Vale tudo, até mesmo arrancar olhos... |
Quinta, 30 Agosto 2012 | |||
1. Angola vive um momento político que marcará, seguramente, o seu rumo por muitos anos, pois as eleições de 2012 funcionam como uma verdadeira “avaliação técnica” à maturidade do seu eleitorado. Se ao MPLA couber um “score” eleitoral próximo daquele que, fraudulentamente, obteve em 2008 (cerca de 82% dos votos), terá então recebido “carta branca” para mandar (e desmandar) em Angola sem qualquer controlo, como o tem feito desde a independência. Estarão, assim, mais uma vez, criadas as condições para se “eternizar” no poder e, de uma assentada, matar o projecto democrático pelo qual nos temos batido desde há muitos anos. 2. Em 37 anos de vida independente, Angola teve apenas 2 Presidentes da República, quando pelos países verdadeiramente democráticos já passaram mais de meia dúzia. Desses Presidentes da República, o primeiro governou pouco mais de 3 anos, e o actual detém o poder há 33 anos, a serem completados no dia 21 de Setembro. 3. A guerra que se instalou ainda antes da independência prosseguiu até ao ano de 2002, altura em que sucumbiu o Dr. Jonas Savimbi, Presidente da UNITA, um dos Movimentos de Libertação que ficou do lado de fora do poder que Agostinho Neto instalou unilateralmente. 4. Mas, em 2001, o Presidente José Eduardo dos Santos pareceu dar algum sinal de cansaço do poder, ao anunciar publicamente a sua intenção de não mais se candidatar ao cargo. Porém, remeteu-se ao silêncio durante os anos que se seguiram tendo, inclusive, feito derrapar politicamente aquele que, na altura, se posicionava como uma estrela ascendente dentro do seu partido, o Secretário Geral João Lourenço. 5. O Secretário Geral, João Lourenço, ousou afirmar que acreditava na palavra dada por José Eduardo dos Santos, de que ele não se candidataria. João Lourenço caiu, assim, num alçapão colocado por JES, tendo sido duramente penalizado com uma despromoção vigorosa, da qual nunca conseguiu recuperar totalmente. Mantém-se ainda na estrutura do poder, mas em níveis visivelmente mais recuados. 6. Quer dizer que JES não faz questão de honrar a palavra dada. Ele vai eliminando todas as alternativas internas que se apresentem com seus potenciais sucessores. Fê-lo com Lopo do Nascimento e com Marcolino Moco que foi seu Primeiro-ministro e de quem se despojou num processo de má memória, onde até questões de ordem étnica foram assumidas por apoiantes de JES. 7. Como facilmente se pode entender, as eleições deste ano são apenas uma etapa no sonho de legitimação do poder ilimitado do MPLA e do seu Presidente. Poderão significar ainda o expediente encontrado por José Eduardo dos Santos para ir passando o testemunho a um eventual sucessor, ainda que mantendo tudo mais ou menos como antes. 8. De acordo com a actual Constituição, o seu sucessor poderá ser o Vice-presidente da República, caso José Eduardo dos Santos opte por interromper, ou seja forçado a cumprir apenas uma parte do mandado de cinco anos previstos na Constituição. Com a vitória anunciada do MPLA e de JES, a transferência do poder será feita para o Vice-Presidente, Manuel Vicente, seu aparente delfim. 9. Porém, se José Eduardo dos Santos conseguir completar o mandato, pode até acontecer que Manuel Vicente já não satisfaça os seus desejos, e então JES desalojá-lo-á, como fez agora com Fernando da Piedade Dias dos Santos, o actual Vice-presidente da República. 10. José Eduardo dos Santos é imprevisível. Já teve um outro delfim, António Pitra Neto, que ele catapultou para o cargo de Vice-presidente do MPLA, dando a ideia que seria o trunfo que tinha na sua manga. Diz-se que Pitra Neto se recusou a continuar no cargo, por razões que até agora são desconhecidas, mas que terão que ser muito fortes para justificarem uma tal decisão. 11. Ainda assim, suspeita-se que o verdadeiro delfim de José Eduardo dos Santos seria o seu filho varão, José Filomeno dos Santos, muito virado para os negócios e que foi nomeado pelo pai para o Conselho de Administração do Fundo Petrolífero, um instrumento de poder de valor incalculável criado para apoiar o desenvolvimento de projectos nos sectores de Energia e Águas. 12. Do meu ponto de vista, o cargo atribuído pelo pai ao filho constitui o seu tirocínio na gestão de interesses públicos, tornando-o, em consequência, uma figura de estado. Porém, uma tentativa de sucessão deste tipo – embora muito em voga em países africanos e nas monarquias comunistas – encontrará eventuais resistências internas que JES poderá querer evitar, ou até mesmo ditar o seu fim inglório. 13. O recurso imediato a Manuel Vicente, ex-PCA da petrolífera SONANGOL, pode visar alguns objectivos específicos: acenar à comunidade internacional, em especial aos homens de negócios, de que deixou para trás o espectro da velha herança do comunismo; a possibilidade de, ao longo do tempo, MV processar uma “limpeza no balneário”, retirando paulatinamente do caminho os outros “dinossauros” do poder, em especial, a velha guarda da luta de libertação e dos primeiros anos pós-independência; ser uma garantia de segurança para os interesses pessoais de JES e da sua família, pois Manuel Vicente é, talvez, o principal guardião dos seus segredos económicos; tendo sido catapultado para o poder por JES, MV ficar-lhe-á eternamente agradecido. 14. Neste momento está ainda tudo em aberto. Mas, uma coisa é certa: de modo algum, JES se assemelha a Nelson Mandela. 15. Nelson Mandela mostrou fortes convicções políticas e democráticas. Evidenciou ainda uma grande elevação cívica e moral, fazendo do poder, que adquiriu democraticamente e sem o recurso a qualquer tipo de fraude, um meio para servir uma causa legítima – a causa de todo o povo sul-africano. 16. O que nós, os angolanos, herdaremos desde longo consulado de JES é a cultura de que, em política, vale tudo, inclusive, arrancar olhos… Vale também esbulhar de um modo vergonhoso aquilo que é do povo angolano. Para isso apontam os sinais vindos destes longos 33 anos que, constitucionalmente, até podem ser mais dez. A ser assim, teremos um Presidente durante 43 anos e com 80 anos de idade. Justino Pinto de Andrade, presidente do Bloco Democrático de Angola
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