Das considerações sobre o povo Versão para impressão
Domingo, 28 Outubro 2012

 grecianotaloneA abstração e a dimensão do conceito e do agente coletivo “povo”, nas suas diversas formulações, fazem com que esteja frequentemente envolto em polémicas académicas e políticas: das críticas do aclassismo do sujeito, à sua sobre dimensão, quando comparado com a ideia de cidadãos, da sua construção artificial, a inúmeras outras que preenchem o espaço de debate, que colocam todas as referidas em questão, de forma radicalmente crítica, dentro e além-fronteiras. Não é objetivo, desta consideração, intrometer-me nesta discussão - apesar da sua pertinência - fica para uma ocasião próxima.

Deixando a constituição do sujeito existente de lado, é irrefutável, que a história da política portuguesa está recheada de considerações adjectivantes em torno do ator coletivo povo. Salta logo à vista, a descabida e estereotipada noção da velha senhora, do “povo de brandos costumes”, que conheceu a sua evolução no Verão Quente, preconizada por Pinheiro de Azevedo, do “povo é sereno, é só fumaça”.

Um curto exercício histórico, em torno destas considerações, demonstra facilmente que todas as narrativas políticas têm como objetivo não catalogar o comportamento coletivo da população portuguesa, para o diferenciar com algum objetivo, de um outro, mas sim condicionar comportamentos para legitimar a ação política. É na sua essência trabalho ideológico. A história dos de cima e dos de baixo, que há cerca de nove séculos coexistem, na atual República portuguesa, está marcada de curtos e longos períodos de pouca serenidade e de inexistência de comportamentos brandos. De outra forma, teríamos que ignorar o passado beligerante e repressivo, que a elite portuguesa promoveu durante séculos, e a história da luta operária e da ação coletiva, que a combateu e lutou por presentes e futuros mais solidários.

A atual crise social e económica tem suscitado a alta velocidade, novas formulações, na sua generalidade pouco inovadoras, em torno do povo português por parte da casta autorizada ao comentário político e dos partidários do governo da maioria PSD/CDS.

Vejamos o exemplo de Vítor Gaspar, que pelas razões mais inóspitas será recordado pelo país durante um alargado período de tempo, manifestou o seu enorme amor ao povo português, considerando-o “melhor povo do mundo”, como vivemos em tempos de ditadura da dívida, teve que acrescentar o pormenor de ser “o melhor ativo do país”. Convém acrescentar, que o melhor ativo da nação, o é, na consideração do ministro, pelos esforços que tem feito no decorrer da intervenção da troika. Mas pelos vistos, o amor à primeira-vista foi sol de pouca dura. Na semana decorrida, Gaspar afirmava que “existe aparentemente um enorme desvio entre o que os portugueses acham que devem ter como funções do Estado e os impostos que estão dispostos a pagar".

A contradição está solenemente sublinhada e a mudança olímpica de opinião também, o povo português passou, na visão do ministro, do melhor do mundo para um misto de forreta e ignorante, desfasado da realidade.

Arrumando a animosidade do sucedido e o flash opinativo, ressaltam das construções destas narrativas – admitindo que o exemplo é caricatural do fenómeno – uma vontade de manutenção de uma hegemonia comportamental e política dos portugueses durante o período de intervenção do memorando, que tem perdido base de sustentação social. Do que as últimas manifestações e ações isoladas são exemplo.

Mais elucidativo, que as afirmações do tutelar das finanças, do papel do discurso ideológico dominante, da tentativa do condicionamento da ação coletiva, foi a ideia, hoje já pouco popular, Portugal não é a Grécia. Pouco interessou desde início, encontrar distanciamentos culturais concretos, que fossem passíveis de uma diferenciação científica, à luz do quadro valorativo. O que importava na verdade aos governantes da troika, era a intimidação que uma atenização do comportamento dos portugueses, levaria ao caos e ao desastre, e que a base da situação grega, se centrava, por um lado na escassa vontade de reformar o país, por outro na rejeição popular das medidas.

A construção dessa distinção, radicalmente estereotipada e altamente ideológica, tinha como única função, desenvolver um papel apaziguador. Como é óbvio, a ação concreta deste exemplo específico, não poderá ser calculado matematicamente, mas é e foi um dos marcos discursivos, mais presentes de um dos constituintes dos aparelhos ideológicos de informação.

As considerações em torno do ator coletivo povo, que a elite, das suas mais diversas formas procura, inscrever no espaço público, isto é, transmutar para o senso comum, tem como objetivo servir os seus interesses de classe. No caso específico da austeridade, manter a paz social ao máximo, reprimindo por antecipação através da generalização de estereótipos, a fim de fazer prevalecer os ditames da troika, com a menor contestação e questionamento possíveis.

Todas as opressões e repressões têm o seu limite, apesar de variável, como o presente prova e o futuro demonstrará, não se pode ad eternum, governar contra os interesses gerais e elementares de um povo.

Fabian Figueiredo

 

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