Mãe, quando for grande não quero ser bolseiro de investigação! |
Terça, 10 Abril 2012 | |||
Pedem licenciatura e mestrado. Pedem boa formação técnico-metodológica, pedem experiência de investigação e conhecimentos na área específica, pedem o domínio falado e escrito de uma ou mais línguas estrangeiras, pedem domínio completo de várias ferramentas informáticas, pedem disponibilidade para deslocações tanto em Portugal como no estrangeiro, pedem a realização de trabalho de campo de forma intensiva o que significa na verdade, sem fins-de-semana ou horários certos. Pedem, pois claro, bolseiros de investigação O que oferecem? Alguns meses de trabalho sem direitos. Não há lugar a Segurança Social a não ser que se recorra ao seguro social voluntário que não cobre, evidentemente, a protecção no desemprego, significando que o bolseiro fica sem qualquer meio de subsistência, findo o projecto de investigação. Não há lugar a IRS. O bolseiro de investigação é isento em sede de IRS: fiscalmente, não existe. Não pode comprar casa ou carro nem contribuir para a sociedade como qualquer outro trabalhador. Não há lugar a subsídio de férias nem a 13º mês. As tabelas salariais das bolsas de investigação não são actualizadas há 10 anos. Não há lugar a um contrato de trabalho que assegure as condições previstas para qualquer outro trabalhador. O que oferecem? Uma mão cheia de precariedade. Um punhado de sonhos suspensos. As bolsas de investigação, criadas para subsidiar exclusivamente actividades de formação durante períodos limitados no tempo, são agora usadas pelas instituições nacionais – sem recursos financeiros e sem investimento por parte do Estado – para o recrutamento de mão de obra altamente qualificada a baixo custo. Trata-se da mais qualificada geração que Portugal alguma vez conheceu e são responsáveis por grande parte da produção científica do país. Desenvolvem actividades de investigação científica, frequentemente na mesma instituição por anos a fio, muitas vezes com interregnos de largos meses entre projectos, durante os quais não usufruem de qualquer meio de subsistência. São desrespeitados e humilhados por um Governo a quem não interessa a justiça social nem tão pouco a promoção da tão aclamada produtividade. São como os falsos recibos verdes. São precários. São convidados a emigrar. As reivindicações dos bolseiros de investigação são simples e justas. A celebração de contratos de trabalho para o desenvolvimento de actividades laborais, a inscrição no regime geral da Segurança Social e consequente protecção no desemprego e a actualização das tabelas salariais, que permanecem imutáveis há dez anos significando uma perda de poder de compra na ordem dos 22%. A resposta do Governo, por via do Ministério da Ciência e da Educação, é simplesmente injusta e reveladora da incapacidade que este Governo tem em preservar a nata académica do país e até em receber dividendos do investimento estatal feito por via das bolsas de investigação. Fazem-se de desentendidos e repetem a ladainha de que os bolseiros de investigação são beneficiários de subsídios e que “os contratos de bolsa não geram relações de natureza jurídico-laboral nem de prestação de serviços, não adquirindo o bolseiro a qualidade de trabalhador”. Curiosamente, o entendimento do Ministério das Finanças parece ser outro, já que foi recentemente divulgada uma ficha doutrinária em que se conclui que as “as bolsas de Investigação, bem como as remunerações provenientes da realização de actividades complementares, porque envolvem a prestação de trabalho subordinado e das mesmas resultam vantagens económicas para a entidade de acolhimento, são enquadradas no artigo 2º, nºs 1 e 2 do CIRS, estando, assim, sujeitas a tributação em sede deste imposto.” Assim, o Governo considera que as bolsas de investigação não configuram relações de trabalho, negando aos bolseiros de investigação os direitos inerentes à condição de trabalhadores, como sejam o direito ao 13º mês e ao subsídio de ferias, ao subsídio de desemprego ou à inscrição no regime geral da Segurança Social. Mas considera, ao mesmo tempo, que as bolsas de investigação configuram relações jurídico-laborais quando se trata do pagamento de impostos em sede de IRS. Os bolseiros de investigação consideram igualmente o trabalho que desempenham nas instituições nacionais como uma relação laboral em tudo semelhante às dos demais trabalhadores, merecendo por esse motivo tratamento igual. Nos deveres e nos direitos. E enquanto os ministérios jogam o jogo do empurra, apostando claramente no trabalho escravo, os cientistas e investigadores formados nas escolas e universidades pagas pelos nossos impostos fartam-se, desesperam e seguem o conselho para emigrar. E Portugal fica cada vez mais pobre. Sandra Mestre Cunha
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A Comuna 33 e 34
A Comuna 34 (II semestre 2015) "Luta social e crise política no Brasil" | Editorial | ISSUU | PDF
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