Despenalização da IVG - lutar contra o retrocesso Versão para impressão
Sexta, 10 Fevereiro 2012

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A luta pela despenalização do aborto é central no percurso do movimento feminista no nosso país e teve uma presença marcante na esquerda. O referendo de 1998, com uma derrota para o SIM, foi um marco difícil, mas esta derrota acabaria, mais tarde, por gerar as ideias e a dinâmica que permitiriam alargar o movimento em torno da despenalização do aborto e levar à vitória do SIM no Referendo de 2007. Esta luta é uma das mais prolongadas lutas pela consagração de direitos, que o Bloco de Esquerda assumiu desde a sua formação, um ano depois da derrota no 1.º Referendo.

A memória e a história das lutas e dos movimentos são fundamentais para se entender o que está em causa quando a hipótese de recuar tenta sair à luz do dia.

Em 1997 as mulheres eram perseguidas e morriam vítimas de aborto clandestino. Em Fevereiro desse ano a UMAR lança uma Linha telefónica “SOS Aborto”, que recolhe centenas de depoimentos na primeira pessoa, que entrega na Assembleia da República, dando assim voz às mulheres anónimas que viviam a realidade do aborto clandestino. Em Fevereiro de 1997 um Projecto-Lei da JS que despenalizava o aborto não é aprovado por apenas 1 voto. A 8 de Março morre uma mulher do Bairro de Aldoar no Porto em consequência de um aborto clandestino.

A pressão para debater a despenalização do aborto aumentava e era impossível ignorar a situação das mulheres. A 5 de Fevereiro a Assembleia da República debate novos Projectos-Lei e é aprovada a despenalização. Logo de seguida PS e o PSD fazem um acordo que determina a realização de um Referendo.

O texto que abaixo se publica, de Luís Fazenda, escrito em 1997, é um relato da situação na época.

Helena Pinto

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Não podemos ignorar

O sofrimento tão espontâneo e empenhado dos testemunhos da tragédia do aborto clandestino são por si uma prova indesmentível de humanismo, de consciência das condições de vida de todas e todos os que vêm aqui a público. Bem longe da imagem de frieza e insensibilidade com que a intolerância da direita procura crismar as mulheres que foram obrigadas a recorrer ao aborto.

Toda a vida me dei conta deste sobressalto. No bairro popular e ribeirinho de Lisboa em que fui criado e passei a juventude. Em vilas e aldeias de Trás-os-Montes e da Beira Alta, onde trabalhei e vivi. Lá estava sempre o drama oculto e porém de cumplicidade social – o segredo que não era segredo nenhum. A pressa dos desmanchos, as entendidas de meia-porta, a má sorte das hemorragias, as terríveis raspagens, os casos fatais.

É revoltante a hipocrisia que não desiste de querer criminalizar as mulheres que realizam a interrupção da gravidez. Que país é este que, neste ordenamento jurídico, teria de julgar 25 a 50% das mulheres, segundo as várias e desencontradas estatísticas e estimativas?

A gravidez desejada é o valor superior a proteger, porque representa a vida e o seu futuro. Então porque se procura negar à mulher o direito a decidir? Que sentido têm aí o direito a ser cidadã e à cidadania, a garantia constitucional de que vivemos num Estado laico e democrático desde o 25 de Abril de 74? Que objectividade tem o propósito de “saúde para todos” se se pactua com o aborto clandestino – um flagelo de más condições sanitárias, de agressão à pessoa e à personalidade?

Que cinismo atroz o do Poder que fecha os olhos às mulheres da elite burguesa que vão “fazer compras” a Londres ou a Espanha! A poucos passos da Assembleia da República existe uma “clínica” de vão de escada. Quem pode ignorar?

Que acidez e que mal-estar não provocam as declarações dos políticos de direita e de certos sacerdotes, divorciados das suas e seus fiéis, de que é necessário melhorar as condições de vida para impedir a maioria dos abortos… São os mesmos políticos que tecem loas ao “mercado livre”, que deixam alastrar o desemprego, os baixos salários, a habitação degradada, os guetos.

Que cinismo não demonstram os políticos de direita quando falam na prioridade à educação sexual, ao planeamento da gravidez, no acesso à contracepção, em especial  às (aos) adolescentes… Sabemos que a educação sexual não tem lugar na escola pública, e muito menos na privada, e que o apoio público à contracepção é quase o zero absoluto. São os mesmos políticos que controlaram durante 15 anos as pastas ministeriais que o poderiam ter feito.

O processo de referendo a uma lei despenalizadora, que já havia sido aprovada no Parlamento, é tão sórdido como a sordidez da cruzada de fundamentalismo ultra-religioso que move os políticos de direita. Aqueles que facilitaram esse arranjo em nome da consciência mostraram que não têm objecção ao preconceito e que a sua consciência funciona em desfavor das mulheres. Afinal não há consciências neutras…

Resta agora provar que o voto derrote a intolerância e o crime contra a sociedade, que constitui a criminalização do aborto. É chocante que o PSD, na primeira pergunta que avançou para este referendo, exclua até o aborto em caso de violação da mulher. Existem condições para que o SIM vença.

A UDP, que represento, propôs em 1980 o primeiro projecto de lei despenalizador do aborto. O caminho posterior é conhecido e os contributos de outras forças políticas e sociais. Penso que dentro em pouco estará ganha a batalha de uma geração. De uma geração se fala! Não podemos ignorar!

1998, Luís Fazenda, Secretário Geral da UDP

Publicado no Livro “Aborto, Decisão da Mulher”, uma edição da UMAR, 1998

 

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