Palingenesis – Populismos de Extrema-Direita na Europa Versão para impressão
Segunda, 08 Abril 2013

Deputados do Partido Aurora Dourada no Parlamento gregoSabemos que o populismo se alimenta do cansaço, do medo, da desconfiança e, até certo ponto, da ignorância. Porém, quando analisamos o rápido crescimento de popularidade dos partidos de extrema­-direita na Europa nos últimos seis anos, devemos questionar-­nos se estes fatores justificam por si só tamanha erosão de uma memória coletiva ainda tão recentemente cimentada.

Artigo de Lídia Pereira

 

(Os imigrantes ilegais) são parasitas que bebem a nossa água, comem a nossa comida e respiram o nosso ar grego. (...) são primitivos, um miasma: sub-humanos. Não queremos saber da sua existência. (...) estamos prontos para abrir os fornos. Vamos transformá-los em sabão mas podemos apanhar alguma alergia, portanto só o usaremos para lavar carros e calçadas. Faremos candeeiros da sua pele. (...) E quanto aos esquerdistas? Faremos contas dos seus dentes.
Alexander Plomari, Aurora Dourada

 

Sabemos que o populismo se alimenta do cansaço, do medo, da desconfiança e, até certo ponto, da ignorância. Porém, quando analisamos o rápido crescimento de popularidade dos partidos de extrema-direita na Europa nos últimos seis anos, devemos questionar-­nos se estes fatores justificam por si só tamanha erosão de uma memória coletiva ainda tão recentemente cimentada.

Embora em alguns países a extrema-direita ocupasse ou tivesse ocupado já uma posição relevante na esfera política nacional anteriormente a este período, poderemos apontar a Grécia,a Hungria, a Finlândia, a França, a Inglaterra, a Bélgica, a Dinamarca, a Áustria, a Itália, a Noruega, a Suécia, a Holanda e a Suíça como os países onde partidos de extrema­-direita têm feito sentir a sua influência, chegando mesmo, em alguns casos, a obter presença parlamentar. Em comum têm o discurso nacionalista, conservador e anti-europeu, muito embora os separem as nuances no que à obtenção de apoio eleitoral diz respeito. O conservador ataque xenófobo deste tipo de partidos faz-se sentir, também ele, de maneira diferente entre os países do Oeste da Europa e os países do Leste da Europa: no Oeste, é a Islamofobia o paradigma dominante; no Leste, as comunidades romena e judaica são as mais atacadas. É de sublinhar, ainda, um esforço na suavização do discurso racista, recorrendo à crítica das políticas de integração, e não é incomum a negação do seu carácter antissemita, procurando dissociar­-se do fantasma do Holocausto.

O teórico político britânico Roger Griffin cunhou, em 1991, o termo "ultranacionalismo palingenético", segundo ele um dos mitos estruturantes do fascismo (muito embora outras ideologias possam também apresentar ideias palingenéticas). Do grego "palin" (renovação) e "genesis"(início), a pedra basilar do fascismo, enquanto ideologia, seria a de renascimento do estado ­ "renascimento nacional". Esta noção assume a decadência e a incapacidade do anterior regime, pelo que é imperativa a renovação nacional através da revolução.

Argumenta Griffin que é no descontentamento da população com as políticas vigentes que o fascismo faz o seu maior esforço de alargamento de bases. Assim, creio que poderemos apontar o papel catalisador da crise na satisfação deste esforço nos países mais ou menos afetados pelas destrutivas medidas de austeridade, como o sejam, por exemplo, a Grécia e a França.

A Europa dividida, autoritária e predadora, cujo papel na crise tem sido o de empobrecer a periferia, ignorando os seus quadros sociais, poderá ser um fator de compreensão do fenómeno de disseminação de ideais anti-Europa. Também o repúdio nacionalista pelos imigrantes e minorias encontra agora um eco mais alargado junto da população a braços com os elevados níveis de desemprego ­ a imigração desequilibra a economia, argumentam.

Na Grécia, tal relação entre a crise e a popularidade da extrema-direita é vincada pela assumpção da Aurora Dourada enquanto partido anti-austeridade. Em ambos os casos é, também, advogada a importância de um Estado Social forte. No entanto, são de assinalar notáveis diferenças na representação parlamentar de cada um dos partidos. Enquanto que na Grécia a Aurora Dourada conseguiu eleger 18 deputados, em França, muito embora na primeira ronda Marine Le Pen tivesse atingido os 18% (um pico histórico para o partido), o Front National acabou por eleger apenas 2 deputados.

Entretanto, o Perussuomalaiset ("Verdadeiros Finlandeses") na Finlândia, do outro lado do espetro da crise financeira, poderá também dever parte da sua popularidade ao contexto europeu: a sua campanha eleitoral, cujas invetivas lançadas a Bruxelas ("o coração da escuridão") e aos países resgatados lhes conseguiu 19% dos votos nas eleições parlamentares em 2011, e o 4o lugar nas presidenciais em 2012, culmina na recusa de assumir o pagamento dos erros dos outros.

Apesar de o seu papel na crescente desconfiança face ao poder estabelecido fazer deste um momento propício para a disseminação de ideais palingenéticos, a crise europeia, segundo um estudo realizado pela Political Capital, não deverá ser apontada como única responsável pela subida de popularidade dos partidos de extrema-direita ­ mesmo nos países onde foi
determinante para tal taxa de sucesso, outros fatores poderão ser apontados.

Vejamos o caso da Hungria: como estratégia de alargamento de bases, o Jobbik argumentou, com base num estudo de cariz erróneo, que graças à expansão da comunidade romena, os húngaros se teriam tornado uma "minoria no seu próprio país". Sendo o primeiro partido a abrir debate sobre este assunto, a estratégia obteve os resultados desejados e o partido conseguiu 16% dos votos nas eleições de 2010, assegurando-lhes 44 lugares em 368 do parlamento húngaro. A Hungria encontra­-se, atualmente, no 4o lugar de uma lista efetuada pela Political Capital que determina os países mais preconceituosos; confirmada como um dos mais antissemitas países da Europa, a sua história e cultura, onde estes ideais nunca chegaram a ser verdadeiramente ultrapassados e onde um forte sentimento anti-comunista se encontra disseminado, têm mais que ver com esta popularidade da extrema-direita do que com o contexto de crise europeia.

Apesar de não se inserir no período em análise, talvez seja interessante referir o pico de sucesso que a extrema-direita atingiu em 2002, um pouco por toda a Europa, conquistando lugares no parlamento na França, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Itália, Noruega e Suíça. No caso francês, o contexto de forte fragmentação da oferta política é apontado como possível explicação do sucesso obtido nas presidenciais por Jean-Marie Le Pen (Front National) que, com 16,86 % dos votos, atingiu a segunda ronda. A campanha, baseada na insegurança dos franceses relativamente às taxas de desemprego e de crime, foi fortemente apoiada pelos media. Dados de um estudo do Romanian Journal of Political Science apontam, no entanto, a inconclusividade dos dados relativamente a estas taxas na explicação do sucesso de Le Pen.

O comportamento do centro-direita tradicional, dos considerados partidos mainstream, poderá também adquirir um forte papel no crescimento da base eleitoral da extrema-direita, pois poderá dar-­se o caso do seu discurso redundar na normalização e legitimação política da narrativa fascista.

Argumenta-­se que, não fora o discurso conservador da direita grega tradicional, fundado sobre ideais anti-comunistas e elementos de cariz autoritário, jamais a Aurora Dourada teria alcançado o sucesso eleitoral confirmado pelas últimas sondagens, realizadas a fevereiro deste ano, que apontam uma subida de 18 para 36 deputados. Isto é, foi a narrativa institucionalizada que, em larga parte, permitiu à crise a sua atuação catalisadora.

É apontado, aliás, o perigo desta ocupação parlamentar na mudança de paradigmas governamentais e acusa-se o poder instituído de se aproveitar deste sucesso da direita radical para legitimar a sua própria viragem.

Nas eleições de 2012, Sarkozy fez nova aposta na arriscada estratégia que lhe ganhou os votos da base eleitoral da Front National em 2007, baseando a sua campanha no inflamado discurso contra a ineficácia das políticas de integração provocada pelo excesso de imigrantes no país, cujos efeitos se fariam sentir nas altas taxas de desemprego e crime. Se em 2007 a tática obteve sucesso, a verdade é que os valores elevadíssimos que a taxa de desemprego atingiu durante o seu mandato provocaram o descontentamento do eleitorado radical. Demonstrada a incapacidade de Sarkozy cumprir as suas promessas, não só houve um retorno dos simpatizantes do FN às suas origens, como, pela redundância desta estratégia na legitimação e normalização do discurso nacionalista, se verificou até um alargamento desta base.

Na Hungria, o governo de direita Fidesz não raras vezes dá a entender que na batalha pela restauração nacional a extrema direita não se encontra sozinha: será apenas estratégia? Será a ascensão política do Jobbik o contexto ideal para fazer passar as suas próprias posições mais conservadoras? Será uma combinação das duas? Em abril de 2011, o partido de Viktor Orbán fez aprovar a chamada "Constituição de Páscoa", um documento cujo preâmbulo extravasa de sentimento nacionalista, e o qual, para além de elaborado em regime de opacidade e unilateralismo, espartilha as liberdades democráticas através de cláusulas que constrangem a oposição, garantindo ao partido uma acumulação e cristalização do seu poder, previsto estando até o cenário de perda de futuras eleições. No dia 11 de março foram, pela quarta vez no espaço de um ano, votadas alterações por imposição europeia. Ufana no uso do argumento da ultrapassagem definitiva do fantasma do comunismo na aprovação da nova constituição, esta direita, no seu discurso e na sua postura autoritária de asfixia democrática, em pouco ou nada se distingue da sua versão mais extrema, representada pelo Jobbik.

A elitizada base intelectual que sustenta estes partidos, permitindo assim uma preocupante influência política sobre a opinião pública, é um fator comum não só a esta vaga de popularidade, mas, em geral, a todo os partidos que advogam ideais fascistas fator pelo qual o combate aos mesmos deverá passar, entre outros, pela informação e educação, pelo debate público e reposição, no seu devido lugar, da memória coletiva. Onde a democracia não se faz acompanhar de formação cívica para a cidadania, jamais poderá ser plenamente participada e nestas condições, far-se-ão sempre sentir os populismos. Não é por acaso que o esforço de alargamento de bases por parte da extrema-direita se faz, na sua grande maioria, junto da população mais jovem.

 


 

Pesquisa adicional
"How to tackle the far right? Delusions and new Proposals" [em linha] Disponível em WWW:
<http://www.riskandforecast.com/post/europe/how­to­tackle­the­far­right­delusions­and­new­proposals_788.html>
"The Greek Left and the Rise of Neo­Fascism"[em linha] Disponível em WWW: <http://www.globalresearch.ca/the­greek­left­and­the­rise­of­neo­fascism/5312125>
"Right­Wing Extremism in France ­ Departmental Differences in the vote for the National
Front"[em linha] Disponível em WWW: <www.polisci.uconn.edu/people/grads/.../FN%20article.pdf>

Foto: Deputados do partido Aurora Dourada no Parlamento grego.

 

 

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