A Institucionalização do Feminismo – Um risco elevado |
Quarta, 11 Julho 2012 | |||
Podemos afirmar que nas últimas décadas temos assistido ao sucesso do feminismo. O feminismo foi tão bem sucedido nas suas reivindicações que foi incorporado por várias entidades governamentais e outras. Artigo de Nádia Cantanhede Projectos de igualdade de género estendem-se actualmente em vários domínios (politica, economia, violência, sociedade civil), no entanto, estes projectos para a igualdade de género já não se designam por feminismo. Já que esta nomenclatura ficou de certo modo estigmatizada (separatismo, extremismo, radicalismo) e foi por isso afastada da institucionalização das politicas de igualdade de género. Porém, sempre que estamos a falar de igualdade de género e direitos das mulheres, falamos de feminismo. Muitas conquistas foram sendo efectuadas e os direitos das mulheres passaram a constar dos programas governamentais da Comissão Europeia e das Nações Unidas, claro que, graças a esta inclusão, o feminismo sofre agora novas tensões nem sempre fáceis de gerir. Mais do que um movimento social, o feminismo tornou-se um projecto muito mais organizado e por vezes com alguma burocracia. Esta inclusão da igualdade de género nos programas e objectivos de desenvolvimento levou a que deixa-se de haver tanta necessidade de um movimento de rua de protesto já que se foram formando espontaneamente colectivos sob a forma de Organizações Não Governamentais e associações que visavam intervir e promover os direitos femininos a par com outras entidades governamentais como é o caso em Portugal da Comissão para a Igualdade de Género (CIG) que tem feito um trabalho fundamental. Largou-se assim o modo interventivo à “margem” dos governos e estados. Este sucesso de extrema importância também levanta novos desafios ao próprio feminismo uma vez que se foi progressivamente institucionalizando e depende agora, em grande parte, de subsídios e fundos para os seus projectos. A gestão desta tensão e conflito de interesses que daqui poderá advir é um gigantesco desafio com que nos deparamos nos dias de hoje. Muito do trabalho destas ONGs e associações é desenvolvido através de projectos que posteriormente são, na sua maioria, financiados por entidades governamentais. Se por um lado, existe uma certa autonomia interventiva já que as associações não têm de pedir licença ao governo para intervir numa ou noutra temática e gerem os seus recursos e projectos como bem entendem por outro, a dependência económica dos fundos e financiamentos governamentais torna-se cada vez mais uma realidade. Através destes financiamentos que são mesmo assim escassos e muito restritos no tempo, os governos fazem boa figura nos relatórios europeus e das Nações Unidas pela promoção da igualdade de género nos seus países. Sem fundos, os projectos ficam impossibilitados de prosseguir o que trás uma certa vulnerabilidade às associações e ONGs. Esta dependência económica é criada pela impossibilidade de financiamento pelos seus próprios meios de todas as áreas que necessitam de intervenção. Mesmo com trabalho essencialmente voluntário, as despesas são grandes e garantir um saldo positivo não é tarefa de todo fácil. A desigualdade de género é abrangente e severa. Algumas das ONGs actuam em áreas específicas como, por exemplo, no campo da violência contra as mulheres, outras procuram ser o mais completas possível, criando vários grupos de trabalho e intervenção e abarcando assim os vários vectores necessários para uma transformação na sociedade civil. Não nos podemos esquecer que muita da intervenção é também política. Actua-se directamente na solução do problema mas também se procuram soluções e se debate para que medicas correctivas sejam implementadas e cumpridas. Os feminismos têm a característica de se baterem politicamente contra todas as formas de opressão. Para efectuar as mudanças na sociedade civil necessárias e para prestar auxílio quando a desigualdade de género e discriminação se tornam evidentes, estas ONGs encontram-se sempre na linha da frente. O que observamos é que, na realidade, acabam por tentar colmatar ao máximo as falhas governamentais. Torna-se evidente que não há por parte do governo grandes alterações de fundo que promovam eficazmente a igualdade de género e os direitos das mulheres. Ora vejamos, o sistema educativo não foi alterado contemplando, por exemplo, a igualdade de género e o respeito pela orientação sexual, as ONGs tentam colmatar esta falha através de diversos projectos e programas; o estado não faz cumprir com eficácia as leis que protegem as mulheres vítimas de violência e como tal as ONGs constroem e gerem casas abrigo, prestam apoio jurídico e psíquico a estas mulheres; a história das mulheres continua fora dos manuais escolares e consequentemente as associações e ONGs trazem-na para as ruas e promovem a sua visibilidade através de vários seminários, formações, acções de esclarecimento e divulgação…É uma luta constante contra a corrente, uma luta exaustiva e de grande persistência. Mas esta luta precisa de financiamento! A demissão do governo é apenas mascarada nestes financiamentos a projectos temporários, financiamentos esses que, na maioria das vezes, chegam às associações e ONGs muito após os projectos terem sido iniciados fazendo com que estas se vejam obrigadas a adiantar o dinheiro, coisa que, não é assim tão simples. Esta falta de mudanças estruturais leva a que as necessidades de recursos sejam cada vez maiores. Numa altura de crise e instabilidade económica, o governo lança a austeridade e faz cortes orçamentais de grande calibre. Quando os cortes orçamentais no sector público vão desferindo golpes cada vez mais fundos estes recursos destinados às ONGs vão sendo também eles cortados, não são considerados essenciais e é relativamente simples reduzi-los. Consequentemente, todas as ONGs feministas, entre outras, vêem-se a braços com uma enorme dificuldade: as necessidades e os problemas a necessitar de intervenção aumentam mais ainda, as conquistas efectuadas correm o risco de se perderem e o futuro começa a ficar mais cada vez mais negro. É grave porque até a forma de efectuar resistência começa a ficar minada. Muitas ONGs começam a recear ter de fechar portas. A necessidade de auto-financiamento é grande mas o auto-financiamento é muito difícil até pela natureza dos trabalhos interventivos desenvolvidos que são bastante complexos. Também desta forma, avança a direita, destruindo a minando as Organizações Não Governamentais e Associações que ao longo destes anos têm promovido e intervido para uma sociedade mais justa. Nesta altura crítica, o trabalho desenvolvido por estes colectivos é ainda mais necessário mas parece que será desenvolvido cada vez com maior custo. Mais um ataque aos valores sociais e humanos que esta nova direita e estas políticas de austeridade auferem sobre tod@s. Passo a passo, de medida austeritária em medida austeritária, esta direita destrói todas as conquistas que por nós foram efectuadas. Está na altura de uma visão mais ampla da questão, a troika ataca mas os nossos governos também. A intensificação das políticas neoliberais são um desafio e uma hostilidade para o feminismo pois o neoliberalismo leva inevitavelmente a um aumento da desigualdade e des-democratização. Talvez estejamos a assistir a uma crise da institucionalização do feminismo para a qual ainda não temos respostas. Talvez o feminismo acabe por voltar exclusivamente à sua intervenção nas ruas de forma mais espontânea e menos organizada. Talvez vá aí beber a sua força, aos movimentos sociais, dos quais ainda faz parte mas não em exclusividade ou talvez padeça do governo e encontre uma nova solução para continuar com o seu trabalho tão necessário aos direitos humanos. Referência: Sylvia Walby (2011), The futute of Feminism. Ed. Polity.
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A Comuna 33 e 34
A Comuna 34 (II semestre 2015) "Luta social e crise política no Brasil" | Editorial | ISSUU | PDF
A Comuna 33 (I semestre 2015) "Feminismo em Ação" | ISSUU | PDF | Revistas anteriores
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