O tempo não consegue criar a vida que a austeridade mata Versão para impressão
Sábado, 20 Abril 2013

dont color insid the lines thats petit-bourgeoisPortugal apresenta um problema demográfico: envelhecimento da população graças a uma taxa de natalidade reduzida. Quase não nascem crianças neste país. Os jovens não têm filhos ou quando muito têm apenas um. Qual a razão? Talvez desconheçam mas os casais não têm filhos porque lhes falta tempo. Esse é o verdadeiro motivo da baixa natalidade do nosso país. Não faltam crianças porque os jovens estão desempregados, têm trabalhos precários e sem perspectiva de futuro ou o mínimo de estabilidade acompanhados por salários baixos que mal chegam para pagar o básico. Não, enganam-se. Faltam crianças e temos uma população envelhecida porque os jovens têm pouco tempo livre para se dedicar aos filhos. Vai daí, o nosso governo, que é perspicaz, teve uma brilhante ideia que abarca a solução para o futuro demográfico do nosso país: dar tempo aos pais para que tenham filhos ou até que aumentem o número de filhos. Parece-nos bem.

Ter tempo para estar com os filhos e poder acompanhar mais a sua educação, estar mais presente, brincar com eles criando assim condições de excelência no seu desenvolvimento e na qualidade de vida de toda a família parece algo muito positivo, uma medida louvável mas delirante. Porquê? Porque o principal motivo da baixa taxa de natalidade é a querida austeridade. O único e irrisório problema reside no facto das pessoas que querem ter filhos continuarem sem emprego, continuarem a ter de pagar uma renda de casa exorbitante, a educação estar longe de ser gratuita sendo até cada vez mais cara, a alimentação ter preços que sobem em flecha, o vestuário estar longe das possibilidades orçamentais de muitas famílias e tudo isto num quadro de desemprego, trabalho precário, instabilidade, salários em queda e despesas em escalada ascendente.

Com efeito, torna-se impossível para uns e muito crítico para outros fazer face aos desafios da sua própria sobrevivência (individual) quanto mais garantir a sobrevivência de outr@s. Sabem, é que as crianças não são temporárias, são seres humanos, e merecem todo o nosso respeito pelas suas condições de vida. Ter um(a) filh@ é um acto de responsabilidade vitalício e para assumir essa responsabilidade é necessária estabilidade no futuro porque uma vez existindo uma criança têm de existir também meios de subsistência reais e palpáveis. Não podemos olhar apenas para a ponta do iceberg, temos de considerar o iceberg todo.

O nosso primeiro-ministro teve a simpatia de aconselhar os jovens a emigrar porque Portugal era uma crónica de uma morte anunciada, mais ou menos como no romance homónimo de Gabriel Garcia Marquez. Agora temos menos jovens (obrigada Sr. Primeiro Ministro) e os que ficaram neste país à beira mar plantado, estão numa situação tão precária e instável como a música "Sexta-feira" dos Boss AC ilustra. É neste quadro que o nosso governo quer mais crianças...

Antes de uma taxa de natalidade que permita a renovação de gerações temos o dever de assegurar a existência dos que já existem. Precisamos de emprego, salários dignos, direitos laborais assegurados, saúde, educação e direitos sociais. Somente assim estarão criadas condições para que quem deseja ter filh@s tenha possibilidade de o fazer. Depois destas garantias, se quiserem aumentar o período de licença de parentalidade, estejam à vontade!

Na referida proposta que o governo lança, há que salvaguardar que muito provavelmente serão as mulheres a enveredar por estes trabalhos a part-time, que tudo indica serem mais precários, facto que já se verifica noutros países europeus. Dificilmente veremos um casal passar a part-time e à precariedade por muito que ame os filhos e deseje passar mais tempo com eles. Já que o papel de cuidado da família e dos filhos sempre foi delegado às mulheres, prevê-se que sejam estas a abraçar esta "oportunidade". É um passo que poderá ser um presente envenenado e levar a uma perda de autonomia económica por parte das mulheres e a um regresso ao assistencialismo familiar.

Em jeito de conclusão, podemos dizer que oferecer a possibilidade de possuir mais tempo para passar com os filh@s é um excelente direito parental mas esta proposta traz consigo mais precariedade e isso não é algo positivo nem para @s mães/pais nem para @s filh@s, além disso é uma proposta clivada da realidade que vivemos hoje em Portugal.

Existe um mundo de medidas necessárias para uma vida de qualidade e todos os dias a qualidade de subsistência é deteriorada pelas medidas austeritárias. Os direitos sociais e laborais têm-nos sido retirados drasticamente ao longo destes anos de austeridade e não vemos luz ao fundo do túnel com este governo e com a presença da troika no nosso país. Agradecendo a ideia do tempo extra não podemos fechar os olhos à verdade: hoje existe muita gente em Portugal com tempo de sobra graças ao flagelo do desemprego mas o tempo não traz, por si só, qualidade de vida. O caminho para o rejuvenescimento da população tem de ser outro. Precisamos de tempo sim, mas tempo de qualidade, precisamos de emprego e dos subsídios que nos retiraram, precisamos de saúde e educação acessíveis a tod@s, de transportes e de habitação. Certamente que se tivéssemos tudo isto teríamos também uma taxa de natalidade mais elevada. É que o tempo não consegue criar a vida que a austeridade mata...

Nádia Cantanhede

 

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