O duplo atentado na Noruega chegou a ser atribuído (por impulso do discurso dominante sobre o terrorismo) aos fundamentalistas islâmicos. Contudo o autor confesso é um membro da extrema-direita norueguesa chamado Anders Behring Breivik, um europeu nórdico de 32 anos, fundamentalista cristão, anti-islâmico.
Afirmava-se que tinham sido pelo menos 92 mortos: mais de 80 mortos no acampamento de jovens do Partido Trabalhista na ilha de Utoeya e os 7 mortos e 2 feridos do atentado à bomba em Oslo com que a tragédia começou. Entretando esse número foi corrigido para 76 mortos. O relatório da polícia de segurança interna da Noruega PST para 2011 assinalava que “um aumento da actividade dos grupos anti-islâmicos pode conduzir a uma mais acentuada polarização e a convulsões, nomeadamente durante ou em ligação a comemorações e manifestações”. Por outro lado, o mesmo relatório sublinhava que a principal ameaça em 2011 para a Noruega “não vem do extremismo cristão, mas sim do muçulmano”. O documento não podia ser mais claro: “Certos extremistas islamistas surgem actualmente cada vez mais orientados a agir a nível internacional e é principalmente este grupo que poderá constituir uma ameaça directa à Noruega”.
Não podemos estar certos sobre as informações que circulam na internet sobre o perfil (de facebook) do referido militante da extrema-direita. Mas o mais relevante, desde já e antes de apurados os factos, é que o crescimento da extrema-direita de carácter nacionalista e anti-islamico é negligenciado e muitas vezes protegido à sombra de uma suposta "tolerância democrática" ao crescimento dos fascismos, ou pelo menos de certos fascismos.
Aos conservadores, liberais e a todos os outros que querem virar a identidade política europeia de anti-fascista para anti-comunista (ver Uma teoria que não é socialista...) são acontecimentos como este que, infelizmente e com o custo de vidas humanas, vêm provar a necessidade de não esquecermos o legado anti-fascista da Europa. Da esquerda à direita, todas e todos os democratas europeus têm o dever de ser intransigentes na defesa da democracia e não permitir a organização política dos fascismos, independentemente das religiões e nacionalismos a que se associem.
A xenofobia razoável
A xenofobia soft já está a criar o seu argumento para o "filme" do autor confesso dos atentados de Oslo: «His rage, fed by video games, may also have been caused by the lack of real debate on the radical changes caused by a multiculturalism.» (em The Brussels Journal).
Entre outros elementos desse discurso, considero que entrar em contabilidades sobre quem matou mais é vergonhoso: «The thousands and thousands of people murdered by (radical) Islam should weigh heavier than these 92 deaths.» Como se matar uma pessoa não fosse de mais. Justificam-se os crimes com contabilidade de cadaveres? A existência de crimes de fascistas islâmicos justifica que se feche os olhos ao crecimento de uma extrema-direita anti-islâmica na Europa?
Mas neste momento, preocupa-me principalmente a teoria da "xenofobia razoável". É disso que trata a primeira citação, que é aliás uma amostra desse discurso. Uma forma do método polícia-bom/polícia-mau: para evitar a violência subjectiva e sangrenta dos "anti-muçulmanos hard core", há que aplicar uma política anti-muçulmana soft, ou seja, há que aplicar uma violência objectiva/estrutural de barreiras legais à cultura e às pessoas muçulmanas: desde pribições de minaretes na Suiça (rever aqui) às leis anti-imigração selectivas.
Temos de estar atentos e politicamente atuantes, pois ressurge perigosamente uma política da "xenofobia razoável", da mesma linhagem do "anti-semismo razoável" do colaboracionista francês Robert Brasillach, que afirmou em 1938:
“Nós nos permitimos aplaudir Charlie Chaplin, um meio judeu, nos cinemas; admirar Proust, outro meio judeu; aplaudir Yehudi Menuhin, um judeu; e a voz de Hitler é carregada por ondas de rádio que receberam seu nome do judeu Hertz (…) Nós não queremos matar ninguém, nem queremos organizar nenhum pogrom. Mas também pensamos que a melhor maneira de conter as sempre imprevisíveis ações do anti-semitismo instintivo é organizar um anti-semitismo razoável.” (Robert Brasillach)
Bruno Góis
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