O backlash dos direitos das mulheres |
Quarta, 20 Fevereiro 2013 | |||
Podemos dizer que desde que Portugal aderiu à União Europeia, um caminho vem sendo feito através das directivas comunitárias, para que homens e mulheres sejam, formalmente, iguais perante a lei, especialmente no que diz respeito ao acesso ao mercado de trabalho. Podemos também dizer que este caminho, aparentemente, trouxe às mulheres mais liberdades formais e cívicas, como direitos sexuais e reprodutivos através do acesso a métodos anticoncepcionais, educação sexual, planeamento familiar, escolaridade obrigatória, acesso em igualdade de circunstâncias ao ensino superior, etc. No entanto a distância entre a igualdade legal formal e política e a prática de todos os dias é enorme. Os direitos e os princípios mantiveram-se teóricos, especialmente em termos socioeconómicos e no que diz respeito às vidas privadas das mulheres. Se analisarmos a situação, então, após o anúncio de uma Europa em crise podemos constatar que a situação se deteriorou, assistindo-se a um verdadeiro retrocesso nas metas alcançadas e nos direitos conquistados. De facto, antes da crise, podíamos constatar a existência de um "valor específico" das mulheres no mercado de trabalho, sugerindo que as mulheres possuem virtudes próprias (cuidado das crianças, suporte afectivo e social, limpezas) e estendendo as tarefas femininas desenvolvidas no interior da esfera doméstica e familiar ao mercado de trabalho, mantendo a dependência económica das mulheres através de um mercado de trabalho flutuante e precário e da existência, ainda que invisível, de um salário "afectivo", especialmente em funções desempenhadas na área social, e ainda de uma sociedade que olha para o homem como o ganha-pão familiar. Os padrões de carreiras actuais, especialmente os lugares de topo, continuam inacessíveis as mulheres, que vistas como diferentes, acabariam por perturbar os modos de gestão e as masculinidades dominantes e desafiariam a ordem natural das coisas. Relativamente à esfera privada, podíamos constatar que a partilha das tarefas é feita por uma minoria de casais, já que poucos são os casos em que os homens partilham todas as responsabilidades relativas ao cuidado do casa e das crianças. A dupla jornada de trabalho continua a ser uma dura realidade na vida quotidiana das mulheres. No que toca aos direitos sexuais e reprodutivos assistimos, aparentemente, um avanço enorme, onde as mulheres controlam a sua fertilidade de formas nunca pensadas na década de 70, têm acesso a planeamento familiar e nos últimos 5 anos ganharam o direito de decidir sobre o seu corpo e maternidade, com a aprovação da lei da IVG, em Portugal. Após o anúncio da crise, e particularmente das medidas de austeridade impostas, podemos constatar que as mulheres continuam a ser, de forma ainda mais grave, afectadas pela precariedade e pelo desemprego, e assistindo-se até a um fenómeno de feminização da pobreza. Podemos ainda assistir a uma verdadeira estratégia montada de fazer regressar as mulheres ao lar para que estas possam substituir, gratuitamente, a função social do estado no que diz respeito às tarefas do cuidar e permitindo o desmantelamento de serviços e equipamentos de apoio a menores e idosos/as. O fosso salarial entre mulheres e homens aumentou e a divisão sexual do trabalho tornou-se ainda mais evidente. Assistimos também a um verdadeiro ataque aos direitos e liberdades das mulheres, agravado por um aumento crescente do conservadorismo, através dos cortes nos serviços de saúde sexual e reprodutiva, dificultando o acesso aos métodos de anticoncepcionais ou a consultas de planeamento familiar. O ideal da mulher como reprodutora da nação têm vindo a ganhar espaço, e a par de outros ataques de que a precoce lei do aborto tem sido alvo, foi lançada este mês mais uma petição dos movimentos anti-escolha, e assinada por relevantes figuras públicas, para voltar a proibir a IVG e proibir os casamentos entre pessoas do mesmo sexo. Corre, ainda, uma petição na Internet para que as mulheres sejam forçadas a pagar na totalidade o custo de uma IVG caso a ela recorram, em que está subjacente a ideia de castigo para a mulher que aborta. Ainda este ano, o Estado Espanhol, estado em que Portugal baseou a sua lei, irá alterar a lei da IVG, voltando á lei de 1985, que proíbe o aborto com a excepção dos mesmos três casos que a lei portuguesa anteriormente previa. Na Polónia, por exemplo, assistiu-se mesmo a backlash nos direitos e liberdades das mulheres com a entrada do país na união europeia, onde o aborto é agora proibido, a educação sexual nas escolas é inexistente, o acesso a métodos anticoncepcionais é severamente dificultado, sendo que os/as próprios/as farmacêuticos/as se podem declarar objectores de consciência e negarem a sua venda mesmo que a mulher tenha ultrapassado a árdua tarefa de conseguir uma prescrição médica. Apesar destes ataques, as políticas de natalidade e de apoio é maternidade não têm de forma alguma melhorado. Pelo contrário, as unidades de obstetrícia de vários hospitais foram encerradas assim como está para breve o encerramento da maior maternidade do país. Os escalões dos abonos de família foram alterados, impedindo o acesso de inúmeras famílias a esta ajuda. Assistiu-se também a um corte brutal nos apoios sociais deixando inúmeras famílias, especialmente as monoparentais, na dependência das instituições de caridade. Ano passado o governo tentou equiparar mulheres grávidas a mulheres doentes, numa tentativa de diminuir o apoio social prestado à maternidade. Vânia Martins
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A Comuna 33 e 34
A Comuna 34 (II semestre 2015) "Luta social e crise política no Brasil" | Editorial | ISSUU | PDF
A Comuna 33 (I semestre 2015) "Feminismo em Ação" | ISSUU | PDF | Revistas anteriores
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