O Samba Carioca na Primeira República – Uma Análise da Cultura da Classe Trabalhadora Versão para impressão
Sábado, 28 Janeiro 2012

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O Samba Carioca na Primeira República – Uma Análise da Cultura da Classe Trabalhadora do Rio de Janeiro (1900-1930)

 1 – Introdução

O grande cronista Francisco Guimarães – mais conhecido pelos leitores do periódico A Tribuna como Vagalume – contou uma história muito interessante sobre a origem do samba. Disse ele que esta palavra é a junção de duas outras palavras africanas, “sam” e “ba”. A primeira significaria “pague” e a segunda “receba”. Assim, o samba seria o samba porque na Bahia, ainda no tempo dos escravos, um cativo que havia roubado o próprio pai, decidiu reparar o erro, pagando o que lhe devia diante de sua comunidade africana, a qual, feliz pelo ato, repetia as palavras “sam” e “ba” enquanto dançava (GUIMARÃES, 1978, pp.23-26) . Depois disso, o samba teria partido para o Sergipe e, só depois, teria migrado para o Rio de Janeiro, onde constituiria verdadeiro reinado (GUIMARÃES, 1978, p. 27).

Sabendo-se da dificuldade de precisar um local e uma data exatos para seu surgimento, entendemos que o samba, surgido na Bahia, em Sergipe ou no Rio de Janeiro, deve ser concebido como uma criação artística/cultural desenvolvida por e para os trabalhadores (escravizados ou livres), que se tornou um dos principais elementos da cultura da classe trabalhadora carioca do final do século XIX e das três primeiras décadas do século XX. Dito de outra forma, afirmamos que o samba, independentemente de seu mito de origem, se desenvolveu e se tornou mais elaborado na cidade do Rio de Janeiro, sobretudo no período de tempo compreendido entre os anos 1900 e 1930.

Nesse sentido, o principal objetivo deste trabalho é analisar algumas letras de sambas e outras fontes, tais como os depoimentos de sambistas famosos e os registros deixados pela polícia no trato com as manifestações culturais da classe trabalhadora, com o intuito de compreender as relações de classe em que o samba estava inserido. Também é nosso propósito travar um debate com autores como Hermano Vianna, Rachel Sohiet e Carlos Sandroni, que partem do entendimento de que o samba seria um elemento da cultura popular, da qual participariam não só os trabalhadores, mas também os membros da classe dominante, que, interessados em forjar uma identidade brasileira, estariam dispostos até a aceitar algumas dessas manifestações culturais. Desta forma, segundo esses autores, o samba não seria a expressão da visão de mundo e dos anseios dos trabalhadores, como sugerimos, mas sim o resultado de uma relação de negociação entre os trabalhadores e a classe dominante, dado que ambos estariam interessados em criar uma identidade brasileira comum. Em contraposição a esta perspectiva, procuraremos situar o samba na dinâmica de conflitos de classe pela qual passava o Rio de Janeiro, em decorrência das transformações sociais provocadas pela consolidação das relações capitalistas no Brasil.

2 – A formação de um mercado de trabalho assalariado:

A segunda metade do século XIX foi um período de mudanças sociais e econômicas na sociedade brasileira. Uma parte da historiografia dedicada ao Rio de Janeiro considera que, internamente, a suspensão do tráfico de escravos em 1850 e o declínio da produção de Café no Vale do Paraíba viabilizaram o redirecionamento dos capitais investidos nessas atividades para outros setores da economia, o que explicaria a industrialização do Rio de Janeiro[1]. Para esses autores, a produção de café no Vale do Paraíba seria crucial para o desenvolvimento da economia carioca, uma vez que toda a produção era escoada por ali. Nesse sentido, o declínio da produção fluminense, a ascensão do Oeste Paulista como principal região produtora de café (já na década de 1870) e as pressões externas e internas contra o escravismo teriam provocado a liberação e o redirecionamento dos capitais investidos na produção cafeicultora e no comércio interno de escravos para outros setores da economia. Com o aumento do contingente populacional na cidade do Rio de Janeiro (que formava uma ampla oferta de força de trabalho disponibilizada por ex-escravos, brasileiros livres e imigrantes) e com os capitais livres para novos investimentos nos setores industrial e de serviços, a economia carioca teria se tornado mais dinâmica.

Esse ponto de vista, no entanto, foi contestado por autores que seguiram as conclusões de Eulália Lobo sobre a autonomia relativa de que gozava a economia da cidade do Rio de Janeiro, em relação às flutuações das exportações de café e do mercado escravista. Seguindo as indicações de Lobo, Maria Bárbara Levy, em artigo publicado na revista Ciência Hoje, fez uma ótima síntese sobre os efeitos das políticas econômicas do fim do Império e dos primeiros anos da República e sobre o debate a respeito da existência ou não de ligações entre a industrialização carioca e o declínio da produção de café no Vale do Paraíba. De acordo com Levy, o acúmulo de capitais que viabilizou a industrialização no Rio de Janeiro se deveu às particularidades de sua própria economia mercantil. Na esfera nacional havia a emergência de novas demandas econômicas, surgidas ainda no fim do Império e intensificadas desde os primeiros anos da República, com as mudanças significativas que o ministro da Fazenda Rui Barbosa operou na organização econômica brasileira, com o intuito de expandir a oferta de crédito para os grandes latifundiários (na tentativa de compensar o fim da escravidão, sem o pagamento de indenizações) e para a indústria nacional que se desenvolvia.

No entanto, a ideia de que teria havido um deslocamento linear de capitais investidos na cafeicultura para o setor industrial – que tem mais semelhança com o modelo de industrialização de São Paulo – não corresponde à realidade do Rio de Janeiro. Segundo a autora, o acúmulo de capitais nessa cidade pode ter ocorrido mesmo antes da década de 1880, quando a capital já tinha a “função comercial de distribuição (...) não apenas de produtos importados, mas também produtos de sua própria indústria” (LEVY, 1989, p. 41). Isso explica o fato de que a crise na produção cafeeira no Vale do Paraíba tenha gerado poucos impactos na dinâmica econômica da cidade, já que “o Rio de Janeiro, sem traumatismo, foi perdendo, aos poucos, sua importância como exportador de café e ganhando espaço como centro distribuidor de artigos importados e como mercado consumidor” (LEVY, 1989, p. 41). Por conta disso, Levy corrobora o que Eulália Lobo afirmou sobre a relativa autonomia do setor industrial em relação às exportações cafeeiras e afirma que “a indústria fluminense não teve qualquer relação reflexa com a decadência da agricultura escravista, podendo manter um elevado padrão de investimentos graças à acumulação de capital na comunidade mercantil” (LEVY, 1989, p. 41).

Tomando como base as perspectivas de Lobo e Levy, entendemos que os primeiros passos da industrialização na cidade do Rio de Janeiro, iniciados ainda no século XIX, como resultado de um processo contínuo de acúmulo de capitais, a partir da dinâmica comercial urbana (de modo relativamente autônomo às oscilações da economia do sul fluminense), contribuíram para que logo nos primeiros anos do século XX se consolidasse um mercado de trabalho assalariado e uma classe trabalhadora na capital federal. Assim, temos, de um lado, trabalhadores juridicamente livres e devidamente expropriados dos meios de produção, e de outro lado, uma “acumulação mercantil/urbana significativa” e o surgimento de “estabelecimentos fabris de porte relativamente grande” (MATTOS, 2008, p. 40).

Mas, para afirmar a existência de uma classe trabalhadora já nos primeiro anos do século XX, é preciso levar em conta outros fatores além do status jurídico e da posição econômica que esses homens, mulheres e crianças ocupavam nessa sociedade. Temos que procurar entender o que os levava a agir de forma própria e a manifestar interesses comuns, que os unificavam na comunidade de um “nós” oposto aos interesses da classe dominante, ou seja, aos interesses “deles”. A partir daí, chegamos à conclusão de que no início do século XX, era possível observar na cidade duas classes sociais antagônicas, opostas por seus interesses e sua compreensão desses interesses. Essa oposição, no entanto, não começa apenas nesse momento; desde antes de 1888 já havia uma contradição de interesses, que giravam em torno do trabalho escravo – o que pode ser observado pela generalização das lutas pelo fim da escravidão entre os trabalhadores escravizados e livres.

Em relação a isso, é preciso esclarecer que nos guiamos pelo conceito de classe definido pelo historiador inglês Edward Thompson, o qual procurou ressaltar seu caráter dinâmico e histórico, através do conceito de luta de classes. Thompson define duas possibilidades de uso do conceito. A primeira é mais uma categoria heurística do que propriamente empírica e serve para nos auxiliar a enxergar, no passado, a dinâmica de luta de luta de classes em diversos momentos da história. Tal perspectiva foi expressa, por exemplo, na primeira frase do Manifesto do Partido Comunista, de Marx e Engels, quando afirmam que “a história de todas as sociedades que existiram até hoje é a história de luta de classes” (MARX e ENGELS: 2004, p. 45). O segundo uso se relaciona diretamente com as experiências vividas nas sociedades capitalistas, que levam os trabalhadores a tomar consciência de sua posição nessa sociedade, ao identificar interesses comuns – mas também aqueles interesses opostos aos seus – que os fazem agir como uma classe que possui consciência e interesses próprios. Para Thompson, esse processo de conscientização que levou os trabalhadores a agir como classe deve ser entendido a partir das experiências de luta de classes, que é justamente aquilo que possibilita a tomada de consciência e a identificação de interesses comuns pelos trabalhadores. Dessa forma, a classe e a consciência de classe devem ser vistas como os últimos estágios do processo e não o contrário, como se primeiro fosse preciso que a classe se visse como classe, para, em seguida, lutar por seus interesses. Assim Thompson pondera:

A meu juízo, foi dada excessiva atenção, frequentemente de maneira anti-histórica, à 'classe', e muito pouca, ao contrário, à 'luta de classes'. Na verdade, na medida em que é mais universal, luta de classes me parece ser o conceito prioritário. Talvez diga isso porque a luta de classes é evidentemente um conceito histórico, pois implica um processo (...). Para dizê-lo com todas as letras: as classes não existem como entidades separadas que olham ao redor, acham um inimigo de classe e partem para a batalha. Ao contrário, para mim, as pessoas se vêem numa sociedade estruturada de um certo modo (por meio de relações de produção fundamentalmente), suportam a exploração (ou buscam manter poder sobre os explorados), identificam os nós dos interesses antagônicos, debatem-se em torno desses mesmos nós e, no curso de tal processo de luta, descobrem a si mesmo como uma classe, vindo, pois, a fazer a descoberta da sua consciência de classe. Classe e consciência de classe são sempre o último e não o primeiro degrau de um processo histórico real. (THOMPSON, 2007, p. 274)

É por conta disso que Mattos chama nossa atenção para a importância do compartilhamento de experiências entre trabalhadores escravizados e livres, quando desenvolveram entre si laços de solidariedade que, mais tarde, se tornariam característicos da classe trabalhadora (MATTOS, 2008, p. 21). Exemplos disso são as participações conjuntas nas lutas contra a escravidão e contra as péssimas condições de vida impostas pelo Estado e pelos empregadores ou a filiação em organizações mutuais, sindicatos e outros tipos de associações formadas por e voltadas para os trabalhadores. Evidentemente, não podemos ignorar o caráter heterogêneo da classe trabalhadora carioca – que era composta por diferentes ofícios, nacionalidades e etnias, sem contar com a presença de mulheres e crianças – e as dificuldades que tal heterogeneidade representou para que os trabalhadores atuassem como uma classe consciente. Entretanto, é revelador que já em 1906 tenha acontecido o primeiro congresso da Confederação Operária Brasileira, da qual participaram inúmeros sindicatos e organizações de trabalhadores do Rio de Janeiro. Assim como no caso da origem do samba, acreditamos ser arbitrário tentar estabelecer uma data a partir da qual possamos dizer que a classe estava pronta, mas, sobre isso, Mattos conclui:

Não se trata de tentar definir uma data precisa a partir da qual se possa dizer que a classe trabalhadora estava formada. Muito menos pensar que o processo de formação possa ter um fim definitivo. Porém, a partir dos elementos reunidos neste trabalho, julgamos ser possível afirmar que tratamos de uma classe trabalhadora quando analisamos organizações, movimentos e manifestações da consciência operária nos primeiros anos do século XX. (MATTOS, 2008, p. 229)

Por fim, cabe destacar dois pontos essenciais sobre as consequências dessas mudanças. Sobre o fim do tráfico de escravos e a abolição gradual da escravidão, abriu-se um amplo debate a respeito das formas de garantir que os ex-escravos permanecessem na condição de trabalhadores, já que a liberdade trazia a possibilidade de que eles optassem por outras formas de vida fora da lógica produtivista que se tentava impor. Em relação a isso, Sidney Chalhoub explica que esses trabalhadores passaram por um momento de transição entre dois tipos de dominação, que veio a se consolidar no começo do século XX. Segundo ele, havia dois tipos de relação de trabalho: o primeiro, predominante até o final do século XIX, poderia ser caracterizado por um viés senhorial-escravista, no qual o trabalhador escravo tinha sua existência minimamente garantida pelo seu senhor e dono; o outro, iniciado ainda na segunda metade do século XIX e intensificado após o fim da escravidão, quando foi forjada a figura do homem livre – “trabalhador expropriado que deveria se submeter ao assalariamento” (CHALHOUB, 2001. p. 46) –, é decorrente da consolidação do capitalismo no Brasil e, nesse sentido, se caracteriza por um viés burguês-capitalista, no qual o trabalhador assalariado passou a ser totalmente livre e teve que buscar os meios de garantir sua própria existência.

O outro ponto a ser ressaltado diz respeito ao desenvolvimento do papel repressivo desempenhado pelas instituições policiais, na medida em que os trabalhadores se tornaram cada vez mais organizados e mais conscientes de seus interesses. Esse assunto também se relaciona com a questão debatida no parágrafo anterior, pois o aparato policial passou a ser usado na imposição da obrigatoriedade do trabalho para os libertos e na coação daqueles que, ainda assim, resistiram ao trabalho assalariado. Antes da abolição, o principal papel da polícia era garantir que os escravos permanecessem em ordem, sem poder contestar sequer suas condições de trabalho, por meio de várias formas (individuais ou coletivas) de protesto e resistência. No limite, algumas dessas formas poderiam ser pensadas como greves, as quais eram duramente reprimidas (diferentemente do que acontecia com trabalhadores livres que podiam contar, eventualmente, com a mediação da polícia, ao utilizarem o mesmo recurso) (MATTOS, 2008, p. 149). Depois da abolição, a polícia passou a se dedicar ao combate à “ociosidade” e ao “controle sobre o ‘mundo do trabalho’, ou mais especificamente sobre aqueles setores considerados ‘classes perigosas’, tal como vadios e mendigos” (MATTOS, 2008, p. 179).

Nesse sentido, ainda observando as indicações conceituais de Thompson sobre classe e luta de classes, chegamos à conclusão de que o momento histórico do qual tratamos caracteriza-se pela intensificação dos conflitos sociais entre a classe dominante e os trabalhadores, sendo que ambos procuraram organizar estratégias e instituições próprias, no intuito de fazer valer seus interesses. É assim que entendemos tanto as associações da classe trabalhadora (como os sindicatos e a Confederação Operária Brasileira, mas também as mutuais e outras associações que não eram voltadas diretamente para a luta política, como as sociedades literárias e os grêmios recreativos), quanto as instituições da classe dominante (como o aparelho repressivo do Estado, o Clube de Engenharia, entre outros).

Todos esses acontecimentos que discutimos até aqui se refletiram de maneira decisiva também na organização do espaço urbano da capital federal, que foi totalmente remodelado para viabilizar o projeto de modernização idealizado pela burguesia urbana – o que, sem dúvida, contribuiu para acirrar ainda mais os conflitos de que falamos. Nosso próximo passo será avaliar de que modo isso influenciou o tratamento dispensado às manifestações culturais da classe trabalhadora e de que modo a historiografia sobre o assunto se posiciona.

3 - O samba como cultura da classe trabalhadora

Antes de entrar no debate mais aprofundado, voltemos ao cronista Vagalume, citado anteriormente. Em uma de suas reflexões datadas de 1933, o cronista diz que tem “duríssimas verdades” a revelar sobre o samba:

O samba, depois de civilizado, depois de subir ao trono levado pelo seu pranteado Rei [provavelmente, o sambista Sinhô], passou por uma grande metamorfose: antigamente era repudiado, debochado, ridicularizado. Somente a gente da chamada roda do samba, o tratava com carinho e amor!

Hoje – ninguém quer saber de fazer outra coisa. O samba já é cogitação dos literatos, dos poetas, dos escritores teatrais e até mesmo de alguns imortais da Academia de Letras! (GUIMARÃES, 1978, p. 23) (Grifo original)

Percebe-se que o cronista identifica dois momentos distintos em relação à aceitação social do samba. Num primeiro momento ele seria “repudiado”, “debochado” e “ridicularizado” – o que indica uma óbvia rejeição ao ritmo –, mas, posteriormente, seria verdadeiramente aceito, a ponto de despertar o interesse de intelectuais da Academia Brasileira de Letras e de ser tocado em ambientes da alta sociedade. Essa afirmativa de Vagalume parece ter mais fundamento histórico do que seu conto sobre a origem do samba. Basta atentarmos para o que disseram dois sambistas famosos, como João da Baiana e Donga, em depoimentos concedidos ao Museu da Imagem e do Som, sobre a perseguição e a vexação que o samba e os sambistas sofriam. Donga, influenciado pela Ditadura, nos anos 1960, explica em seu depoimento como se sentia em relação às perseguições e ao fato de ter que pedir autorização à polícia para poder realizar uma festa de samba na casa de sua família:

(...) nós andávamos amolados com as perseguições da polícia. Era uma coisa horrível! Parecia até que você era comunista! (...) Nós temos que mostrar a essa gente que samba não é isso. Isso era uma coisa natural, era um despeito natural que nós tínhamos, justo. Você ver sua família... Por exemplo, dava um samba e daqui a pouco intimada a ir na delegacia – seu delegado quer saber o que era aquilo lá. (...) A ignorância era dessa forma.[2]

Enquanto isso, João da Baiana, conta que não só teve seu pandeiro apreendido, como também chegou a ser preso por causa de samba:

Pandeiro era proibido. O samba era proibido e o pandeiro. Então, a polícia perseguia a gente. E eu tocava pandeiro na [Festa da] Penha, na época da [Festa da] Penha. A polícia me tomava o pandeiro. (...) Pois então não fui preso por pandeiro? Diversas vezes. Me tomavam o pandeiro e me prendiam. Eu tenho fotografia em casa, nas revistas, eu dentro do xadrez com o pandeiro.(...) Prendiam para corrigir.[3]

Essa perseguição ao samba foi resultado de todo esse processo histórico que viemos discutindo até aqui e se refletiu diretamente no espaço geográfico da cidade, que foi remodulado pela burguesia, com o objetivo de implementar os ideais de modernização europeia. Tais reformas representaram um alto custo social a ser pago pelos trabalhadores, os quais foram expulsos das áreas centrais entre os anos 1900 e 1930, para dar lugar às grandes avenidas e boulevards inspirados na Belle Époque francesa. Mas os ideais burgueses não paravam por aí. Tinham como objetivo transformar o Rio numa capital “civilizada” como as capitais europeias. E, para isso, era preciso reprimir certas práticas sociais e culturais dos trabalhadores consideradas arcaicas, imorais e mesmo bárbaras pelas autoridades, que, frequentemente classificavam os trabalhadores como “classes perigosas”. Isso também era necessário para adequar os trabalhadores às novas relações de trabalho e para transformar o trabalho em um valor moral positivo, destituindo-o da carga negativa que carregava dos tempos da escravidão. A construção de uma nova ideologia do trabalho – não só através da redefinição do conceito, mas também com muita repressão e perseguição aos trabalhadores –, segundo Sidney Chalhoub, foi fundamental para substituir as relações socais de tipo senhorial-escravista pelas de tipo burguês-capitalista e, dessa maneira, impulsionar a modernização da cidade:

Era necessário que o conceito de trabalho ganhasse uma valoração positiva, articulando-se então com conceitos vizinhos como os de ‘ordem’ e ‘progresso’ para impulsionar o país no sentido do ‘novo’, da ‘civilização’, isto é, no sentido da constituição de uma ordem social burguesa. O conceito de trabalho se erige então, no princípio regulador da sociedade, conceito este que aos poucos se reveste de uma roupagem dignificadora e civilizadora, valor supremo de uma sociedade que se queria ver assentada na expropriação absoluta do trabalhador direto, agente social este que, assim destituído, deveria prazerosamente mercantilizar sua força de trabalho – o único bem que lhe restava, ou que, no caso do liberto, lhe havia sido ‘concedido’ por obra e graça da lei de 13 de maio de 1888. (CHALHOUB, 2001, pp. 48-49)

Ora, para uma sociedade que passava a se organizar tendo o trabalho como valor supremo e como sinônimo de ordem e civilidade, não poderia haver nada mais perigoso do que a presença de indivíduos considerados vadios pela classe dominante, pois a ociosidade[4], de acordo com o pensamento corrente, levaria essas pessoas ao crime e aos vícios que se desejavam eliminar com a nova ideologia, sem contar com o fato de que representava uma alternativa de vida ao trabalho assalariado. Entretanto, essa associação entre pobreza, vadiagem e criminalidade era extremamente cruel, pois culpabilizava o próprio trabalhador por sua situação de miséria. Ignorava-se o fato de haver uma transição entre duas formas de organização da sociedade, o que levou a uma profunda crise social. Sobre isso, Nicolau Sevcenko afirma que, por conta dessa situação, “grande parte da população estava reduzida à situação de “vadios compulsórios”[5], revezando-se entre as únicas práticas alternativas que lhes restavam: “o subemprego, a mendicância, a criminalidade, os expedientes eventuais e incertos” (SEVCENKO, 1985, p. 59). Foi assim que muitos trabalhadores do porto, vendedores ambulantes e outros biscateiros, que não possuíam um horário de trabalho regular ou sequer um trabalho fixo, a exemplo de alguns trabalhadores fabris ou de empregados públicos, acabaram sendo levados pelos “meganhas” para as prisões, por serem considerados vadios – já que não se encaixavam no padrão comportamental tido como ideal de um trabalhador – ou por tomarem parte em comportamentos tratados como contravenção, como a participação em jogos de azar, uma pausa estratégica para beber cachaça ou café nos botequins ou a simples participação numa roda de samba ou de capoeira.[6] Citando mais uma vez o depoimento de João da Baiana, ele conta que a repressão era tão grande que alguns delegados chegavam ao ponto de proibir roupas típicas de sambistas e de improvisar falsas rodas de samba para prender como vadios aqueles que dela quisessem tomar parte:

Nós não podíamos usar calça bombacha, também. O falecido Mira Lima [Meira Lima, que foi diretor da Casa de Detenção], pai, velho, proibiu em 1902 – ele devia ser delegado na 2ª delegacia – e não queria que a gente andasse de calça bombacha. Cortava nossas calças. (...) Mira Lima não queria samba. Dr. Querubim também não queria samba. Dr. Virgolino de Alencar, em 1904, no Quebra Lampião[7], tocava violão e cantava modinha para prender a gente. Usava cabeleira, era delegado. (...) Então ele tocava violão e fazia serenata na rua, seresta, para nós [nos] reunirmos, para depois prender a gente. Usava aquelas mulatas, assim, cabeleira, tocava violão... Prendia o pessoal. Não era investigador, nada; era policia secreta. Ficavam todos [os policiais] por fora e nós vínhamos [nos] reunindo. Uns gostavam, eram apaixonados (...) pedia[m], vinha[m] chegando, queria[m] cantar e tal. ‘Posso dizer uma coisinha aí?’ Ficava aquele, ouvia, outro vinha e reunia. Depois a polícia chegava e prendia a gente.[8]

Esses casos contados pelo sambista confirmam a ideia de que a repressão não era voltada apenas para as questões políticas ou que se relacionavam somente ao ambiente de trabalho. A cultura também era (e temos a convicção de que continua sendo) um campo de disputa, no qual entravam em conflito diferentes visões de mundo expressas pela burguesia e pelos trabalhadores.

Aqui, nos referenciamos tanto no conceito de cultura desenvolvido por Raymond Williams, quanto no de Mikhail Bakhtin. Williams, que tentou restabelecer os vínculos entre os diversos aspectos da sociedade e a cultura, ofereceu como alternativa às visões dicotomizantes a noção de “materialismo cultural”, definido por ele como “uma teoria das especificidades da produção cultural e literária material, dentro do materialismo histórico” (WILLIAMS, 1979, p. 12). Assim, a cultura voltou a ser inserida em uma gama de relações complexas, proporcionadas pela totalidade social, nas quais a arte e o artista individual se reintegraram às relações que emergem desta complexidade.

Já Bakhtin, ao observar as manifestações culturais de praça pública dos “populares” da Idade Média na época do carnaval e de outras festas descritas nas obras de Rabelais, afirmava a existência de duas organizações rituais distintas que conviviam paralelamente: uma oficial, pertencente à Igreja e ao Estado e outra não-oficial, exterior a estas duas instituições, construída deliberadamente como um “segundo mundo e uma segunda vida”, do qual “os homens da Idade Média pertenciam em maior ou menor proporção” (BAKHTIN, 2008, p. 5). Tal distinção era fruto de diferentes visões de mundo que se opunham entre si, criando “uma espécie de dualidade do mundo”, sem a qual seria impossível compreender a “consciência cultural” da Idade Média. Essa segunda vida seria um modo de transpor as barreiras sociais intransponíveis (ainda que temporariamente) em períodos não-festivos, subvertendo as relações cotidianas “alienadas”, ao permitir que as relações “verdadeiramente humanas” se tornassem dominantes. A partir daí, “o homem tornava a si mesmo e sentia-se um ser humano entre seus semelhantes” (BAKHTIN, 2008, p. 17).

Bakhtin afirma ainda, que essa “segunda vida”, em que se expressava a visão de mundo dos populares durante as festas, possuía um caráter jocoso, que ironizava as relações de desigualdade. Mas essa ironia seguia a lógica do realismo grotesco, que seria o “rebaixamento” de tudo que é “elevado, espiritual ideal e abstrato” para o “plano material e corporal” do riso e da cultura cômica, com o intuito de formar uma unidade entre esses dois planos. Bakhtin também nos adverte para o caráter historicamente localizado do “realismo grotesco”, típico da cultura popular da Idade Média e do Renascimento, embora referências a aspectos desse realismo grotesco possam ser encontradas em manifestações artísticas posteriores. Tendo ciência da especificidade do período aqui abordado, com relação à sociedade carioca do início do século XX, entendemos que havia duas visões de mundo distintas que se disputavam entre si: a burguesa – que tinha pretensões europeizantes e civilizatórias – e a dos trabalhadores, que também possuíam um quê de ironia e jocosidade com relação à visão de mundo burguesa, na tentativa de manter seus hábitos culturais considerados primitivos e, em alguns casos, na rejeição às relações de trabalho assalariado. Por isso, acreditamos que a cultura era mais um aspecto da realidade em que essas distinções vieram à tona – não sendo, portanto, apenas um espaço de convivência e acomodação das contradições que existiam.

A partir de outra perspectiva teórica, Rachel Sohiet, Hermano Vianna e Carlos Sandroni creem numa convivência mais ou menos pacífica entre a cultura da classe trabalhadora e os anseios da classe dominante, o que seria viabilizado por um jogo de negociações, dentro do qual valores morais e significados circulariam à disposição de ambas as classes, para que operassem apropriações, releituras e ressignificações próprias. O resultado disto, segundo este ponto de vista, seria uma abertura razoavelmente ampla de possibilidades para que, por um lado, a cultura da classe trabalhadora pudesse ser aceita pela classe dominante e, por outro lado, para que a classe dominante pudesse imprimir significados próprios a essa cultura, associando-a a uma identidade nacional em formação. Esses autores não deixam de considerar que tenham existido conflitos e até mesmo algum tipo de repressão ao samba, mas essas questões são tratadas por eles como sendo mais pontuais e mais contingenciais do que acreditamos[9].

Isso, em grande medida, se deve ao fato de que eles partem de uma concepção de cultura em que predomina o consensualismo do elemento “popular” ao invés da perspectiva da luta de classes. Dito de outro modo, a noção de cultura por eles compartilhada se pauta mais pelas possibilidades de negociação e convergência entre as diferentes visões de mundo expressas pelos trabalhadores e pela burguesia, proporcionadas por “estruturas de comunicação informal” (SOHIET, 1998, p. 26). Tais estruturas permitiriam – seja através dos mediadores culturais[10] e do transculturalismo[11] de Vianna, pela circularidade cultural[12] defendida por Sohiet, ou, ainda, através do diálogo neutro[13] descrito por Carlos Sandroni – não só a incorporação das manifestações culturais da classe trabalhadora pela classe dominante, mas também a contribuição mais ou menos nivelada dos diferentes segmentos sociais na conformação de uma cultura e de uma identidade nacional comuns. Desta maneira, o samba estaria imerso nas relações culturais desse tipo e, por isso, deveria ser entendido não como uma manifestação cultural própria da classe trabalhadora, mas sim como uma criação artística que surgiu entre os trabalhadores e rapidamente foi abraçada pela classe dominante, a despeito de alguns episódios em que a repressão e o preconceito se fizeram presentes.

A opção por este viés conceitual, de certa forma, ajudou Hermano Vianna a resolver o que ele chamou de “mistério do samba”. O “mistério” seria a curiosa passagem – que também foi mencionada por Vagalume, embora em outros termos – “de ritmo maldito à música nacional e de certa forma oficial” (VIANNA, 2007, p. 29). A solução encontrada foi o deslocamento do foco dos conflitos para as relações de negociação. Assim, o samba passaria a representar “uma tradição de contatos (...) entre vários grupos sociais na tentativa de inventar a identidade e cultura popular brasileiras” (VIANNA, 2007, p. 34). O autor não procura excluir as relações de disputa, mas tenta mostrar que “outros tipos de interação social” foram fundamentais para entender esse processo. E assim ele diz:

(...) não penso ser arriscado dizer que o samba não é apenas a criação de grupos negros pobres moradores dos morros do Rio de Janeiro, mas que outros grupos, de outras classes e outras raças e outras nações, participaram desse processo, pelo menos como ‘ativos’ espectadores e incentivadores das performances musicais” (VIANNA, 2007, p. 35) (Grifo nosso).

Carlos Sandroni, cujo principal objetivo era relacionar o ritmo e a metricidade do samba à identidade nacional, não apenas seguiu a mesma linha proposta por Vianna, a respeito das mediações culturais, como foi mais além, chegando ao ponto de afirmar que o samba seria “uma música neutra, despida de marcas culturais potencialmente conflitivas”. E, para tentar comprovar a afirmativa de que o conflito era mais episódico do que frequente – se comparado com as relações de negociação –, cita os depoimentos de Juvenal Lopes e da neta de tia Ciata, os quais, segundo nosso ponto de vista, mais refutam sua hipótese do que a confirmam:

(...) ‘nós éramos muito perseguidos pela polícia. Chegavam no Estácio, a gente corria para a Mangueira, porque lá havia o Nascimento, delegado que dava cobertura e a gente sambava mais à vontade.’ Portanto, para cada delegado que reprimia, havia outro que dava cobertura. Lê-se também num depoimento da neta de Tia Ciata: ‘Quando ela dava os pagodes em casa, tinha o coronel Costa que mandava seis figuras.’ As ‘figuras’ do coronel Costa eram policiais, que, sem dúvida graças aos contatos do marido de Tia Ciata no gabinete do Chefe de Polícia, funcionavam como ‘seguranças’ (SANDRONI, 2001, pp. 111-112) (Grifo nosso). 

Adotando uma perspectiva um pouco diferente dos autores citados acima, Rachel Sohiet concede um peso maior às divergências entre as manifestações culturais dos trabalhadores e os anseios civilizadores da burguesia. No entanto, ela acredita que, concomitantemente a esses embates, ocorriam relações de trocas culturais, que abririam margem para uma operação de reapropriação e releitura “dos materiais que circulam numa determinada sociedade, dando lugar a usos diferenciados e opostos dos mesmos bens, dos mesmos textos, das mesmas ideias” (SOHIET, 1998, p. 16), levando à interpenetração entre a cultura popular e a cultura dominante. Por isso, ela crê que o samba seria mais um desses elementos circulando à disposição de todos, tendo sido incorporado ao universo cultural dominante por meio da interpenetração entre duas visões de mundo distintas.

Conforme já afirmamos, esses três autores possuem entendimentos conceituais e factuais distintos do que procuramos apresentar nos argumentos aqui desenvolvidos. A noção de cultura popular usada por eles tem como principal característica a valorização do consenso social, deixando para segundo plano as diferenças entre o “popular” e o “hegemônico”, assim como sugeriu Hermano Vianna (VIANNA, 2007, pp. 170-171). Esse ponto de vista é diametralmente oposto ao que o historiador inglês Edward Thompson manifestou sobre os problemas de interpretações como essas e sobre o perigo da generalização do termo “cultura popular”. Segundo ele,

Esta pode sugerir, numa inflexão antropológica influente no âmbito dos historiadores sociais, uma perspectiva ultra-consensual dessa cultura, entendida como ‘sistema de atitudes, valores e significados compartilhados, e as formas simbólicas (desempenhos e artefatos) em que se acham incorporados’. Mas uma cultura é também um conjunto de diferentes recursos, em que há sempre uma troca entre o escrito e o oral, o dominante e o subordinado, a aldeia e a metrópole; é uma arena de elementos conflitivos, que somente sob uma pressão imperiosa – por exemplo, o nacionalismo, a consciência de classe ou a ortodoxia religiosa predominante – assume a forma de um ‘sistema’. E na verdade o próprio termo ‘cultura’, com sua invocação confortável de um consenso, pode distrair nossa atenção das contradições sociais e culturais, das fraturas e oposições existentes dentro do conjunto (THOMPSON, 1998, p. 17).

O resultado disso é que a relevância do contexto histórico de luta de classes de que tratamos páginas atrás, ao falar da consolidação do capitalismo no Brasil, acabou sendo diminuída, assim como todo um cenário econômico, social e político de conflitos, contradições e divergência de interesses é tratado como algo lateral às análises culturais que se fazem. Nessa lógica, algumas situações que dão indícios de relações conflituosas foram interpretadas como exemplos de trocas culturais pacíficas, como é o caso da proteção policial ao samba da casa de Tia Ciata relatado por Sandroni. O autor acredita que o fato de haver policiais protegendo a festa comprova a tese de que o samba contava com apreciação dos agentes da lei, mas não percebe que, os policiais estavam lá, “graças aos contatos [pessoais] do marido de Tia Ciata no gabinete do Chefe de Polícia” (SANDRONI, 2001, p. 112) e que, se havia a necessidade desse tipo de “segurança”, era porque a repressão da própria polícia era ainda mais intensa. O mesmo acontece no caso em que os sambistas iam buscar o abrigo concedido pelo delegado do morro da Mangueira, para fugir da repressão certa que havia fora dali; isso não era fruto de uma prática geral e amplamente aceita por todos os delegados e policiais, mas sim de relações pessoais e do gosto musical de um delegado específico.

Apesar de divergir sensivelmente de tais autores, não é nosso intuito rejeitar completamente a existência de trocas culturais e, até mesmo, de algum tipo de negociação entre as classes. Isso seria o mesmo que negar o fato óbvio de que o convívio em sociedade proporciona momentos de trocas entre seus membros diversos ou que afirmar que as classes sociais são grupos hermeticamente fechados e isolados uns dos outros. Ao contrário, acreditamos que na esfera cultural esse contato seja bem explícito, pois é nessa vivência em que se evidenciam tanto a expressão de tensões quanto as releituras e ressignificações de elementos pertencentes à cultura de uma classe por outra, a partir da incorporação de determinados elementos a sua própria visão de mundo. Evidentemente, os elementos incorporados são justamente aqueles que mais se aproximam das necessidades e dos anseios de cada classe, de modo que sua visão de mundo não seja totalmente revertida. A história do samba é repleta de casos em que podemos observar essas trocas (em ambas as direções). Entretanto, o grande perigo é entender que essas ocasiões eram completamente neutras ou despidas de interesses de classe, o que tornaria os conflitos fatores secundários ou esporádicos.

Dito de outra forma, temos o entendimento de que essas trocas existiram, mas se deram dentro de um contexto social marcado pelo choque entre duas visões de mundo distintas e entre interesses de classe divergentes. Essa relação deve ser analisada, portanto, sob a ótica do elemento de hegemonia presente nas formas burguesas de dominação, conforme se depreende das ideias gramscianas, em que a classe dominante – cujos interesses particulares passam a ser apresentados como gerais e associados à organização do Estado (em seu sentido “integral” ou “ampliado”), na tentativa de torná-los comuns a toda sociedade – faz determinadas concessões aos grupos subordinados, com o intuito de garantir um equilíbrio entre as forças políticas em disputa. É claro que tais concessões possuem limites, pois a hegemonia, além de ser “ético-política”, “não pode deixar de ser também econômica, não pode deixar de ter seu fundamento na função decisiva que o grupo dirigente exerce no núcleo da atividade econômica (GRAMSCI, 2007, p. 48)[14].”

Uma situação que parece confirmar tais referências é o episódio em que o sambista João da Baiana foi preso numa Festa da Penha, que o levou a faltar um compromisso com o senador Pinheiro Machado – grande admirador do samba. Vejamos o que ele conta em seu depoimento:

Uma ocasião, o Pinheiro Machado quis saber por que... Houve uma festa lá no morro da Graça, lá no palácio dele e eu não fui. Eu tocava com o Julio Malaquias. E perguntaram: ‘cadê o rapaz?’ Pinheiro Machado perguntou: ‘cadê o rapaz do pandeiro?’ (...) Então o Pinheiro Machado achou um absurdo e mandou um recado para mim, para que eu fosse  no Senado falar com ele, numa quinta-feira. (...) E eu fui lá falar com Pinheiro Machado. E ele disse: ‘por que você não foi à festa?’. Ah, General, não fui porque tomaram meu pandeiro na Penha e me prenderam. ‘Mas por quê? Você brigou? Onde é que pode mandar fazer um pandeiro?’. Eu disse – só tinha a casa Cavaquinho de Ouro, na rua da Carioca – e eu disse no Seu Oscar, na rua da Carioca, 1908. Ele pegou, tirou um pedaço de papel e deu para escrever na parede e mandou eu fazer um pandeiro. Ele botou a dedicatória para o Seu Oscar colocar no pandeiro: ‘A minha admiração a João da Baiana. Senador Pinheiro Machado’.[15]

A passagem citada nos permite entender algumas questões que foram levantadas até o momento. Em primeiro lugar, temos, mais uma vez, o relato da perseguição aos sambistas, dessa vez numa ocasião festiva, quando o comportamento da classe trabalhadora se tronava mais evidente e, por isso mesmo, mais sujeito à vigilância. Ao contrário do que se imagina, essas festas também eram bastante vigiadas e, nos dias que as seguiam, o Boletim Policial – revista publicada mensalmente pelo Departamento de Estatística da Polícia do Distrito Federal – sempre trazia alguma nota congratulatória pelo “magnífico serviço de policiamento durante as festividades”, proporcionado pelos delegados e agentes policiais que “transitoriamente se incumbiram de zelar pela perfeita ordem”, ao que correspondeu a “cessação das desordens”. As “desordens” seriam causadas, muito provavelmente, pela participação dos trabalhadores, com sua própria leitura das festas, para as quais levavam suas comidas, sua capoeira e sua música – o samba –, subvertendo seu caráter idealizado pelas classes dominantes ao estabelecer suas próprias relações – essas sim “verdadeiramente humanas”, tal como no realismo grotesco de Bakhtin.

No caso de João da Baiana, foi justamente a perseguição durante uma Festa da Penha que o impediu de ir encontrar o senador Pinheiro Machado porque tinha sido preso e seu pandeiro destruído. Para evitar problemas semelhantes no futuro, o senador resolveu usar o peso de seu nome, assinando uma dedicatória no novo pandeiro que mandou fazer especialmente para o sambista. Nesse ponto, avançamos para mais uma questão: entre os membros da elite republicana havia muitos apreciadores do ritmo (e de outros elementos da cultura da classe trabalhadora), que, de alguma forma, buscavam manter contato com os sambistas para que tivessem acesso a suas músicas. Mas, ao contrário de Hermano Vianna, que encara esses apreciadores como “mediadores culturais”, que atuariam no sentido de facilitar a aceitação social do samba, entendemos que suas atitudes são evidências de que a aceitação não era generalizada pela burguesia, uma vez que seus atos “protegiam” apenas aqueles músicos com os quais mantinham relações mais próximas. Todos os outros sambistas, que não tinham um pandeiro assinado por um senador, por exemplo, continuariam sofrendo com as vexações dos meganhas e seus instrumentos continuariam sendo destruídos ou apreendidos. Resumidamente, o fato de que uma parcela da classe dominante gostasse do samba não fez com que o ritmo deixasse de ser perseguido pelos agentes policiais, ainda que houvesse uma eventual aproximação com a cultura da classe trabalhadora.

Por outro lado, essa relação conflituosa também influenciou o modo de vida da classe trabalhadora, já que existem indícios de que alguns valores propagados pela classe dominante eram acionados pelos trabalhadores em seu quotidiano de perseguições. Vale ressaltar que isso não significa necessariamente uma aceitação acrítica de tais valores. Ao contrário, pode ser uma estratégia para tentar escapar da vigilância e da repressão, a partir de uma leitura própria do que lhes era imposto. Ou um pouco de ambos, se pensarmos nas formas de criação de consenso envolvidas na dominação de classes de que tratamos há pouco. Tomemos como exemplo os efeitos das determinações do Chefe da Polícia sobre o exercício da vigilância em relação a toda e qualquer manifestação (cultural ou política) dos trabalhadores. Em duas ordens suas, uma de agosto de 1907 e outra de março de 1909, ele fala sobre os desfiles de bandas de música e sobre as associações da classe trabalhadora:

N. 8730 – Atendendo à solicitação minha, as autoridades do Exército e da Marinha avisar-me-ão previamente da saída de bandas de música ou de batalhões, a fim de que a Polícia possa agir contra os vagabundos, desordeiros e desocupados que em geral caminham a frente das bandas de música, praticando toda a sorte de tropelias e fazendo exercícios de capoeiragem. Dando-vos conhecimento dessa resolução, recomendo-vos que, com o auxílio de praças da Força Policial, providencieis no sentido da repressão do abuso, não só quando por conhecimento próprio tiverdes ciência da passagem nesse distrito de qualquer batalhão ou banda marcial, como também quando disso vos dê aviso esta Repartição. (Grifos nossos)[16]

A esta seção [Ordem Social] compete: (...) procurar conhecer com exatidão a índole e fins das reuniões, agremiações, conferências, representações teatrais de caráter socialista, assim como reunião de toda classe de sociedades de beneficência, religiosas ou recreativas; promover a organização de um serviço especial de informações sobre os antecedentes relativos à ordem social, movimentos populares, greves, acidentes do trabalho etc., de modo a poder em qualquer momento fornecer dados exatos e verdadeiros do estado do animo ou propósito das multidões sob sua vigilância. (Grifo nosso)[17]

A primeira passagem trata principalmente das bandas marciais, mas não parece absurdo pensar que a ordem poderia ser facilmente estendida aos blocos, aos ranchos, e aos cordões dos trabalhadores. Além disso, a menção aos “desordeiros” que “fazem exercícios de capoeira”, mesmo no desfile de bandas marciais indica, mais uma vez, a divergência entre as visões de mundo da burguesia e da classe trabalhadora, pois, se para o Chefe da polícia, a prática da capoeira era um “abuso”, para os “vagabundos” e “desordeiros” que a praticavam, essa era apenas uma maneira de integrar-se à música e à ocasião festiva, como um momento de pausa em seu cotidiano de exploração. Associando essas passagens aos depoimentos já citados de Donga, sobre a necessidade de licença para a realização de festas nas casas de família, e de João da Baiana, sobre sua prisão e sobre a proibição do pandeiro e da calça bombacha, podemos concluir que o samba, os sambistas e suas organizações culturais (seja para viver o samba, seja para produzir e reproduzir os elementos de seu modo de vida) eram alvos certos para os agentes da lei, que zelavam pela predominância de relações de dominação de classe. A prisão de João da Baiana na Festa da Penha poderia muito bem ter sido causada porque os policiais entenderam que ele era um “vagabundo”, um “desordeiro” ou um “desocupado” e que seu samba no pé fossem abusados “exercícios de capoeira”. A prova seria justamente o pandeiro! Já a reclamação de Donga, sobre a inconveniente intimação do delegado, que queria saber qual era o caráter das festas promovidas por sua família, se encaixa perfeitamente nas funções da seção de Ordem Social da polícia. Com tantas amolações, seria impossível para Donga, João da Baiana e outros sambistas menos conhecidos curtirem o samba sem sofrer com as vexações dos policiais, zelosos pela ordem pública. Donga e João da Baiana tinham a sorte de ter contatos pessoais que os colocavam em uma situação um pouco mais confortável (embora não os livrassem eventualmente até mesmo da prisão), mas nem todos os sambistas gozavam desse privilégio.

A solução foi tentar se adaptar mais ou menos às determinações do Chefe da Polícia, aceitando, em parte, a forma que lhes era imposta, sem, contudo, alterar significativamente o conteúdo de suas manifestações culturais. Foi o que fizeram muitos trabalhadores, que organizaram agremiações e sociedades recreativas formais (muitas possuíam, inclusive, estatutos aprovados pela polícia), inspiradas nas grandes sociedades de classe média, como o Clube dos Democráticos e o Clube dos Fenianos, com o objetivo de pleitear uma licença anual para a promoção de festas e desfiles. Aparentemente, isso seria a aceitação das regras do jogo colocadas pelo Chefe de Polícia, o qual teria um maior controle sobre o que se passava nessas organizações. Entretanto, se olharmos mais detidamente alguns processos de pedidos de licença, veremos que as coisas não eram bem assim. É possível que muitas dessas associações fossem criadas apenas para formalizar as festas que já ocorriam e que, provavelmente, eram atrapalhadas pela intervenção da polícia. No pedido de licença do Bloco Carnavalesco Chora na Macumba, por exemplo, o inspetor responsável pela análise do pedido constatou que a sede do Bloco era uma casa de cômodos, o que pode significar que seus moradores quisessem apenas se livrar das investidas policiais durante suas festas. Levantamentos sistemáticos já realizados pelo Centro de Pesquisa em História Social da Cultura (CECULT)[18] indicam a existência de incontáveis casos como estes e como o da Sociedade Carnavalesca Guarani Club, que, em 1916, era acusada de explorar jogos proibidos em sua sede, “apesar de alegar sua diretoria que é para funções carnavalescas”, conforme informou o comissário responsável pela investigação[19]. As licenças indeferidas ou cassadas por “irregularidades” mostram que, a busca pelo reconhecimento oficial poderia ser apenas uma estratégia para se livrar de encrencas com a polícia. E a estratégia para tentar contornar a situação passava, muitas vezes, pelas declarações de amor ao trabalho, como fizeram os membros da Sociedade Dançante Familiar Anjos da Meia-Noite, jogando com os valores morais apreciados pela classe dominante, quando afirmaram que haviam “excluído dos antigos sócios de conduta duvidosa e maus antecedentes” e que o atual presidente gozava “de boa reputação pelo seu amor ao trabalho e pela sua boa conduta”[20].

A tentativa de construir uma imagem de indivíduo trabalhador também foi usada como recurso em outras situações. Sidney Chalhoub (2001) e Érika Arantes (2005) citaram inúmeros processos criminais em que os acusados ou suas testemunhas de defesa procuraram ressaltar o apego ao trabalho do processado. A ideia era receber a aprovação moral dos julgadores, uma vez que, para a classe dominante, a dedicação ao trabalho deveria ser a principal qualidade entre os membros da classe trabalhadora. Mas essa questão também possui suas nuances, pois o tipo de trabalho que era positivado pela classe dominante (assalariado com horários e funções razoavelmente fixos e, de preferência, condizente com os novos padrões de civilidade) poderia não ser o mesmo tipo valorizado pelos trabalhadores. Sobre esse ponto, é preciso lembrar que as transformações nas relações de trabalho também significaram alterações no domínio que os trabalhadores tinham de suas atividades. Se antes era possível ao trabalhador exercer um mínimo de controle sobre seu ofício, essa possibilidade passou a ser gradativamente limitada, uma vez que a supervisão do trabalho passou a ser função dos patrões e seus gerentes, com avanço da subsunção do trabalho ao capital. Com a perda do relativo comando sobre sua atividade, o trabalhador perdia também a identificação que mantinha com o resultado de seu trabalho, que deixava de ter algum significado concreto para ele, num processo típico da alienação capitalista[21]. Dessa forma, o orgulho do sambista Bide ao afirmar, em seu depoimento, que aos quinze anos de idade “já sabia fazer um sapato do princípio ao fim”, porque “montava, botava sola”[22] e porque teve a oportunidade de passar seu saber técnico a seu irmão (que também se tornou sapateiro) perdia seu sentido, pois as novas relações de trabalho exigiam cada vez menos esse tipo de conhecimento, sendo necessário apenas o dispêndio de força física. Ao longo do processo de consolidação desse tipo de trabalho, os empregados numa fábrica de sapatos, por exemplo, não precisavam mais conhecer todas as etapas pelas quais passava a fabricação de calçados; bastava saber martelar, colar ou costurar uma de suas partes. Bide provavelmente era do tempo em que o sapateiro aprendia a projetar mentalmente o sapato antes de fabricá-lo, realizando todas as funções de todo o processo de produção. Por isso, seu ofício fazia sentido para ele. Mas com as novas relações, os trabalhadores das fábricas de sapatos apenas realizavam tarefas, sem conceber o sapato por inteiro, o que fazia de sua atividade um tipo de trabalho abstrato[23]. O mesmo aconteceu com Heitor dos Prazeres – contemporâneo de Bide –, que falou com nostalgia sobre o período em que se dedicava a aprender uma profissão por inteiro:

Eu trabalhei em todas as profissões, quase. Eu sou do tempo da aprendizagem, que hoje é difícil. Então, fui aprendiz de tudo: fui aprendiz de tipógrafo, fui aprendiz de marceneiro, fui aprendiz de sapateiro, fui aprendiz de alfaiate. Então fiz espécie de um estágio em todas as profissões. Onde me estabilizei mais foi em marcenaria. Trabalhei muitos anos nas maiores casas. Eu era um dos melhores. Naquele tempo era quase como um químico.[24]

Os dois depoimentos promovem um tipo de valorização do trabalho diverso do que estava sendo proposto pela burguesia. Para os sambistas, seus trabalhos (de sapateiro ou de marceneiro) eram tão importantes para as histórias de suas vidas, que ambos acharam importante mencioná-los em suas memórias. Somado a isso, é impossível deixar de perceber que os dois se identificam como trabalhadores e demonstram orgulho pelo conhecimento de suas profissões, adquirido pela experiência e pela dedicação ao ofício (o que foi se tornando cada vez mais difícil com as novas relações de trabalho às quais os trabalhadores deveriam se subordinar). Esse não é o mesmo sentido positivo que as classes dominantes davam ao amor pelo trabalho e ao trabalhador morigerado, considerados uma espécie de cura moral para a suposta natureza preguiçosa e criminosa dos trabalhadores das “classes perigosas”. O que Bide e Heitor disseram se relaciona mais com o que Marcelo Badaró Mattos chamou de “cimento positivo”, no processo de identificação e consolidação dos interesses comuns dos trabalhadores, que passariam a se enxergar como um “nós” oposto a “eles”:

A valorização do trabalho será, portanto, uma das primeiras funções das organizações de trabalhadores no sentido de criar uma identidade própria, que englobasse toda a classe. Mas uma valorização do trabalho distinta e oposta àquela propugnada pelo discurso patronal clássico. (MATTOS, 2008, p. 202)

Ainda de acordo com Mattos, esse processo também passa pela transformação do “orgulho de ofício” (restrito a determinadas funções), que passou a significar uma defesa mais geral da dignidade e do respeito aos trabalhadores, como os únicos produtores das riquezas sociais. Desse modo, as denúncias das más condições de trabalho e das situações de exploração a que estavam sujeitos os trabalhadores, eram acompanhadas por críticas à hierarquia da sociedade capitalista. É claro que nem todos os trabalhadores faziam parte das organizações sindicais e políticas onde esses discursos eram mais fortes e mais organizados, mas é lícito pensar que esse era mais um ponto de divergência entre trabalhadores e classe dominante – provocado, evidentemente, pela oposição de interesses de classes. Essa diferença no entendimento entre o que poderia ser considerado trabalho e o que não poderia foi o que levou muitos trabalhadores (que se dedicavam a alguma atividade que não era considerada digna) a serem presos, por serem classificados como vagabundos, conforme já dissemos. Na letra da música “Seu Mané Luiz”, de Donga e João da Baiana, escrita em 1927[25], vemos justamente a diferença entre um entendimento e outro, por meio da discussão entre marido e mulher:

I

(ELA) Seu Mané Luiz

(ELE) Que é?

(ELA) Ta raiando o dia...

(ELE) Já vou minha nega

(ELA) Homem preguiçoso

Do sono danado

Levanta Mané

O café tá coado

Deixa de lazeira

(ELE) Por quê?

(ELA) Vai cuidar da vida

II

(ELE) Já vou minha nega

(ELA) Tenha consciência

Arranja um trabalho

Vai cortar cipó

Pra fazer balaio.

Seu Mané Luiz

(ELE) Que é?

(ELA) Vamos pra varanda

(ELE) Já vou minha nega

(ELA) Tá com reumatismo

Vá beber meizinha

Com purga do campo

Pra tirar murrinha.

A discussão central dessa letra gira em torno das reclamações que a mulher dirige ao marido, que ela chama de “preguiçoso”, porque, além de não ter um trabalho, ele continua dormindo, mesmo depois de o café da manhã ter sido preparado por ela. A reprovação é seguida por um pedido ao marido, para que este se conscientize sobre a necessidade de arrumar um trabalho. Em uma análise mais superficial, a música pode parecer uma ode ao trabalho perfeitamente adequada à ideologia burguesa. Contudo, se nos detivermos mais atentamente ao que a mulher fala depois de condenar a preguiça do marido, veremos que a ocupação que ela propõe – “vai cortar cipó/pra fazer balaio” na varanda de casa – não é exatamente o tipo de atividade considerada produtiva ou mesmo digna pela classe dominante. A fabricação caseira de balaios de cipó não era um emprego como o de um operário ou de um funcionário público, com horários bem definidos, com um patrão para dar as ordens e determinar o que deveria ser feito e – mais importante ainda – não havia a venda da força de trabalho. Assim, o personagem poderia organizar suas tarefas, de modo que sobrasse tempo para dormir até mais tarde algumas vezes por semana, ou de maneira que pudesse controlar, ele mesmo, a duração e a quantidade de pausas no trabalho, conforme sua necessidade ou sua vontade de trabalhar. Embora a mulher reclame da preguiça do marido, ela não exige que ele arrume um emprego tal qual os moldes burgueses. Nesse sentido, pode ser que a letra esteja lidando ironicamente com o tema, pois, se na aparência, condena moralmente a ociosidade e a preguiça, por outro lado, não trata da preguiça como um ato criminoso, nem aponta a venda da força de trabalho como única forma de expiar a culpa por uma suposta vagabundagem. Por fim, cabe ressaltar o fato de o assunto ser abordado numa letra de samba a partir de um viés irônico, o que, mais uma vez, reforça nossas assertivas sobre o papel exercido pelo samba no auxílio à organização do modo de vida e da visão de mundo dos trabalhadores.

Na música “Morro de Mangueira”, escrita em 1925 por Manoel Dias[26], temos uma situação diferente. Aqui, há uma discussão entre os personagens que apresentam ideias claramente opostas sobre o significado do trabalho:

Eu fui a um samba

Lá no morro da mangueira

Uma cabrocha me falou de tal maneira:

Não vai fazer como fez o Claudionor

Para sustentar família

Foi bancar o estivador

Oh, cabrocha faladeira

Que tu tens com a minha vida

Vai procurar um trabalho

E corta essa língua comprida

Nessa letra, a cabrocha zomba do personagem principal, aconselhando-o a não arrumar emprego formal, assim como um tal Claudionor, que era trabalhador da estiva e sustentava a família com seus ordenados. O trabalho de estivador não era considerado tão dignificante quanto o emprego de um operário qualificado – já que não era regular, não tinha horários fixos, os estivadores eram considerados brutos e, por isso, eram tratados, com alguma frequência, como criminosos e vagabundos pelos policiais –, mas, apesar disso, era um trabalho formal – com dois sindicatos, inclusive – e reconhecido razoavelmente pela classe dominante[27]. Nessa lógica, a zombaria da cabrocha poderia ser explicada, por exemplo, por ela considerar que trabalho sério/formal era coisa de “otário”, ou ainda por ela gostar mais dos malandros. Ela mesma aparenta não ser muito afeita ao trabalho formal, já que o personagem principal, para acabar com a troça da moça, manda que ela pare de bisbilhotice e vá arrumar um trabalho. Entretanto, esse conselho não se assemelha ao que Seu Mané Luiz recebeu. Aqui o narrador parece estar muito mais propenso a aceitar as novas relações de trabalho do que a cabrocha ou do que os personagens da música de Donga e João da Baiana.

Heitor dos Prazeres ao abordar o mesmo tema, em 1927, na letra de “Ora, Vejam Só!”[28], um samba de grande sucesso, é bem mais direto ao emitir sua opinião sobre as novas relações de trabalho:

Ora vejam só

A mulher que eu arranjei

Ela me faz carinhos até demais

Chorando
Ela me pede meu benzinho

Deixa a malandragem se és capaz

A malandragem eu não posso deixar

Juro por Deus e Nossa Senhora

É mais certo ela me abandonar

Meu Deus do Céu, que maldita hora

Assim como na letra de Manoel Dias, existem duas perspectivas em disputa: aquela expressa pela mulher, ao pedir que o amante abandone a malandragem, e aquela adotada pelo homem, que prefere ficar sem a mulher a ter que se adequar aos padrões comportamentais que a moralidade burguesa impunha. Nesse caso, a mulher aparenta ter aceitado em grande medida a ideologia do trabalho propagandeada pela classe dominante, já que o termo “malandragem” foi usado para censurar o comportamento de seu parceiro. A discussão sobre a malandragem é extensa e não é nosso intuito abordá-la mais detidamente nesse texto[29]. Entretanto, cabe ressaltar que, se para seus adeptos a malandragem era um modo de vida positivo, que incluía o amor de muitas mulheres, a presença constante em botequins e a esperteza e o conhecimento de algumas habilidades que os “otários” não possuíam (como a capoeira, o uso de uma navalha ou de um revólver, a capacidade de escapar de situações de perigo ou de não se deixar enganar por outros malandros etc). Para a classe dominante e a polícia, a malandragem representava justamente aquilo a que a ideologia do trabalho se opunha, posto que o malandro não possuísse o modo de vida que a burguesia buscava impor à classe trabalhadora. Ao criar um personagem que opta por uma conduta que é completamente oposta àquela que é moralmente aceita pela classe dominante, Heitor dos Prazeres, através de seu samba, fez uma crítica aos novos padrões comportamentais que surgiam e à condenação moral de outros tipos de comportamento considerados válidos por ele e por outros grupos de trabalhadores. Em seu depoimento, ele diz que chegou a ser preso, por perambular pelas ruas na tentativa de arrumar uns bicos, para ajudar nas despesas de casa, quando ainda era menino:

Eu tinha um espírito de ajudar, porque eu via que os rendimentos deles [dos pais] não era suficiente. (...) Eu tinha já o espírito independente. Então eu queria engraxar sapato, eu queria vender jornal, eu queria fazer tanta coisa, e apanhava por causa isso. Ele [seu pai] achava que era negócio de vagabundo. (...) Eu, com essas coisas de andar na rua, garoto de rua, na primitiva praia de Santa Luzia e por aí afora, então, meus pais, mandavam me perseguir, mandavam a polícia me perseguir, porque eu fugia de casa e só aparecia daqui a uma semana. E chegou ao ponto em que eu fui preso, mesmo. Fui preso como vadio e fiquei uma temporada de um mês e tanto. E foi uma situação que pesou muito na família. Me procuravam daqui e de acolá. Mas foi bom, essas coisas. Faz parte das ensinações da vida.[30]

4 – Conclusão

Como vimos, nenhum desses sambistas poderia ser considerado malandro ou “vagabundo” (para usar um dos termos preferidos do discurso policial). Eles eram trabalhadores marceneiros, sapateiros, estivadores etc, que, apesar disso, eram tratados como criminosos nos momentos em que se dedicavam às práticas culturais perseguidas pela classe dominante. Sua eventual elegia à malandragem pode ser vista nos termos da crítica jocosa, aos padrões dominantes de representação do trabalho, mas não como reflexo ou projeto de suas vidas.

Ou seja, nessas três músicas a questão do trabalho é colocada no centro da disputa em torno de seus diferentes significados, a partir da inserção de personagens que contrariam os novos padrões burgueses de relações de trabalho. Isso nos mostra que elementos fundamentais da consciência dos trabalhadores se manifestavam para além dos discursos e práticas emanados de seus sindicatos, partidos e organizações políticas, fazendo-se presentes, também, em suas produções artísticas, como essas letras de samba.

A partir de todos esses exemplos, acreditamos ter avançado na apresentação de alguns elementos que sustentam a afirmação de que o samba carioca das três primeiras décadas do século XX se configurava como uma criação artística própria da classe trabalhadora, traduzindo, em alguma medida, seus anseios, os conflitos de que fazia parte, suas formas de inserção social e de relacionamento, e sua vivência no dia-a-dia na cidade do Rio de Janeiro. Dessa forma, pensamos que o samba se incorporava ao modo de vida dos trabalhadores, que, em muitas ocasiões, não era apenas diferente do modo de vida da classe dominante, mas, inclusive, contraditório a este último, o que explica as perseguições ao samba e a outros elementos da cultura da classe trabalhadora, tais como a capoeira, a religiosidade, os tipos de relacionamento amoroso, de amizade ou familiar etc. Nesse sentido, a noção de “cultura popular”, usada por Hermano Vianna, Rachel Sohiet e Carlos Sandroni, não abarca todos esses aspectos, porque prioriza uma suposta neutralidade das relações de troca cultural e negociação entre classes.

Juliana Lessa

Mestranda no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense e professora de História da rede municipal do Rio de Janeiro.

 

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MATTOS, Rômulo. “Samba, Habitação Popular e Resistência: Uma Reflexão sobre A Favela Vai Abaixo, de Sinhô”. IN: MATTOS, Marcelo Badaró (org.). Livros vermelhos. Literatura, trabalhadores e militância no Brasil. Rio de Janeiro: BomTexto, FAPERJ, 2010.

SANDRONI, Carlos. Feitiço Decente: transformações do samba no Rio de Janeiro, 1917 – 1933. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed.: Ed. UFRJ, 2001.

SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão – tensões sociais e criação cultural na Primeira República. São Paulo: Brasiliense, 1985.

SOIHET, Rachel. A subversão pelo riso. Rio de Janeiro: FGV Editora, 1998.

THOMPSON, E. P. As Peculiaridades dos Ingleses e Outros Artigos.Campinas: Editora da UNICAMP, 2007.

____________. A Formação da Classe Operária Inglesa. Vol. 1. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

______________. Costumes em comum. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

VIANNA, Hermano. O Mistério do Samba. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.: Ed. UFRJ, 2007.

WILLIAMS, Raymond. Marxismo e Literatura. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979.

FONTES

- Depoimentos:

1- Depoimento de Donga concedido ao Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro, em 02/04/1969 – Seção Depoimentos Para Posteridade;

2- Depoimento de João da Baiana concedido ao Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro, em 24/08/1966 – Seção Depoimentos Para Posteridade;

3- Depoimento de Heitor dos Prazeres concedido ao Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro, em 01/09/1966 – Seção Depoimentos Para Posteridade;

4- Depoimento de Bide concedido ao Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro, em 21/03/1968 – Seção Depoimentos Para Posteridade;

- Músicas:

1- “Seu Mané Luiz”, de 1927, de Donga e João da Baiana. Divisão de Partituras do Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro;

2- “Morro de Mangueira”, de 1925, de Manoel Dias. Divisão de Partituras do Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro;

3- “Ora, Vejam Só!”, de 1927, de Heitor dos Prazeres. Divisão de Partituras do Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro;

- Documentação policial:

1- “Boletim Policial” de Novembro de 1907, localizado no setor de periódicos da Biblioteca Nacional sob a referência 1-329,01,01;

2- “Boletim Policial”, de Março de 1909, localizado no setor de periódicos da Biblioteca Nacional, sob a referência 1-329,01,02;

3- Arquivo Nacional – GIFI – Fundo Polícia (AN IJ6 597);

4- Arquivo Nacional – GIFI – Fundo Polícia (6C – 367); 



Artigo originalmente publicado nos Anais do Colóquio Nacional Marx e o Marxismo 2011: teoria e prática.

[1] CHALHOUB, Sidney (2001); ROCHA, Oswaldo Porto (1995); CARVALHO (1995).

[2] Depoimento de Donga concedido ao Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro, em 02/04/1969 – Seção Depoimentos Para Posteridade.

[3] Depoimento de João da Baiana concedido ao Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro, em 24/08/1966 – Seção Depoimentos Para Posteridade.

[4] A ociosidade representava todas as estratégias de sobrevivência que estavam fora da esfera das relações de trabalho que a burguesia buscava impor.

[5] Ao utilizar esse termo, Sevcenko acaba reproduzindo, em parte, o pensamento da época, pois, para ele, os trabalhadores que não possuíam uma ocupação regular, tal qual a burguesia buscava impor, poderiam ser considerados vadios ou ociosos. Como já explicamos, a vadiagem e a ociosidade eram rótulos atribuídos àqueles que não se encaixavam ao novo padrão moral de trabalho.

[6] Sobre isso, ver ARANTES, Érika. (2005, p.39).

[7] Quebra Lampião foi outra denominação empregada, na época, para a chamada Revolta da Vacina.

[8] Depoimento de João da Baiana concedido ao Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro, em 24/08/1966 – Seção Depoimentos Para Posteridade.

[9] Evidentemente, cada autor tratou do assunto de acordo com suas próprias nuances, conforme veremos.

[10] De acordo com Vianna, os mediadores culturais seriam jornalistas, intelectuais, alguns políticos e outros representantes da elite republicana, que contribuíram para a transformação do samba em um dos maiores ícones da cultura popular brasileira e atuariam facilitando as negociações entre classes, “no sentido de colocar em contato mundos culturais bem diversos ou, pelo menos, de transitar por vários mundos, deixando suas marcas em cada um deles” (VIANNA, 2007, p. 52).

[11] Citando Fernando Ortiz, Vianna define o transculturalismo como “‘um processo no qual sempre se dá algo em troca do que se recebe (...). Um processo no qual emerge uma nova realidade, composta e complexa, uma realidade que não é uma aglomeração mecânica de caracteres, nem um mosaico, mas um fenômeno novo, original e independente” (VIANNA, 2007, p. 172).

[12] Inspirada no conceito do historiador italiano Carlo Ginzburg, Rachel Sohiet utiliza a ideia de circularidade cultural para afirmar a predominância da negociação nas relações de trocas culturais. Ela usa o conceito em dois sentidos: a circularidade horizontal, que seriam as trocas no interior dos diversos segmentos “populares”, e a circularidade vertical, que seriam as trocas entre grupos sociais distintos.

[13] Com base no trabalho de Hermano Vianna, Sandroni acredita que a “cultura popular brasileira” teria sido forjada por meio de trocas culturais neutras (despidas de interesses particulares) entre a classe dominante e os “populares”, pois ambos tinham como objetivo criar uma identidade nacional, apesar de possuírem interesses próprios (SANDRONI, 2001, p. 113).

[14] Nesse ponto, não acreditamos que já houvesse uma hegemonia burguesa plenamente desenvolvida na sociedade brasileira – o que exige um grau de consenso (e, evidentemente, de coerção) muito mais complexo, que só viria a se consolidar posteriormente –, mas entendemos que mesmo antes da consolidação dessa hegemonia já havia elementos de consenso nas relações de dominação, dado que a classe dominante já estava se organizando na sociedade civil.

[15] Depoimento de João da Baiana concedido ao Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro, em 24/08/1966 – Seção Depoimentos Para Posteridade.

[16] “Boletim Policial” de Novembro de 1907, localizado no setor de periódicos da Biblioteca Nacional sob a referência 1-329,01,01.

[17] “Boletim Policial”, de Março de 1909, localizado no setor de periódicos da Biblioteca Nacional, sob a referência 1-329,01,02.

[18] Para maiores informações sobre esse centro de pesquisas, ver: http://www.unicamp.br/cecult/ (último acesso em 28/07/2011).

[19] Arquivo Nacional – GIFI – Fundo Polícia (AN IJ6 597).

[20] Arquivo Nacional – GIFI – Fundo Polícia (6C – 367).

[21] De acordo com Marx, o desenvolvimento da manufatura capitalista trouxe consigo a parcelização do trabalho, que antes era realizado em sua totalidade, por todos os trabalhadores. Isso foi possível por conta da reunião de uma grande quantidade de trabalhadores numa mesma oficina. Ele descreve esse processo da seguinte maneira:

“Cada um desses artífices, talvez com um ou dois aprendizes, produz a mercadoria por inteiro e leva a cabo, portanto, as diferentes operações exigidas para sua fabricação, de acordo com a sequência delas. (...) Contudo, circunstâncias externas logo levam o capitalista a utilizar de maneira diferente a concentração dos trabalhadores no mesmo local e a simultaneidade de seus trabalhos. (...) Redistribui-se, então, o trabalho. Em vez de o mesmo artífice executar as diferentes operações dentro de uma sequência, são elas destacadas umas das outras, isoladas, justapostas no espaço, cada uma delas confiada a um artífice diferente e todas executadas ao mesmo tempo pelos trabalhadores cooperantes. (...) A mercadoria deixa de ser produto individual de um artífice independente que faz muitas coisas para se transformar no produto social de um conjunto de artífices, cada um dos quais realiza, ininterruptamente, a mesma e única tarefa parcial.” (MARX, 2008, p. 392)

[22] Depoimento de Bide concedido ao Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro, em 21/03/1968 – Seção Depoimentos Para Posteridade.

[23]Ainda em conformidade com Marx, os trabalhadores que se inserem nessa relação são trabalhadores “parciais”, “limitados” e “mutilados” (p. 394), cuja especialidade é a “ausência de qualquer formação”. Daí “a desvalorização relativa da força de trabalho, decorrente da eliminação ou da redução dos custos de aprendizagem” (MARX, 2008, p. 405).

[24] Depoimento de Heitor dos Prazeres concedido ao Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro, em 01/09/1966 – Seção Depoimentos Para Posteridade.

[25] Divisão de Partituras do Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro.

[26] Divisão de Partituras do Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro.

[27] João da Baiana, que era estivador, disse, em seu depoimento, que o que recebia não era tão ruim, o que o motivou, inclusive, a deixar de viajar para Paris com sua banda (os Oito Batutas), por medo de largar seu emprego por algo duvidoso.

[28] Divisão de Partituras do Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro.

[29] Para uma discussão mais completa, ver MATOS (1982).

[30] Depoimento de Heitor dos Prazeres concedido ao Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro, em 01/09/1966 – Seção Depoimentos Para Posteridade.

 

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