As mulheres na Primavera Árabe |
Sexta, 19 Abril 2013 | |||
A "Primavera Árabe" foi um acontecimento que recebeu larga atenção nos órgãos de comunicação social, mas hoje, com a distância necessária para o analisar, podemos concluir que um dos seus elementos cruciais foi ignorado: o papel impressionante das mulheres nos protestos. Apesar da cobertura inadequada do papel das mulheres neste acontecimento, que esteve longe de ser tão debatido como a importância das redes sociais, as mulheres estiveram e permaneceram à frente desses protestos. A "Primavera Árabe" revelou-se um período memorável de activismo e mudança para as mulheres, lembrando o papel das pioneiras feministas no movimento egípcio de 1919 pela independência em relação ao Reino Unido, ou o importante lugar das mulheres na Revolução Argelina. O facto deste elemento crucial ter motivado tão poucos comentários no "mundo ocidental" demonstra que as nossas próprias narrativas e preocupações sobre o "mundo árabe" nos moldaram a visão sobre as forças sociais que tentaram mudar as vidas de 300 milhões de pessoas. Na Tunísia, as mulheres tiveram uma posição significativa nas manifestações que desencadearam a Primavera Árabe, muitas vezes protestando pela capital do país com os seus filhos e as suas filhas. No Egito, os protestos que levaram á queda do presidente Hosni Mubarak foram convocados por uma jovem inspirada por um vídeo postado no Facebook. No Iémen, grupos de mulheres organizaram-se para derrubarem o líder do país, enquanto na Síria, enfrentando a polícia secreta armada, as mulheres bloquearam estradas para exigir a libertação de seus maridos e filhos presos. Na Líbia, os protestos das mulheres mostraram-se fundamentais para o movimento de cidades inteiras que fugiram ao controle do coronel Muamar Kadafi, cidades identificadas como reduto do fundamentalismo muçulmano. As causas da "Primavera Árabe" estão relacionadas, certamente, com os altos índices de desemprego entre as classes instruídas, as políticas neoliberais de privatização e enfraquecimento dos sindicatos, a corrupção das elites politicas, o aumento dos preços dos alimentos e da energia, a pobreza provocada pela diminuição das oportunidades de emprego nos Estados petrolíferos do Golfo e na Europa, e décadas de frustração com governos autoritários mas, no desempenho dos seus papéis de trabalhadoras e profissionais, além de donas de casa, as mulheres sofreram directamente com todos esses problemas. Um dado interessante em relação às mulheres activistas da "Primavera Árabe" foi que estas vieram de todas as classes sociais, uma vez que se tratou de um movimento de massas. Enquanto as mulheres das classes média e alta concentraram as suas atenções em questões de representatividade e leis que dizem respeito à igualdade para as mulheres, tentando assegurar garantias constitucionais de paridade eleitoral, as mulheres da classe trabalhadora centraram-se em questões relacionadas com salários e direitos laborais. A saúde, o acesso á educação e o bem-estar material foram preocupações comuns a todas as mulheres que exigiram que mais recursos provenientes dos dinheiros públicos fossem dedicados às mulheres e aos mais desfavorecidos. Quando as revoltas aconteceram na Tunísia e no Egipto, ficou claro que as mulheres foram excluídas de órgãos de tomada de decisões e que sua participação nos processos de transição política foi certamente baixa. Apesar da importância fundamental das mulheres na "Primavera Árabe", o seu papel em raras ocasiões foi reconhecido pelos políticos homens que certamente foram beneficiados pelas conquistas deste movimento. Grupos de mulheres e movimentos progressistas ficaram compreensivelmente preocupados com a possibilidade de que, em especial na Tunísia e no Egipto, movimentos fundamentalistas muçulmanos se tornassem mais influentes no Parlamento e aprovassem leis que prejudicassem tanto as mulheres quanto os secularistas. Por exemplo, foi notável perceber que as mulheres ficaram sem representação na comissão formada para rever a Constituição do Egipto tendo em vista as eleições do país, e que apenas uma mulher foi nomeada para o governo provisório constituído por 29 membros, elevando-se para duas nomeações no caso tunisino. Mais de dois anos após o início dos movimentos por mais democracia nos países árabes, os homens continuam a dominar, pelo menos no campo político: no Egipto, por exemplo, apenas 2% dos representantes do povo são mulheres, embora o país tenha ratificado em 1981 a Convenção das Nações Unidas para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e tenha concordado em aumentar o número de mulheres no sector político, de modo a atingir os objectivos do milénio da ONU. Os partidos islâmicos no Parlamento querem alterar as leis em vigor, de modo a impedir que as mulheres se divorciem, passando esse a ser direito exclusivo do homem, e após o divórcio, só poderiam ficar com as crianças até aos nove anos de idade, uma vez que partir dessa idade todos os direitos sobre as crianças seriam dos pais. Durante o regime de Mubarak, no Egipto, foram as ONG feministas que assumiram a defesa dos direitos da mulher. Após a queda do regime as ONG´s foram impedidas de trabalhar ou encerradas acusadas de terem aceitado dinheiro proveniente de países ocidentais. O exército, que controlou o país até às eleições, agiu com uma brutalidade abominável com jovens manifestantes que foram detidas e submetidas à força a testes de virgindade, outras foram despidas em público e espancadas. Já na Tunísia, as mulheres reclamaram, com êxito, uma lei eleitoral da paridade, graças à qual elas ganharam 49 dos 217 assentos parlamentares nas últimas eleições. No Egipto, contudo, as perspectivas para as mulheres parecem mais sombrias, uma vez que o sistema de quotas pré-revolução que lhes tinha dado 64 assentos parlamentares não foi mantido. Esse sistema foi substituído por uma nova lei eleitoral que obriga os partidos políticos a incluírem, pelo menos, uma mulher nas suas listas de candidatos. Assim sendo, os partidos colocaram as mulheres no fim das listas e, como resultado, apenas nove mulheres foram eleitas para o parlamento. Os grupos islamitas ganharam maiorias, tanto no parlamento tunisino como no egípcio. O projecto legislativo que reflecte a interpretação restritiva da sharia (lei islâmica), em especial sobre a condição da mulher, foi submetido a debate na Tunísia. E parece haver uma intenção clara, em muitos países árabes, de permitir a poligamia sem restrições, por exemplo, mesmo quando era proibida antes da "Primavera Árabe". Entre outras coisas, a nova legislação tornaria a poligamia a regra, não a excepção, privando as mulheres de terem o mesmo direito ao divórcio. Os islamitas também poderiam impor o véu e, mais tarde, o niqab ou a burka. Seria necessário um imenso esforço, por parte das activistas dos direitos das mulheres, para evitarem tais retrocessos. Há muito em jogo para as mulheres tunisinas: as conquistas de 1957 que romperam com a Sharia em aspectos importantes (baniram a poligamia e permitiram que o divórcio jurídico e o casamento fossem por acordo mútuo) e garantiram o direito á educação, emprego e participação política, são consideradas cruciais para o desenvolvimento das futuras gerações de mulheres. No Egipto, as questões são ainda mais complicadas: o comité legislativo do parlamento recebeu uma proposta para passar a idade legal para casar das mulheres de 18 para 12 anos, medida que condicionaria o acesso á educação por parte das raparigas. Infelizmente, a posição política das mulheres é fraca: o Conselho Nacional das Mulheres foi reestruturado, há uma nova União Feminista Egípcia e foram criadas uma série de coligações constituídas por ONG feministas que estão longe de serem suficientemente organizadas para trabalharem em conjunto e de forma eficaz. A história mostra uma abundância de paradoxos democráticos com casos em que os direitos das mulheres regridem no período posterior a uma revolução: centro e leste da Europa nos anos 1990, Irão após 1979 e Argélia, 1984, entre outros. Na verdade, o único raio de esperança que resta para a igualdade das mulheres é a vontade, de todos e todas que procuram um tal regime, de se unirem e tentarem cumprir, mais uma vez, a promessa democrática da revolução nos países alvo de protestos da "Primavera Árabe". Vânia Martins
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A Comuna 33 e 34
A Comuna 34 (II semestre 2015) "Luta social e crise política no Brasil" | Editorial | ISSUU | PDF
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