Música: uma expressão política Versão para impressão
Sexta, 27 Janeiro 2012

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A arte sempre deu inúmeras formas ao ser humano de expressar os seus sentimentos e convicções. Seja pintura, escultura, arquitectura, música ou escrita, a sua evolução sempre acompanhou as mudanças políticas e sociais de mundo; a arte pode ser vista como representação de um momento histórico. Nesta série de artigos dedicamo-nos à relação da música à política, aos movimentos sociais, a estilos de vida e à esquerda; da música brasileira ao ska, do punk ao jazz, do rock ao metal, vários estilos são abordados, com perspectivas históricas e ideológicas sobre as suas relações com determinados grupos e movimentos.

Desde a antiguidade clássica que a música é um factor importante no estudo das sociedades; permite percebermos o que as pessoas pensavam e de que maneira o faziam; o facto de ser acessível a todos e a todas ou apenas a uma elite indica-nos o tipo de hierarquização da sociedade o que nos leva, por sua vez, a um determinado regime político. Nos tempos mais recentes, a música tem vindo a tornar-se apenas mais um monstruoso negócio capitalista, com uma indústria elitista que a governa, formulando aquilo que ouvimos todos os dias na rádio ou na televisão; o fenómeno da música mainstream, mais pop, tem vindo a açambarcar a cultura musical.

No entanto, há excepções à regra, e muitas delas podem ser entendidas como uma maneira de os artistas levantarem a sua voz contra as amarras que prendem, hoje, a criatividade musical, que passam pelo lucro: se um determinado artista ou música não lucram, então não têm os mínimos apoios para lançarem os seus discos, por exemplo. Felizmente, a internet dá ferramentas cruciais a estes artistas que marcam a diferença, e é através dela que muitos e muitas de nós conseguimos aceder a um leque muito variado de sons, coisa que não conseguimos em grandes lojas de música.

E na verdade, já há cada vez mais movimentos musicais que se pautam por marcar a diferença face a uma cultura sugado pelo dinheiro, face a uma sociedade que descrimina, face a um sistema político e económico injusto, face a ditaduras políticas (como o caso da música portuguesa nos anos 60/70, com Zeca Afonso à cabeça, ou a próprio música brasileira mais ou mnenos da mesma época).

Gostaria de me focar num estilo mais específico, o metal, já que desde há muitos anos tem sido o meu estilo de música predilecto; penso que é importante desmistificar muitos dos pensamentos à volta deste género musical, pois está envolto em demasiados estereótipos que em nada correspondem à verdade. É um espectro musical extremamente alargado, muito se faz em todo o mundo neste âmbito, mas é conotado, acima de tudo, com violência, racismo por vezes, satanismo, até! Não digo que para algumas bandas estes valores não estejam presentes, mas na sua maioria não estão.

Na verdade, desde o seu início, o metal surge como contra-hegemónico relativamente à música de massas, com uma sonoridade agressiva que pretende chocar e chamar a atenção, com letras que questionam dos mais variados temas, da religião às escolhas políticas e económicas, da questão do transgénero à sexualidade, ou à pura oposição a valores e ideias assimiladas sem pensar, com uma imagética obscura e variadas vezes chocante. E muitas vezes, basta uma estética diferente do comummente aceite para marcar a diferença! E neste caso temos uma estética agressiva, que se revolta contra os valores massificados e conservadores da sociedade, e contra o capitalismo a apoderar-se das artes, nomeadamente da música.

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Também dependendo da região do mundo onde nos encontrarmos podemos aperceber-nos da importância que um estilo demarcante teve na sociedade; no caso do Brasil, começou a ganhar forma poucos anos antes do fim da ditadura dos anos 70, sendo o metal visto por muitos jovens como uma maneira de expressarem a sua raiva e indignação para com um sistema opressor violento. Numa sociedade hierarquizada como a Índia o metal é produzido à margem da sociedade, onde os jovens têm a sua oportunidade de esqueceram a estratificação por castas (que implementa um regime social extra-conservador) e se juntarem apenas pelo prazer de criar música. No Médio Oriente é normal os jovens que usam cabelo cumprido e camisolas com bandas serem presos e passarem algum tempo em centros de reeducação (além de lhes cortarem o cabelo); apenas pelo uso, mesmo que limitado, da internet eles têm acesso a muitas bandas. Mesmo nos países ocidentais, onde supostamente a sociedade é aberta e sem precoceitos, quem ouve este tipo de música é discriminado de várias maneiras: quando tentam arranjar um emprego é-lhes dito que devem ter uma aparência diferente, ou seja, devem ter uma aparência estandardizada.

Felizmente muita dessa mentalidade tem vindo a mudar, não por este género musical se ter tornado mainstream (ainda está muito longe disso), não só porque também os próprios fãs se adaptaram a uma sociedade que discrimina pela aparência, mas também porque as mentalidades se vão alterando e a própria sociedade vai, lentamente, aceitando a diferença.

Um ponto fulcral quando se fala em música e no seu papel em movimentos sociais ou apenas em alteração de mentalidades é a própria internet e as recentes questões de direitos de autor. Não pode haver restrições à liberdade de partilha e de pesquisa de música ou qualquer outra forma de expressão e o debate está, hoje, em aberto. Porque a música é, a meu ver, uma das componentes mais importantes da vivência do ser humano, nunca é demais debater, partilhar experiências e conhecimento sobre a sua história em movimentos à esquerda e nas possibilidades que nos pode oferecer para o futuro. Um futuro que se avizinha algo escuro, mas onde a música pode ser o despoletar da esperança e da indignação!

Isabel Pires

(também publicado em A Comuna nr 28)