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Quarta, 29 Agosto 2012

blocosemprecontigologoA política socialista e popular exige que a esquerda se transforme para transformar. Foi esse o motivo do nascimento do Bloco de Esquerda.

Artigo de Mário Tomé

Desde a sua nascença que o Bloco de Esquerda foi saudado pela sociedade da democracia contemplativa como o esperado paladino de um destino manifesto que não hesitaram em lhe traçar: ajudar o eleitorado de esquerda que desde o 25 de Novembro é massacrado pela direita política e ideológica, desorientado e desmobilizado pelo centrão, vilmente aldrabado pelos estertores da social-democracia, a aceitar, como alternativa aos desmandos do capital, a natural e estruturante vocação do PS para anunciar a cada curva do caminho a possibilidade de afeiçoar o capitalismo, em vertigem predadora e frenesi destruidor, ao humanismo já meio sepulto da Declaração Universal dos Direitos do Homem (Direitos Humanos em linguagem actualizada).

Mas treze anos de vida do Bloco já mostraram, até aos mais ingénuos, que o Partido Socialista faz parte integrante e não destacável do complexo ideológico e político que estrutura o alternante funcionamento das totalizantes instituições democráticas globais não podendo, portanto, nem querendo, naturalmente, ser parceiro do Bloco, num projecto de esquerda consistente e credível.

Todavia, a feliz conjugação de esforços entre o PS e o Bloco na concretização legislativa daquilo a que se tem chamado “causas fracturantes”, ajuda a manter em cima da mesa de trabalho de algumas personalidades dedicadas ao fabrico de ilusões, a hipótese negocial que daria ao PS a possibilidade de ter uma maioria perene mais por mérito emprestado do que próprio.

Mas, na verdade, as reais causas fracturantes são, sempre foram, as do emprego, do salário justo, da universalidade e gratuitidade do ensino e da saúde, da política como serviço público; são as que obrigam ao confronto sem reticências, e cada vez mais como se vê, com o capital. E nesse combate não se encontra o PS, que vamos descobrir de mão dada com o PSD sempre que a política vai para além da banal retórica sobre a austeridade excessiva ou a morigeração dos costumes do capital.

A saída de Francisco Louçã – figura primeira na afirmação pública da política anti-capitalista do Bloco -da coordenação informal da Comissão Política veio, naturalmente, abrir espaço para, em torno das decisões que a Convenção bloquista de Novembro tomar, nomeadamente na eleição e contornos da nova direcção, reforçar a presunção de que a “ala esquerda” do PS pode, e deve mesmo, ter papel na idealizada acoplagem do Bloco à poderosa matriz da democracia e do progresso – há mesmo sugestões de que em última instância a ela se deve o próprio 25 de Abril - que se esconderia por detrás da mãozinha fremente de indignação anti-direitista e de entusiasmo redistributivo.

Uma persistente plêiade de amigos, admiradores ou simpatizantes do Bloco, que querem que este tenha um papel de relevo na política nacional, exigem que assuma responsabilidades governativas de que será decerto capaz, mas que não consegue sozinho.

E entendem mesmo que o próprio PS, ao acomodar-se minimente para abraçar os novos aliados, apareceria mais como querem pensar que ele era dantes ou como poderia ser hoje se não fosse.

A altíssima missão do Bloco seria, então, não só assegurar a permanência do PS no poder mas também ajudar a que esse poder, colorido pelo arco-iris da diversidade e pela essência vermelha do anti-capitalismo reconhecido ao Bloco, gozasse de uma época de democracia abençoada na paz social sem paralelo nos últimos decénios. Ou seja ainda, facilitaria imenso ao PS o enquadramento democrático do capital assim como tornaria a sua abstenção ainda mais violenta.

A área do poder abrir-se-ia então a uma grande massa de personalidades que, marcadas pela sua proximidade uma ou outra vez à luta anti-capitalista não podem, por razões sectárias do próprio PS ou por defesa do prestígio pessoal , dar o seu inestimável contributo à resolução da crise; e tal passaria a ser possível com uma acoplagem do Bloco através do inter-face “ala esquerda” do PS.

II

Os fóruns e encontros sucedem-se perscrutando saídas para a crise. Todos temos a ganhar com isso. A necessidade de debate e de encontro de vontades e alternativas que se polarizem ou unam é grande. A “ala esquerda” do PS, institucional ou sem vínculo, mostra grande empenho nessas iniciativas e militantes de outros partidos lá estão também a dar o seu contributo.

Dar força ao movimento de oposição à troika, dar argumentos, estimular a acção e a resistência à predação da finança é um factor de grande importância para tornar possível um governo de esquerda.

Existe todavia uma questão que nos interpela: o governo de esquerda que rejeite o memorando da troika e apresente uma alternativa séria e credível, não pode ser estruturado com o PS que assinou o memorando e o respeita escrupulosa e honradamente. Dulce et decorum  est triunvirum servire!!!!!! parafraseando, com legítima ignorância do latinorum, o não menos patriótico lema da Academia Militar.

Portanto, na luta por um movimento que ajude a dinamizar a sociedade por forma a traduzir-se no apoio social e eleitoral à formação de um governo de esquerda que, todos de acordo, só pode ser anti-troika, a “ala esquerda”do PS  regressará  à matriz depois de ter composto um patriótico cantochão esquerdizante, como já constatámos na última eleição presidencial;  ou a “ala esquerda” do PS destaca-se do partido, deixando de ser “ala” e enfrenta-o em eleições?

Nesta opção reside muita da esperança que, sensata e legitimamente, podemos ter de que a cada vez maior força da racionalidade política da alternativa que passa pela recusa da dívida ilegítima e pela revogação do acordo com a troika, invertendo o processo de destruição de forças produtivas, convoque as forças culturais, sociais e políticas capazes de impor o governo de esquerda.

III

Perante a clareza consistente do programa e das propostas políticas do Bloco desde a sua fundação, aquela malta que pensa que traça os quadros da política mas que afinal é por alguns deles enquadrada a régua e esquadro, não consegue ou não quer ver além da sebe, ou do muro, esquecendo-se que estes só existem, historicamente, para serem derrubados.

E tudo - ou seja as grandes causas que são as pedras angulares da sua razão de existir e os fundamentos do seu futuro, as causas da esquerda e as práticas estruturantes do ser de esquerda, e da organização da acção e do pensamento da esquerda anti-capitalista  - o que não correspondesse ao glorioso destino manifesto foi sempre motivo de deslustre da imagem do BE perante tão preclaras instâncias.

A irredutibilidade anti-capitalista do ideário do Bloco, do seu programa, da sua massa militante, do seu eleitorado característico – não ideológico, não clubístico mas eminentemente político - da sua organização em flexível e sistemática procura de abertura de novos espaços mais e mais participativos e participados, mas em apuro constante do equilíbrio entre decisão colectiva e eficácia política, tornou o nosso partido-movimento numa peça incontornável na luta de classes em Portugal e na Europa.

O Bloco nasceu não apenas para propor políticas socialistas e populares, mas também, e nessa medida, para contribuir para travar o ímpeto do ataque à democracia e participar na estruturação de práticas e normas que rompam os grilhões com que o mercado aferrolha  a democracia.

O “Começar de Novo” mantem-se como inspiração perene e refere-se antes de tudo à necessidade de transformar a própria esquerda. E, mais ainda, na forma como contribui para uma cultura que sobreponha a escolha política consciente do eleitorado à escolha política emotiva ou manipulável por elementos exteriores à afirmação dos interesses legítimos e, em última instância, de classe.

A representação política  individual do partido, carismática ou não,  para a esquerda nova não deve ir além de eventual e atípica evolução natural e, portanto, não deverá ser a base para definir a representação política da direcção.

Neste campo o Bloco teve uma experiência de excelência mas informal, que teve a sua génese natural e praticamente espontânea e cumpriu um ciclo.

Terminado esse ciclo o que se espera é que o Bloco se inspire na, e siga, a sua matriz fundadora, assegurando não só a decisão colectiva participada, mas ainda a representação colectiva e partilhada das decisões da direcção, manifestando assim genuinamente o seu carácter profundamente democrático, sobrepondo-se à importância, inegável e sempre desejável, das capacidades individuais.

A fraca oposição à representação colectiva e partilhada, que está nos fundamentos do Bloco, propõe em alternativa a representação unipessoal que é anti-estaturária, fere as raízes fundadoras do Bloco e politicamente não ajuda à evolução organizativa plural do Bloco, antes se assemelhando à política dos figurões que formam ou vão formando “a sua equipa”, mesmo que legitimados pelo formalismo democrático, tão do gosto dos partidos liberais, social-liberais, e, no seu tempo, os social-democratas.

A política socialista e popular exige que a esquerda se transforme para transformar. Foi esse o motivo do nascimento do Bloco de Esquerda.

 

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