Notas e Interrogações Cipriotas Versão para impressão
Quarta, 27 Junho 2012

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Depois de pedidos de financiamento fora da União Europeia, nomeadamente Rússia e China, a República do Chipre prepara-se para pedir um resgate financeiro à Zona Euro. É uma péssima notícia para o povo cipriota, uma vez que as instituições comunitárias, as potências e as forças políticas que governam a União Europeia não desistem da política do empobrecimento.

Tentemos conhecer um pouco da situação política do Chipre

Este país da Zona Euro é membro da UE desde 1 de Maio de 2004, além de ser o único Estado presidencialista da UE, foi o primeiro e, até à data, o único Estado-Membro a eleger um presidente da república oriundo de um partido da Esquerda Unitária Europeia: Demetris Christofias (AKEL ou Α.Κ.Ε.Λ. - Partido Progressista do Povo Trabalhador). O AKEL, embora tenha estatuto de observador no Partido da Esquerda Europeia, está historicamente mais ligado aos chamados PC's tradicionais,  herdeiros da tradição soviética.

Nas legislativas de 2006, AKEL tinha obtido 31.31% (resultado inferior ao seu anterior, 2001, e melhor resultado de sempre: 34.7%), baixado de 20 para 18 lugares num parlamento 56 membros (*). Foi com esse resultado que chegou às presidenciais de 2008. Nas presidenciais anteriores (2003) o AKEL tinha apoiado o candidato vencedor Tassos Papadopoulos, do Partido Democrata (ΔΗ.ΚΟ ou DIKO**). O AKEL acabou por sair da coligação governamental, em 2007, anunciando Christofias, então presidente do parlamento, como candidato próprio  contra a reeleição de Papadopoulos.

Na primeira volta, o centrista Papadopoulos ficou em terceiro (31.79%), atrás de Christofias (33.29%) e do candidato da União Democrática (ΔΗ.ΣΥ ou DISY) e eurodeputado do Partido Popular Europeu Ioannis Kasoulidis (33.51%). À segunda volta, além do apoio do AKEL, Christofias contou com o apoio do Partido Democrata e do Movimento pela Social Democracia (ΕΔ.ΕΚ ou EDEK***), derrotando com 53.37% dos votos o candidato da direita  Kasoulidis (que obteve 46.63%).

Como presidente (chefe de Estado e de governo, dado o regime presidencialista) reeditou a coligação governamental de Papadopoulos (AKEL/DIKO/EDEK). Um dos seus principais objetivos era a resolução da questão cipriota: a reunificação do Chipre, integrando a República Turca do Chipre do Norte (que governa de facto um terço da ilha e é apenas reconhecida pela Turquia). A solução apontada era uma federação de duas zonas, a dos cipriotas gregos e a dos cipriotas turcos, e foram encetadas conversações entre Christofias e o presidente do Chipre do Norte Mehmet Ali Talat. Contudo, em 2009, a vitória dos independentistas cipriotas turcos (Partido da Unidade Nacional) nas eleições legislativas e presidenciais (regresso de Derviş Eroğlu) do Chipre do Norte dificultam este processo, que no passado fora obstaculizado pela parte cipriota grega.

Sociais-democratas do EDEK e  centristas do DIKO fora da coligação

Em fevereiro de 2010, os sociais-democratas do EDEK abandonaram a coligação governativa  alegando quebra dos compromissos assumidos para resolvera questão cipriota. O que resultou na resignação dos dois ministros sociais-democratas Michalis Polynikis (agricultura, recursos naturais e ambiente) e Nikos Nikolaides (comunicação e obras públicas).

Nas eleições legislativas de maio de 2011, a direita ganhou mais dois deputados e o AKEL mais um, sendo que a União Democrática continua a ser o maior partido: 20 membros do liberal-conservador DISY, 19 membros do AKEL, 9 membros do centrista DIKO, 5 membros dos sociais democratas do EDEK, 2 membros da direita populista Partido Europeu (EURO.KO ou Ευρωκό) 1 membro do Movimento Ecológico e Ambiental (KOP ou KOΠ).

Em julho de 2011, um importante membro do governo Márkos Kyprianoú (ministro dos negócios estrangeiros e membro dos centristas do DIKO) também resignou, porém em resultado de outro tipo de incidente, a explosão da base naval de Evangelos Florakis.

A 11 de junho de 2011, 98 contentores de explosivos, armazenados em más condições, explodiram resultando em 13 mortos e 62 pessoas feridas. Esses contentores foram apreendidos pela marinha norte-americana e colocados à guarda da marinha do Chipre - de acordo com revelações da WikiLeaks (divulgadas em 2011) Hillary Clinton pressionou o Chipre para confiscar a carga. Esta carga vinha do Irão e destinava-se à Síria, sendo transportada no navio MV Monchegorsk, de propriedade russa mas sob a bandeira cipriota, que foi intercetado no Mar Vermelho, em 2009. Temendo a reação da Síria, o governo cipriota não aceitou as ofertas para remover ou destruir o material feitas por parte da Alemanha, Reino Unido e Estados Unidos. O Governo pretendia que fossem as Nações Unidas a resolver a questão, o que foi sempre negado. Relativamente a este incidente, houve um relatório imputando culpas/responsabilidade institucional ao Presidente, que negou a pertinência do relatório. A 24 janeiro de 2012, o ex-ministro Márkos Kyprianoú, em conjunto com outras sete pessoas, foi formalmente acusado pelo Procurador Geral da República do Chipre por responsabilidades na explosão.

O partido centrista DIKO acabaria por sair também da coligação, em agosto de 2011, ficando o AKEL em governo minoritário. Note-se que o DIKO perdeu 2 deputados na eleições de maio de 2011. Facto que vários analistas atribuem à associação com o AKEL. Além disso, os centristas acusam o presidente Christofias de usar como termo de negociação a oferta de uma presidência rotativa aos cipriotas turcos para a solução federal, em vez da vice-presidência (atualmente vazia) que a constituição atualmente lhes atribui. Além das acusações de uma lenta resposta aos problemas económicos do país.

Qual o papel do AKEL?

Christofias e o AKEL podem ter um papel importante na questão cipriota, embora aparentemente não se vislumbre esse desfecho. Porém o papel de um presidente e um governo de esquerda não se resumirá certamente à questão entre cipriotas gregos e cipriotas turcos. É preciso saber que respostas o governo do AKEL tem dado à crise. Lamentavelmente este partido tem feito o mesmo papel que os partidos da Internacional Socialista por esta Europa fora: justificar os pacotes de austeridade (a política BCE/FMI) para que "não venha o FMI".
Entre agosto e dezembro de 2011, o parlamento aprovou dois pacotes de austeridade que resultaram num corte de 6,75% nos salários do setor público e uma redução em 10% no salário dos novos/futuros contratados, também as pensões de reforma do setor público levaram cortes. Em dezembro de 2011, os principais partidos acordaram com o Presidente as seguintes medidas de austeridade: congelamento de salários e da escala de reajustamento de salários de acordo com a inflação, cortes sociais na educação e no abono das crianças, imposto especial de 0,05% sobre os lucros das empresas, aumento do IVA de 15% para 17%, um corte nos salários do setor privado acima dos 2500 euros mensais, aumento da idade da reforma dos 63 para os 64 anos.

Várias greves e protestos tiveram lugar no Chipre, com destaque para as de Dezembro de 2011, incluindo a principal central sindical, que é ligada ao AKEL. As críticas centram-se na carga das medidas de austeridade sobre os trabalhadores e embora se dirijam também aos deputados do partido do governo (AKEL), visam principalmente os demais partidos. Chega-se à paradoxal situação do partido que se reclama dos trabalhadores ter os trabalhadores em clara e legítima oposição às suas políticas, ainda que a central afeta ao AKEL tente responsabilizar mais os demais partidos.

Que legado deixará para a história o primeiro Presidente da esquerda unitária num Estado-Membro da UE? Poderemos esquecer que, apesar do AKEL se ter oficialmente demarcado, o Presidente viabilizou o Tratado de Lisboa, ou seja as instiuições que trilharam este caminho monetarista e anti-democrático? E a atuação do governo para salvar a banca cipriota impondo medidas de austeridade insuportáveis ao povo? Que contrapartidas têm as trabalhadoras, os trabalhadores e todo o povo do Chipre de tudo isto? Vão aceitar a troikocracia, já na próxima sexta-feira, data até à qual o Chipre pretende angariar mais de 1.800 milhões de euros para recapitalizar o seu segundo maior banco.?

Enquanto que na Grécia, o SYRIZA ganha terreno para uma alternativa de Esquerda (sendo a maior força da oposição), por terras dos cipriotas gregos não se perspetiva alternativa, vão se revelado trágicos os frutos do governismo ao centro por parte do AKEL. O futuro dirá (pela boca do povo).

Bruno Góis

Notas
* Histórico dos resultados do AKEL nas eleições legislativas: 27.4% nas legislativas de 1985, 15/56 lugares;  30.6% nas legislativas de 1991, 18/56 lugares;  33% nas legislativas de 1996, 19/56 lugares; 34.7% nas legislativas de 2001: 20/56 lugares (maior partido no parlamento); 31.31% nas legislativas de 2006, 18/56 lugares;  32.67% nas legislativas de 2011, 19/56.

** O partido centrista DIKO tem um membro no parlamento europeu, este parlamentar europeu integra o grupo dos Socialistas & Democratas embora não seja membro do Partido Socialista Europeu.

*** O partido social-democrata EDEK é membro da Internacional Socialista, tem um membro no Parlamento Europeu (grupo dos Socialistas & Democratas) e faz parte do Partido Socialista Europeu.

 

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