A conquista incompleta do Feminismo Versão para impressão
Terça, 13 Novembro 2012

We_Can_Do_It

Há uns meses atrás, Anne-Marie Slaughter publicou um controverso artigo sobre como as mulheres “still can’t have it all”. Segundo esta ex-oficial do Departamento de Estado dos EUA, as mulheres que conseguem conjugar carreira com maternidade ou são super-mulheres, ou são ricas, ou são trabalhadoras independentes. Partilha, em vez de conciliação, é o que este artigo advoga ser necessário para que as mulheres - nem super, nem ricas nem trabalhadoras independentes – possam ter ambos os mundos.

A conciliação vida profissional-vida privada volta a estar nas bocas do mundo. Ou, pelo menos, nos títulos de uma parte da imprensa americana que gosta de puxar o assunto “os falhanços do feminismo” esporadicamente. Poucos assuntos relativos à igualdade de género suscitam tanto interesse do público em geral e tanta polémica como a questão da possibilidade de conciliar uma carreira com as responsabilidades da educação de filhos. É um dilema com o qual se deparam quase todas as mulheres em algum ponto da sua vida e portanto sobre o qual quase todas as mulheres tem uma opinião formada.

Antes de iniciar o debate, é fundamental esclarecer conceitos e rever as duas posições. Comece-se pelo termo “conciliação”. Como a própria palavra indica, é a tentativa de conjugar horários laborais e uma carreira profissional fora de casa, com as responsabilidades que os indivíduos tem nas suas vidas privadas, sejam elas tarefas domésticas, cuidados a familiares, educação dos filhos, ou simplesmente persecução de hobbies ou outras atividades de lazer de caráter privado. A conciliação vida profissional-vida privada é, pois, algo que toca a todo o indivíduo que exerça uma atividade profissional, e não é, como regularmente o discurso dos media nos quer fazer crer, uma preocupação exclusiva das mulheres.

No entanto, torna-se uma preocupação particularmente pertinente para as mulheres pois o grande peso das responsabilidades domésticas e da educação dos filhos recai ainda largamente sobre o sexo feminino (um relatório lançado em 2011 virou alguns olhos para esta temática ao revelar que Portugal era o país da OCDE onde as mulheres passam mais horas em tarefas domésticas relativamente aos homens). São, pois, elas quem principalmente enfrenta o dilema da conciliação entre vida profissional-vida privada.

Dedos são frequentemente apontados às feministas da segunda vaga (anos 70 do século XX) em frustração por terem dito às suas filhas, as mulheres de hoje, que sim, que era possível ter tudo, uma carreira bem-sucedida e uma vida familiar calorosa. Um sentimento de traição atravessa as mulheres do séc.XXI, as filhas da segunda vaga feminista, que cresceram com esta expectativa que se transformou em responsabilidade: “Tens de ter um emprego fora de casa e tens de ter filhos e um casamento perfeito, é isso que se espera da mulher moderna”. O resultado é mais frequentemente a “mulher moderna” ver-se obrigada a ter que escolher uma das duas, carreira ou maternidade, por simplesmente não conseguir conjugar ambas. E o ressentimento surge, em todo o seu esplendor, contra estas feministas que disseram, décadas antes, que era possível ter tudo.

Pode ser este então considerado um falhanço do feminismo? Estavam as feministas de 70 mesmo enganadas sobre a possibilidade de ter tudo? Tem, assim, Anne-Marie Slaughter razão?

A resposta não é sim nem não, será antes um conciso: “a luta ficou incompleta”. Uma das grandes conquistas da luta da segunda vaga foi trazer a mulher para a vida pública, para a vida profissional, em direção à independência económica. Mas o que ela não conseguiu foi trazer o homem para dentro de casa, para a vida privada, para as responsabilidades domésticas. O resultado para a mulher foi a acumulação de responsabilidades domésticas, suas desde sempre, com as novas adquiridas responsabilidades profisisonais e de carreira, no que várias investigadoras apelidam de “a dupla jornada” (no original “double shift”). Torna-se assim fácil discernir por que Anne-Marie Slaughter afirma no seu artigo que só as mulheres ricas, ou seja, as que tem dinheiro para pagar a outra pessoa – mulher – para tomar conta das suas responsabilidades domésticas, ou as super-mulheres, as que conseguem sobreviver com poucas horas de sono, podem ter tudo.

Curiosamente, o que observamos neste tipo de debate é um silêncio total sobre a parte incompleta da luta feminista dos anos 70. Onde fica o homem, no meio disto tudo? As feministas da segunda vaga não foram irrealistas em afirmar e lutar para que a mulher pudesse ter uma vida profissional satisfatória em adição à vida familiar que sempre teve; o seu único erro foi deixar a luta a meio-caminho e não ter resgatado o homem para a esfera doméstica, e dar-lhe responsabilidades domésticas em proporção às profissionais que a mulher agora adquiria. É por isso que só faz sentido falar em conciliação da vida profissional-vida privada se se falar em partilha, partilha essa de responsabilidades familiares e domésticas entre homens e mulheres. Só quando esta for uma realidade poderão as mulheres fazer uma escolha verdadeiramente livre entre carreira, maternidade ou manter as duas.

Sara Reis

 

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