Tripalium ou a calaça |
Segunda, 27 Fevereiro 2012 | |||
Assistimos ao regresso do trabalho feudalista com mão-de-obra desbaratada, desregulação dos horários, com entrega gratuita de dias de trabalho e a escandalosa mobilidade em nome de uma competitividade infundamentada. É sem dúvida, um ataque planeado contra o direito ao trabalho e à concertação coletiva. Simultaneamente, aqueles que estão no desemprego ou não têm condições para trabalhar, são tratados como escória por um governo autoritário, bicéfalo, com tiques de acefalia. Esta ofensiva desmedida da transfigurada burguesia exploradora sob a batuta eurocapitalista, tem sistematicamente reforçado medidas para transformar o trabalho num benefício e o sistema social em caridade, onde a palavra de ordem é agradecer ao senhor... Não é por acaso que ouvimos declarações aberrantes e escandalosas como as do Vice-Presidente do Grupo Parlamentar do CDS-PP, ao afirmar que os funcionários públicos que não concordam com a mobilidade geográfica total que o governo pretende impor, podem sempre negociar a rescisão de contrato… Na mesma onda, Carlos Oliveira, um jovem empresário, do PSD, promovido a secretário de Estado do Empreendedorismo, Competitividade e Inovação afirmou que, quem cria em emprego são as empresas, e disse, os Jovens não devem gastar energias a lamentar-se. Entretanto, o Secretário de Estado do Emprego, Pedro Martins anunciou que o governo admite financiar "serviços privados de emprego"… Se a tortura é relacionada com a barbárie e o disparate, aqui não estamos distantes destes cenários, percebe-se bem a linha ideológica e o rumo político de quem nos desgoverna tem como único sentido, promover a exploração capitalista que se alimenta da desgraça social como os vampiros. Com um governo que trata os desvalidos como mandriões, remetem-nos aos tempos dos calaceiros a pedir a calaça, as sobras do porco, rogada por aqueles que tinham de esmolar para tapar a fome. O trabalho regressa ao passado, até na palavra em si. Antigamente, os escravos, pessoas que trabalham sem direitos, para enriquecer os que se acham seus proprietários, eram castigados no Tripalium, do latim “tri palus”, um instrumento de tortura do tempo dos romanos com três paus aguçados, daí a origem da própria palavra trabalho, Tripalium. Não observamos uma evolução, mas um regresso ao passado. A mão-de-obra geradora de riqueza com um valor inquestionável volta a ser desconsiderada e convertida em propriedade de quem se outorga como criador de emprego, como se fosse possível fabricar algo sem a máquina, a matéria-prima e a mão-de-obra. Até nos querem convencer que o capital produz por si próprio – Tolices de quem ignora a realidade e vive imbecilizado; Teorias que o tempo teima em desmentir depois de enterrar também a teoria keynesiana sobre a criação de emprego. A ideia que ter um emprego é um benefício temporário sujeito ao escrutínio do mérito aleatório, são técnicas que o capital consegue enraizar criando o terror da dependência e da subserviência laboral. Esta teoria ilude aqueles que dispensam o esforço cerebral de perceberem que quem trabalha sustenta um estado que implementa e garante a justiça, a educação, a saúde e deve estabelecer as regras do modelo económico. O capital beneficia disto tudo acumulando propriedade, exercendo o direito sobranceiro de decidir unilateralmente no sentido de pressionar, aglutinar a causa pública e direitos laborais. Por outro lado descarta a sua responsabilidade máxima de subjugação e decapitação da economia em favor da sua insaciável prática rentista e de acumulação de riqueza obtida sem olhar a meios. As lutas laborais não têm sido suficientes para travar a flexibilidade laboral. Esta tem sido a receita neoliberal apregoada como solução, mas a realidade demonstra que flexibilidade não é sinónimo de produtividade e muito menos de desenvolvimento económico. A aposta do capitalismo em travar a emancipação dos trabalhadores tem obtido resultados. Da mesma forma o preconceito no trabalho atravessa corredores inadmissíveis, desde a condição de género à transsexualidade. A luta de classes enfrenta também estas vertentes, enquanto sulcamos trilhos ensombrados e perversos do conceito de trabalho, reduzindo-o a um favor ou castigo, emparedados entre o tripalium ou a calaça… Paulo Cardoso
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A Comuna 33 e 34
A Comuna 34 (II semestre 2015) "Luta social e crise política no Brasil" | Editorial | ISSUU | PDF
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