No início do século XX assiste-se na Europa ao primeiro grande conflito mundial que surge apos a morte do arquiduque Francisco Fernando, herdeiro da coroa austríaca. Acontece assim o primeiro grande conflito de carácter imperialista que se vai traduzir na Primeira Guerra Mundial, que vai findar apenas cinco anos depois do seu início com a assinatura do Tratado de Versalhes. Posteriormente à Primeira Guerra Mundial surge uma União Soviética forte em contraste com a Alemanha nazi, no plano asiático dá-se o milagre japonês e os Estados Unidos da América surgem como novo modelo de nação capitalista e farol para o mundo ocidental. Durante todo este período, acontece em Portugal a 5 de Outubro de 1910 a instauração da Primeira República que introduz mudanças na sociedade portuguesa como a lei de separação entre a Igreja e o Estado, e o divórcio passa a ser possível. A nível político assiste-se a uma forte hegemonia do Partido Democrático liderado por diversas vezes por Afonso Costa. Com a Primeira Guerra Mundial e Portugal, numa tentativa de imperialismo e capitalismo bacoco com uma política de defesa das colonias africanas do interesse alemão, entra na guerra como aliado de Inglaterra. Esta entrada na guerra não é inocente até porque a Alemanha declara guerra a Portugal a 9 de Março de 1916. E é neste contexto de republicanismo de guerra que se pretende explorar em essencial a emigração feminina com maior expressão para o Brasil com especial atenção para os direitos que não tinham as mulheres que emigravam, entre eles o facto de não lhes ser possível sair do país sem autorização de uma figura masculina, representada na maioria das vezes pelo esposo. Desde finais do século XIX que a emigração portuguesa tem como grande destino o Brasil, país que em 1917 contava já com cerca de 800 mil portugueses, ano que viu saírem de Portugal cerca de 16 mil pessoas que iam, essencialmente à procura de uma melhoria das condições de vida. Esta emigração tinha um carácter essencialmente proletário com incidência sobre o mundo mais ruralizado. Entre os anos de 1912 e 1920 saíram para o Brasil cerca de 234 mil emigrantes que iam essencialmente realizar trabalho que antes era realizado por escravos, apesar de o Brasil ser o destino que mais portugueses recebia era de trabalho duro e muitas vezes pouco compensatório. A Europa não era um destino apelativo por se encontrar em guerra, nem a África colonial era opção, pois Portugal também lá combatia na defesa das suas colonias e na tentativa de ser um país imperialista, ainda que em decadência. Em 1917, a emigração masculina representa dois terços do total emigração cabendo à mulher apenas um terço desta, estes dados remetem para a ideia da mulher ainda em casa e destinada a realizar praticamente apenas as tarefas domésticas, ainda que esta profissão não fosse reconhecida até 1940, numa Primeira República que se diz libertária de um povo e que remete ainda as mulheres para casa como meros instrumentos de domesticidade. As mulheres e os menores necessitavam de cartas de chamada, o mecanismo legal, para poderem sair do país, indo as mulheres essencialmente para companhia dos seus maridos para realizarem as atividades domésticas pois estes não tinham posses para pagar a uma empregada que realizasse essas tarefas. Portanto o fator emigração para a mulher não era um fator de liberdade mas sim de continuidade na prisão domiciliária só que desta feita noutro país. Ao nível de legislação de emigração as mulheres eram colocadas no mesmo patamar de autonomia que as crianças pois precisavam de autorização de alguém para se poderem deslocar para fora do país, isto revela um Portugal atrasado e conservador em relação ao papel da mulher na sociedade. Até 1921, era impossível à mulher sair de Portugal sem a carta de chamada, o que é prova que apenas passados 11 anos da instauração da Primeira República é que a mulher portuguesa vai poder sair do país com total liberdade. Esta análise apenas comprova que o processo de emancipação feminina no início do século XX em Portugal foi uma ilusão, pelo menos no que toca ao facto de a mulher puder emigrar de sua livre e espontânea vontade. A mulher, principalmente no mundo rural estava confinada à domesticidade e à agricultura, sendo que mais de 90% das mulheres que abandonaram o distrito de Coimbra para emigrarem no início de 1917. Eram domésticas e casadas, valendo como único documento oficial para a sua partida a carta de chamada escrita pelo seu marido para esta o ir acompanhar no país onde se encontrava. Da maioria das cartas de chamada, o esposo zeloso de ter a sua mulher perto de si recomenda-lhe que precisa quem lhe lave e passe a roupe, lhe cozinhe e lhe lave a casa, depreendendo daí que a mulher que saia não ia para sua emancipação mas sim para se continuar a remeter ao trabalho doméstico enquanto o seu marido trabalha no país onde está. A subjugação da mulher face ao homem reveladora de uma mulher que não tem vontade própria devido ao que lhe é instituído parte muitas vezes não por sua vontade mas porque o seu marido assim exige, muitas vezes dizendo que não volta a Portugal e que necessita da sua mulher consigo. Nos inícios do século XX, temos a mulher sujeita áquilo que são as vontades do seu marido e ainda mais aterrorizador é o facto de esta situação de inferioridade estar prevista na lei, e a vontade própria de quem tem a "infelicidade" de nascer mulher ser apenas uma ilusão. Esta emigração é essencialmente de gente pobre, sendo que muitas vezes não há dinheiro para pagar a viagem para o Brasil tendo a mulher de pedir o montante necessário a algum familiar ou conhecido com a promessa de pagar a dívida posteriormente. Mais uma vez, as mulheres são arrastadas para a miséria pois os maridos que partem não conseguem acumular bens. Eles vão cumprir, no mundo rural, aquela que era a função dos escravos e arrastam também as suas mulheres para um regime de semi-escravidão. Estes atrasos na emancipação feminina foram continuados depois pelo Estado Novo. E a memória disso faz-nos ter consciência, hoje, que as políticas e a "moral" da austeridade e as novas formas de exploração tentam novamente relegar a mulher para uma posição de inferioridade. Com o clima de austeridade imposto pelo governo neo-conservador em Portugal não restem dúvidas de que o agravamento da diferença salarial entre mulheres e homens é cada vez mais uma guerra aberta. Que não restem dúvidas de que os mais conservadores apoiados pelas pelas políticas do Governo da Troika, dizendo que o emprego não chega pata todos, vão empurrar as mulheres a para as quatro paredes do espaço doméstico mais uma vez. Este conservadorismo não aguentou ver as mulheres a lutarem pelos seus direitos e vai tentar "repor" a sua ordem social. Há quem diga que a luta de classes é coisa do passado e que a luta das mulheres também já está feita pois já podem votar e abortar. No entanto, este é mesmo o momento de juntar as lutas e de ir em frente contra a austeridade e o regresso ao século XIX. É assim que se refaz a luta de classes, é a luta pelas mulheres, estudantes, trabalhadores, pensionistas, desempregados... Todos na luta toda pelos nossos direitos
Diogo Barbosa
[A Comuna. 29 (janeiro-março 2013) 45-46]
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