Metacortex: Por uma nova matriz Versão para impressão
Terça, 02 Julho 2013

metacortexDentro do espectro de preocupações da arte do "jovem turco" Godard, convoco a genialidade de uma linguagem cinematográfica engajada em demonstrar que quando o espectador visiona um filme, este assiste não À imagem, mas a UMA imagem que lhe oferecem.

 

Artigo de Pedro Rodrigues

 Dentro do espectro de preocupações da arte do "jovem turco" Godard, convoco a genialidade de uma linguagem cinematográfica engajada em demonstrar que quando o espectador visiona um filme, este assiste não À imagem, mas a UMA imagem que lhe oferecem. Neste sentido, quando o francês a dada altura insere no seu filme Número Dois (1975) um ecrã, com um convite endereçado ao individuo que está sentado na sala de cinema, afirmando "isto é uma imagem", despoleta a consciencialização de que para além das representações imagéticas sugeridas nos 2 ecrãs, o próprio espectador tem no seu olho/córtex um terceiro processador de realidade. Também reflectindo sobre as relações entre o real e o cinema, Edgar Morin afirma: "temos uma personalidade de confecção, ready made. Vestimo-la como se veste um fato e vestimos um fato como quem desempenha um papel. Representamos um papel na vida, não só perante os outros, mas também perante nós próprios. O vestuário (esse disfarce), o rosto (essa máscara), as palavras (essa convenção), o sentimento da nossa importância (essa comédia), tudo isso alimenta, na vida corrente esse espectáculo que damos a nós próprios e aos outros, ou seja, as projecções-identificações imaginárias." Aparentemente dialogando sobre o cinema, Godard afirma que a realidade é uma forma de representação, reactualizando por diferentes meios o que membros do realismo soviético como Pudovkin, Eisenstein ou Vertov pretendiam: utilizando o cinema como crítica à unidimensionalidade, consciencializam o espectador/povo que existe uma multiplicidade de realidades à espera de serem construídas e vividas. Todavia se por um lado a linguagem cinematográfica pode ou não convocar o espectador a uma reflexiva participação acerca da sua própria condição; por outro, no cinema as reacções do espectador não influem no resultado da representação que vêem na tela. Por isso Morin afirma que "a ausência ou o atrofiamento da participação motriz, prática ou activa, está estreitamente ligada à participação psíquica e afectiva". Ora, "a ausência de participação prática determina, portanto, uma participação afectiva intensa: operam-se verdadeiras transferências entre a alma do espectador e o espectáculo do ecrã." Se correntes cinematográficas como o realismo soviético, o neo-realismo, membros da british new-wave ou alguns da nouvelle vague reflectem uma declarada vontade de transformar ideologicamente o mundo, convenhamos que os seus declarados propósitos contrastam com o sistema mediático em que vivemos. A burguesa equipa de opinion makers que inicialmente afirmava em uníssono que a intervenção da troika, e a imposição da agenda neoliberal era o necessário e correcto caminho para um país melhor, neste momento também em uníssono afirma que o austeritarismo e o governo são do pior, mas que não existe alternativa. Ou seja, o resultado da análise é sempre o da imposição do discurso do inevitável. Utilizando do simbólico poder dos títulos de doutores e especialistas com que se apresentam, e da suposta isenção dos media, é-nos servida, por uma minoria bem instalada, a ideia de que a estruturação do modelo económico e valores dominantes da sociedade são a ordem natural do mundo. Totalitariamente intoxicam o debate público, omitindo (e ridicularizando) as utopias sociais, submergindo o mundo no lento e glacial decorrer de um eterno tempo (sem futuro/projecto) presente, onde a solução será resolvida por ELES (They - John Carpenter). Ao catalogar os manifestantes anti-capitalistas de indignados, o sistema orwelliano em que vivemos, elimina a carga ideológica de proposta de um modelo alternativo para a sociedade, abusivamente relegando os anseios dos manifestantes a um mero estado de espírito: estão indignados porque não têm algo. Nestes tempos de treva totalitária liberal, atentemos no aforismo de Wittgenstein que considera que a linguagem é um modelo de prefiguração do real como forma de nos consciencializarmos de que o sistema de exploração do homem pelo homem realizou um novo update: a prisão dos subversivos foi substituída pela fabricação de uma prisão conceptual. Proletários, ousem imaginar outra realidade!

 

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