam inevitavelmente como pano de fundo. A defesa dos direitos dos imigrantes, em particular no aspeto primário da sustentabilidade social – o trabalho, tem de ser uma das linhas de defesa para o futuro da paz social na Noruega. Enquanto se permitirem abusos dos imigrantes de forma generalizada, os sentimentos rácicos e xenófobos serão uma extensão natural da economia. Embora ainda seja prematuro prever as consequências políticas desta imensa tragédia, temo que a conclusão de que foi um ato isolado de um tresloucado se venha a impôr e que as medidas securitárias se sobreponham às medidas políticas. O futuro o dirá. Para já, que se conforte as vítimas e as famílias e que se apurem responsabildades. Hoje somos todos noruegueses mas sem esquecer que ontem já todos éramos Noruega. Rui Abreu *Nós somos todos Noruega
|
A Comuna 33 e 34
A Comuna 34 (II semestre 2015) "Luta social e crise política no Brasil" | Editorial | ISSUU | PDF
A Comuna 33 (I semestre 2015) "Feminismo em Ação" | ISSUU | PDF | Revistas anteriores
Karl Marx