Para um Feminismo de Agência Versão para impressão
Quarta, 01 Fevereiro 2012

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No World Development Report 2012: Gender Equality and Development do World Bank, encontramos um capítulo dedicado à promoção da agência feminina. Não é por acaso. A agência feminina, e eu diria feminista, é de crucial importância para a igualdade de género, e com ela, para os direitos humanos.

Este capítulo apresenta a agência como a capacidade que os indivíduos ou grupos de indivíduos têm de fazer escolhas e de transformar essas escolhas nos resultados desejados, ou seja, não só escolherem como terem possibilidade de colocar as suas escolhas em prática. Não é difícil percebermos que essa capacidade de escolha nas mais variadas esferas privadas e sociais difere, em todos os países, entre homens e mulheres, heterossexuais e pessoas LGBT. Mulheres e LGBT estão claramente em desvantagem face aos homens heterossexuais na sua possibilidade de escolha sobre a sua própria vida.

Podemos avaliar ou reflectir sobre as expressões de agência nas mulheres reflectindo sobre vários aspectos sendo um deles o controlo que as mulheres possuem dos recursos disponíveis na sociedade e a capacidade delas mesmas serem detentoras de recursos. O crescimento económico aumenta os recursos disponíveis e assim a capacidade de exercer agência, especialmente quando nos referimos à capacidade das mulheres de terem autonomia financeira e tudo o que ela acarreta. Essa autonomia possibilita às mulheres um melhor controlo e acesso aos recursos sociais adquirindo um maior poder de decisão e também uma maior influência. Porém, o conforto e autonomia económicos não garantem, por si só, a capacidade feminina de exercer agência. Existem muitos outros factores que a determinam e sobre ela exercem influência.

Crucial para o exercício de agência é a consciência das mulheres relativamente aos seus direitos sendo que muitos deles são ainda meras miragens para muitas mulheres no mundo. Mesmo enquanto miragens possuem um poder importantíssimo enquanto motor de desenvolvimento.

Como podemos avaliar socialmente a agência feminina? O relatório enuncia como expressão de agência a capacidade de movimentação livre que reflecte a possibilidade das mulheres se movimentarem pela sociedade nas mais variadas esferas; a decisão acerca da formação familiar, que demonstra até que ponto as mulheres têm poder de decisão de aspectos pessoais como com quem constroem uma relação amorosa, se casam ou não, com quem o decidem fazer e quando o decidem fazer, mas também se querem ter filhos e quando os ter; a liberdade relativamente ao risco de violência tendo recursos para a prevenir, evitar e parar e por fim a capacidade das mulheres terem voz social e política com uma verdadeira capacidade de influência e decisão.

A voz social e política parece ser difícil de alcançar pois é aquela que mais tarda em muitos países mesmo após a conquista de muitos direitos. Talvez porque aliada a esta voz está a capacidade de influenciar e transformar o que traria um novo equilíbrio de poder e uma mudança substancial na sociedade. Relativamente a esta resistência na política à visibilidade feminina, o World Development Report 2012: Gender Equality and Development, denuncia que muitas leis eleitorais e partidos políticos perpetuam o lugar marginal das mulheres na vida política. De acordo com este relatório, os sistemas políticos proporcionais são mais efectivos na colocação de mulheres no parlamento e o sistema de quotas funciona melhor em sistemas de listas fechadas porém as mulheres que estão integradas nessas listas e que até são eleitas e têm acesso ao parlamento sentem uma enorme pressão para votar sempre de acordo com as linhas partidárias, não havendo na prática, uma verdadeira oportunidade de dar voz às causas feministas e aos direitos de género. Assim têm voz aquelas mulheres que mais se assemelham e defendem as ideias vigentes, que melhor se integram nas exigências dos partidos patriarcais enquanto as outras, mais inovadoras e defensoras da igualdade de género se vêm muitas vezes afastadas ou pressionadas para uma mudança radical das suas ideias.

Graças a estes obstáculos, as mulheres formam muitas vezes uniões segregadas dos partidos para discutirem e trabalharem nas propostas e reivindicações feministas que consideram importantes colocar em prática e que não possuem espaço nem voz dentro destes. No Canada, por exemplo, um grupo de mulheres formaram comités apenas femininos para influenciar a agenda política e promover as posições de liderança femininas. Esse parece ser o caminho que muitas mulheres e pessoas LGBT vêm como único para poderem fazer ouvir a sua voz, as suas reivindicações e os seus direitos nas sociedades das quais fazem parte e que ainda estão muito longe da igualdade de género.

A capacidade de efectuar escolhas e o poder de as colocar em prática traz às mulheres e às pessoas LGBT uma diferença substancial no seu modo de vida e garante muitos direitos humanos elementares. Uma sociedade que as permite é certamente uma sociedade mais equilibrada, equalitária e justa logo mais desenvolvida. A capacidade e oportunidade de exercício de agência são, por si só, um agente de mudança social promotor do desenvolvimento humano.

Se é verdade que a agência feminista tem a capacidade de transformar a sociedade, também é verdade que essa força colectiva depende muito da capacidade individual que cada uma das mulheres que a compõem tem para o exercício de agência. Também a agência feminista tem uma enorme relevância para o bem-estar de cada uma das mulheres que a compõem porque potencia a capacidade individual de fazer escolhas e ter controlo sobre as dimensões chave da sua vida pessoal e também social e politica. Trata-se de uma relação recíproca que fortalece cada uma das partes e o seu todo sendo este todo extensível à sociedade em geral.

Haverá o dia em que as preocupações genuínas com a igualdade de género estarão em cima da mesa dos partidos políticos, das instituições e da sociedade em geral, o dia no qual todas as pessoas terão voz e igual peso social. É crucial um feminismo de agência que tenha a capacidade de influenciar politicamente a nossa sociedade e é importante o trabalho conjunto e a definição conjunta de objectivos, de percursos e de conquistas. A segregação tem sido a escolha para a sobrevivência porque sem ela há uma parte que se anula, outra que se sobrepõe, que tenta oprimir, delimitar. Terá de ser sempre assim? Ao longo da história essa opressão tem sido feita sobre o feminino mas haverá o dia em que essa opressão será extinta e então teremos com toda a certeza uma sociedade mais desenvolvida em toda as suas vertentes. Para a alcançarmos o feminismo de agência é fundamental.

Nádia Cantanhede

 

Referências: World Bank, World Development Report 2012: Gender Equality and Development (2011). Chapter 4: Promoting Women’s Agency

 

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