A geração adaptável e a produção do consentimento |
Quinta, 06 Setembro 2012 | |||
Uma das contribuições matriciais de Gramsci consistiu em demonstrar que os factores imateriais e simbólicos são tão decisivos quanto os económicos na reprodução do sistema capitalista. Na verdade, a hegemonia é igual à coerção + consenso (ou “coerção revestida de consenso”). Castoriadis, por seu lado, acentua a produção do consentimento como nó górdio da perpetuação do capitalismo: “O sistema capitalista só pode sobreviver tratando de reduzir continuamente os assalariados a simples executantes e só pode funcionar na medida em que esta redução não se opere. O capitalismo está obrigado a solicitar constantemente a participação que ele mesmo trata, por outro lado, de impossibilitar”. Bolstanski e Chiapello mostram ainda como o capitalismo absorve parte das críticas que lhe são dirigidas para se poder metamorfosear. Ora, falarei precisamente da interiorização por parte de uma larga parte dos “jovens adultos” das novas classes médias urbanas de um ethos baseado na ”flexibilidade”, no “empreendedorismo”, nas “novas tecnologias da informação e da comunicação”. A artistização do capitalismo pode ser encarada como uma fórmula adaptativa que lhe permite mobilizar os trabalhadores criativos, doravante essenciais para a produção, circulação e destruição de mercadorias em regime de acumulação flexível. Todos esses trabalhadores, enfim, que fazem do seu quotidiano uma obra de arte, antes mesmo de fazerem as obras de arte, e que constituem hoje um núcleo relativamente numeroso e central dos novo pessoal dos serviços com forte pendor intelectual e científico, juvenilizado e tendencialmente precário. Não falamos, pois, apenas do violoncelista, do escultor, do pintor ou do escritor. Falamos, também, de todos os técnicos superiores que trabalham na criação de conteúdos e no manuseamento de informação, frequentemente para grandes grupos económicos globais. Profissionais que conciliam, no seu habitus, “o impulso para resistir” e “a fantasia da autonomia” incorporando discretamente os valores da acumulação flexível em nome de um pendor libertário e anti-burocrático; profissionais que se representam como autónomos, libertos de constrangimentos (horários, rotinas, patrões) e sob a lógica nómada do projecto. Profissionais que transformam as cidades, reciclando espaços urbanos residuais, intersticiais ou vazios numa lógica cultural e artística, gerando novos contextos físicos e organizacionais para as suas práticas (casas e fábricas abandonadas, velhos armazéns, etc.), inserindo-se em novas categorias, tantas vezes de dupla pertença (empreendedores em part-time e assalariados precários, por exemplo), criando novos ambientes organizacionais e cenários de interacção que definem como co-working ou open-spaces; formando cooperativas e associações, saltando da restrita esfera da arte para as mais largas atmosferas estetizantes. Profissionais adaptáveis, num capitalismo em metamorfose parcial. Profissionais, em suma, que vivem o paradoxo, assinalado por Beck de se criarem a si próprios por obrigação social, pressuposto do individualismo institucionalizado da segunda modernidade. A resistência “vê-se assim deslocada e tornada inócua”, como acertadamente aponta Richard Lloyd aos neo-boémios. Iludidos (alienados?), participam no sistema, ainda que fortemente explorados. João Teixeira Lopes
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