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Logo que se anunciou a existência de uma associação LGBT nos Açores e a  organização de uma Marcha LGBT em São Miguel, se sentiram os ecos da  Rosa Luxemburgo, quando dizia: Quem não se movimenta, não sente as amarras que o(a) prendem.  A homofobia saiu logo para a rua, de forma explícita e encapotada.  Desde o PP que fez disso assunto na Assembleia Regional, aos insultos no  Diário Insular, ou aos mais recentes artigos de opinião. A isto se  juntaram as centenas de mensagens homofóbicas enviadas à Pride Azores  (entre outras tantas de apoio e solidariedade). Sinais de que esta é uma  Região com ainda muito para lutar nesta área, como noutras. 
 Os argumentos são muitos: de que vai ser um carnaval, meia dúzia de  gatos pingados estranhos, que não é importante, que não há  discriminação, etc. Como é que se avança sequer com este tipo de  argumentação é um mistério. Na verdade, toda a gente conhece alguém gay,  lésbica ou bi, toda a gente conhece alguma história em que sabe que  dessa vida faz parte ser insultado, ser invisível ou estar isolado (e  quem não conhece é porque está fechado ao mundo). Toda a gente já viu  insultar, directamente ou disfarçado em anedota, na rua ou na mesa dos  cafés. Toda a gente sabe do medo de se ser quem é nestas situações, e  sabe que ter medo é do mais paralisante que há. Toda a gente sabe da  violência, ou de histórias como a que aconteceu ontem em Ponta Delgada,  em que alguém disse ao cliente para sair do quarto que tinha acabado de  alugar, porque era “um desses maricas que estão por aí”. 
 Toda a gente sabe também como amar é importante. Toda a gente sabe  que a gente não escolhe por quem se apaixona (o que se pode escolher de  facto é a forma como construímos a prática desse amor, mas isso é outra  história…). Toda a gente sabe que o amor nos desafia os limites e nos  permite ultrapassá-los. Toda a gente sabe o que é querer fazer com  alguém o que a primavera faz com as cerejeiras, como diz o Neruda. 
 Ou seja, estranho não é a diversidade e o quão fundamental é poder  amar livremente. Estranho é a gente negar o óbvio. Estranho é não  compreender que é apenas de direitos humanos que se trata. Estranho é  aceitar como “natural” a violência. Estranho é silenciarmo-nos perante a  injustiça e assim pôr-se do lado de quem oprime. Estranho é não  compreender o difícil que deve ser amar alguém que a sociedade nos  proíbe amar. Estranho é estranhar a diferença e não ficar feliz perante a  diversidade humana. Estranho é alguém ter de andar na rua escondido, a  trancar o corpo, só porque mexe mais as ancas ou os braços. Estranho é  não poder dar beijos a quem se gosta e já agora um abraço, que estas  coisas até são de graça e nem aumentam a dívida externa. 
 Por isso e por tantas outras coisas que agora não me ocorrem, quando  o Terry Costa da Pride Azores me perguntou se queria ser madrinha,  aceitei de imediato. Como é que eu posso trabalhar a igualdade,  acreditar que ela é fundamental, e depois fugir na hora em que é preciso  lutar por ela? Não posso. Nem quero. 
 Venham gente bonita, tragam um/a amigo/a também, contactem alguém  que queira vir, que o silêncio é o combustível do medo.  Venham que a  marcha é aberta a toda a gente, não discrimina ;) Venham que é bonito  ver a liberdade acontecendo e passarmos a saber não apenas por  esperança, mas por memória, que existem outros modelos de viver. 
 Judite Fernandes, madrinha regional da Marcha LGBT Açores 
(31 de Agosto de 2012) 
Ver também: Açores: Primeira Marcha do Orgulho LGBT junta milhares nas ruas 
(imagem da Pride Azores) 
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