ERT: O silêncio que fez barulho Versão para impressão
Terça, 25 Junho 2013

ERTFoi no dia 11 de Junho que, sem qualquer debate parlamentar, sem sequer mesmo consultar os parceiros de coligação PASOK e Dimar, Antonis Samaras declarou o encerramento da empresa pública de rádio e televisão ERT, coincidindo a decisão com a estadia da troika no país para mais uma avaliação.

 

Artigo de Lídia Pereira

Foi no dia 11 de Junho que, sem qualquer debate parlamentar, sem sequer mesmo consultar os parceiros de coligação PASOK e Dimar, Antonis Samaras declarou o encerramento da empresa pública de rádio e televisão ERT, coincidindo a decisão com a estadia da troika no país para mais uma avaliação. A justificação oficial acusou a estação pública de ser um ninho de corrupção, falta de transparência e esbanjamento, garantindo a abertura, no seu lugar, de uma empresa pública moderna, com uma também moderna (e muito em voga nestes tempos de ditadura austeritária) redução do número de trabalhadores.  A decisão seguiu a emissão de um decreto presidencial no qual se encontrava estabelecida a capacidade do governo de, através de uma única assinatura, encerrar qualquer serviço público.

2.656 despedimentos e a eliminação de 4000 postos de trabalho foram as consequências imediatas de uma medida que, ao pôr em causa os princípios fundamentais da democracia e liberdade de imprensa, gerou imediatamente uma enorme onda de contestação e revolta que reuniu milhares de pessoas junto das instalações da ERT, entretanto ocupadas pelos seus trabalhadores. Estes, em colaboração com a empresa de telecomunicações OTE e a União Europeia de Radiofusão mantêm, desde então, uma emissão em directo transmitida por vários sites gregos e outras estações regionais privadas. No dia 13, Samaras anunciou o nome da nova estação: NERIT. O blog Troktiko não tardou a registar o domínio nerit.org, onde se pode agora aceder à emissão ilegal dos resistentes trabalhadores da ERT. Ainda no dia 13 a greve geral convocada pelos principais sindicatos contra o fim do encerramento da estação paralisou os transportes e os serviços públicos, com mais de uma centena de milhar de pessoas a manifestar-se em frente das suas instalações. A polícia de choque, que já houvera dado o ar de sua graça ao invadir as instalações da empresa no dia 11, aquando do seu encerramento, voltou a descobrir a face da repressão governamental ao ser utilizada como ameaça para a expulsão dos trabalhadores das instalações da ERT, gerando um movimento cidadão (do qual os 71 deputados do Syriza fazem parte) para a protecção das mesmas. Também as estações de televisão e rádio que se solidarizaram com os trabalhadores da ERT, procedendo à retransmissão da sua emissão, receberam ameaças por parte do governo de perda das licenças, demonstrando até que ponto o governo grego procura silenciar qualquer sinal de contestação ao seu "poder". Porém, a resistência popular não foi a única a demonstrar as suas dúvidas quanto à legalidade da decisão de encerramento da ERT: no dia 17 de Junho o Supremo Tribunal Administrativo ordenou a reposição da sua transmissão. Nesse mesmo dia, o comício do Syriza encheu a praça Syntagma, onde as palavras de Tsipras condenaram o novo ataque à democracia em nome dos media privados, sublinhando a importância de derrubar o governo. A resposta às recentes exigências da troika no que ao despedimento imediato de 2500 funcionários públicos diz respeito, com o sacrifício ao altar da finança de 2656 trabalhadores, teve o condão de agitar também as relações dos partidos de coligação: a decisão unilateral de Samaras afastou o Dimar do governo, que anunciou a sua saída após a reunião de dia 20 - tal saída não implica, no entanto, a defesa por parte do partido da necessidade de novas eleições.

Já atrás foi referida a justificação oficial do governo, porém convém proceder à desconstrução de tais argumentos se o que pretendemos é uma correcta análise da situação. Quando se acusa a ERT de ser um ninho de corrupção interessa perceber que é já uma história antiga a atribuição de posições da administração nos quadros da empresa pública por parte de membros do governo. No caso de Samaras, assim que se tornou primeiro-ministro em Junho de 2012, foram 28 as nomeações que fez para cargos administrativos com direito a elevadíssimos salários. Aliás, se é o esbanjamento que também está em causa, convém perceber que apenas nestes quadros administrativos os salários ascendiam aos milhões de euros - facto que os trabalhadores provaram entretanto através da sua emissão de resistência. Do Orçamento de Estado nenhuma soma se encontrava destinada à estação pública, que funcionava com uma taxa especial anexada à conta da electricidade de todos os cidadãos gregos. Des(cons)truídos os argumentos, o autoritarismo censorial da medida revela a tentativa de silenciar a resistência, a oposição e a liberdade de imprensa, ao mesmo tempo que cumpre, de uma só estocada, os despedimentos no sector público exigidos pela troika. Com esta medida serve também os interesses privados que, com a estação pública fora do novo contrato de partilha de frequências digitais, passa a deter o monopólio da informação. De um lado a fome, do outro a vontade de comer.

Relativamente à promessa de abertura de uma nova emissora, Kostas Vaxevanis, jornalista grego indiciado pela publicação da lista de Lagarde (lista de cidadãos gregos com contas em bancos na Suíça e possíveis evasores fiscais), denunciou a sua farsa: "Consistirá apenas daquelas pessoas que afinam cegamente pelo diapasão do governo. Na antiga ERT a administração poderia ser totalmente corrupta, mas havia, pelo menos, uns quantos bons trabalhadores. (...) Isto não se trata apenas da nossa emissora; é a nossa democracia que está em causa e se encontra agora em sério perigo."

A nova proposta do governo, aliás, que se compromete a mater 2000 dos 2656 trabalhadores, é apenas um adiamento da catástrofe, já que os contratos dizem respeito apenas a um período de três meses sem quaisquer garantias de renovação.

A independência nos media gregos já há muito se encontra sob a mira do governo: no ano passado, o país caiu 14 lugares no índice global de liberdade de imprensa. Interpretações desta nova medida sugerem que, já desde a sua eleição, o primeiro-ministro andava descontente com as opiniões e relatórios veiculados pela ERT graças ao seu conteúdo crítico e de aproximação à esquerda. Numa carta aberta dirigida ao presidente da Comissão Europeia, Kostas Vaxevanis denuncia o actual estado de repressão nos media gregos: exibindo como prova fundamental o novo julgamento a que foi condenado após a sua absolvição no dia 28 de Outubro, graças à publicação da já referida lista de Lagarde, Vaxevanis argumenta a favor da utilidade pública da divulgação de tais informações. O Governo, tendo já acesso às mesmas, houvera feito vista grossa, escolhendo proteger, mais uma vez, os interesses do grande capital. Expondo assim as malhas da corrupção, a revista Hot Doc de Kostas Vaxevanis representa uma forte ameaça a silenciar o mais rapidamente possível, e o pedido deste novo julgamento pela procuradoria pública, além de altamente irregular, não apresenta quaisquer antecedentes judiciais. Vaxevanis exibe ainda uma outra prova: a do ministro grego que ameaçou o The Guardian com um processo, apenas porque este teve o desplante de expôr o uso de tortura por parte da polícia grega.

Mas como podemos observar pelas massas humanas que se levantaram em protesto contra a depredação da democracia, pela resistência dos trabalhadores da ERT contra o silenciamento das mais fundamentais liberdades de imprensa e pela decisão do Supremo Tribunal Administrativo, quanto mais se procura silenciar a voz, mais alto a voz se levanta - na Grécia, como no Brasil, como na Turquia, como na Bósnia, como em Portugal (e a lista continua e vai crescendo). A nossa luta é por todo o lado a mesma e por todo o lado se vai erguendo cada vez mais consciente da necessidade de mudança, contra um sistema onde os valores de dignidade humana e liberdade, sempre que convocados, têm o poder de causar estragos.

 

A Comuna 33 e 34

A Comuna 34 capa

A Comuna 34 (II semestre 2015) "Luta social e crise política no Brasil"EditorialISSUUPDF

 capa A Comuna 33 Feminismo em Acao

A Comuna 33 (I semestre 2015) "Feminismo em Ação"ISSUU | PDF | Revistas anteriores

 

Karl Marx

 

 
 

Pesquisa


Newsletter A Comuna

cabeca_noticias

RSS Esquerda.NET