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Terça, 13 Maio 2014

marx einsteinNo início da sua carreira, Karl Marx enfrentou o enigma central do escritor trabalhador (...) No último mês, o problema que ele descreveu voltou a aparecer em forma digital.

 

Artigo de Ben Mauk

 

No início da sua carreira, Karl Marx enfrentou o enigma central do escritor trabalhador: "O escritor tem de ganhar dinheiro de modo a ser capaz de viver e de escrever mas, de modo algum deve viver e escrever com o objectivo de ganhar dinheiro". As obras de um escritor, declarou ele, "são fins em si mesmos; não são um meio para ele ou para outros e, se necessário, ele sacrifica a sua própria existência à existência delas." Contudo, à medida que os anos passaram, a sua situação financeira tornou-se mais preocupante. Na sua luta por suportar a família que crescia, ele não só teve de empenhar os lençóis de linho da família e pedir dinheiro emprestado ao seu colaborador Friedrich Engels mas também começou a escrever por dinheiro no New-York Daily Tribune.
Marx morreu em 1883. No último mês, o problema que ele descreveu voltou a aparecer em forma digital. Os voluntários que gerem o Marxists Internet Archive, um repositório online gratuito de escritos marxistas dos séculos dezanove e vinte, receberam uma carta de Lawrence & Wishart, uma editora de Londres, pedindo-lhes que retirassem do seu site várias centenas de textos iniciais de Marx e Engels. A Lawrence & Wishart tem a propriedade parcial dos direitos à única tradução inglesa completa das Obras Completas de Marx & Engels, um conjunto de cinquenta volumes que representam um esforço de trinta anos dos tradutores. Os direitos de autor são partilhados entre a International Publishers sedeada em Nova Iorque e uma editora soviética há muito extinta chamada Progress Press.
Durante nove anos, a Lawrence & Wishart deixou o Marxists Internet Archive alojar o material com direitos de autor ao lado de milhares de outros textos traduzidos de Marx e Engels, muitos dos quais estão no domínio público. Mas a editora começou recentemente a preparar uma edição digital dos cinquenta volumes para bibliotecas universitárias. (O preço do e-book ainda tem de ser determinado; uma versão impressa custa cerca de mil e quinhentos dólares.)
Depois de o Archive ter recebido o pedido da Lawrence & Wishart, voluntários postaram-no na sua página do facebook. David Walters um dos co-fundadores do site disse-me "isso causou uma enorme tempestade". A "L. & W. deu um pontapé no vespeiro e depois sentou-se em cima dele."
Depois do post no Facebook , escritores de toda a internet progressista expressaram a sua ira. O Centro para uma Sociedade sem Estado (Center for a Stateless Society) perguntou: "Com "Socialistas" como a Lawrence & Wishart quem precisa de Capitalistas?" Uma petição da Change.org lamenta a ironia de uma editora privada que reclama a propriedade sobre "as obras completas de Karl Marx e Friedrich Engels, os filósofos que escreveram durante toda a vida contra o monopólio do capitalismo e da sua origem, a propriedade privada." Na segunda-feira, a petição tinha mais de cinco mil assinaturas. Diversos sites não ligados ao Archive começaram a colocar os textos digitalizados desafiando as reclamações de direitos de autor da editora. A 25 de Abril, a Lawrence & Wishart postou uma resposta a esta "campanha de abuso online", argumentando que a retórica inflamada era uma perversão do conceito do modo de produção capitalista de Marx. O Archive respondeu com uma missiva própria, escrita por Walters, a qual, por sua vez, despoletou ainda uma outra resposta de Lawrence & Wishart.
A legalidade destas reclamações não está em questão. Ambos os lados concordam que Lawrence & Wishart está dentro dos seus direitos legais e o Archive já removeu o material ofensivo. (Não é a primeira vez que os seus voluntários admitiram uma nota de remoção, disse-me Walters). Para esquerdistas comprometidos e observadores perplexos o que está em causa é se a editora marxista procedeu de modo "não camarada".
Quando perguntei a Sally Davison, editora geral da Lawrence & Wishart, o que é que ela achava daquela algazarra, ela deu uma gargalhada e disse, "É difícil dizer, visto que estou absolutamente convencida de que tenho razão!" Segundo o seu ponto de vista, a Lawrence & Wishart dificilmente é o opressor capitalista que muitos escritores fizeram dela; descreve a companhia como uma pequena casa radical com apenas quatro trabalhadores (dois a tempo inteiro e dois a tempo parcial) que merecem compensação pelo seu trabalho. "Não vivemos de facto numa utopia socialista," disse-me ela. "Temos que ganhar a vida. Esperar que pessoas de esquerda funcionem com regras diferentes para seu próprio detrimento é pedir-nos que cometamos suicídio institucional."
De acordo com Davison, as obras retiradas compreendem cartas iniciais, artigos e outros papéis sem interesse para os leitores em geral. "Há tanto Marx que está disponível no domínio público", disse. "A ideia de que o movimento revolucionário internacional fica necessitado por não ter total acesso a uma versão académica de cinquenta volumes de Marx e Engels é, uma tolice."
Uma pesquisa nos Archives actualizados confirma que as versões inglesas de todas as obras mais famosas – e muitas menos famosas – de Marx e de Engels continuam disponíveis. David Walters, o co-fundador do Archive, fica perplexo com este argumento. "Se se quiser aprender marxismo, não se pode só ler "O Manifesto Comunista", disse-me ele. "Queremos todo o material que compreende a sua metodologia."
Walters e Davison concordaram que enquanto vivermos numa sociedade capitalista, a lei da propriedade intelectual é uma importante ferramenta para proteger os trabalhadores da exploração. (Walters citou Ray Charles, um dos primeiros músicos a exigir a propriedade das suas fitas originais.) Parte do seu desacordo deriva de se Davison e os seus co-trabalhadores deveriam ser contabilizados entre esses trabalhadores que contribuíram com valor para as Obras Completas (como, por exemplo, a pessoa que fez os arranjos de cordas de Ray Charles), ou se deviam ser considerados proprietários (como um estúdio de gravação) que estão a explorar o trabalho de Marx, Engels e os seus tradutores. Walters argumentou que "muito poucas pessoas da L. & W. estiveram envolvidas em 1970" quando os esforços para fazer a tradução começaram e portanto, o novo esforço de vendas " não tem a ver com arranjar dinheiro para os tradutores." Davison ripostou que, ao contrário das reclamações de Walters, a Lawrence & Wishart ainda não recuperou o custo de produzir a série, cuja edição final só apareceu em 2004. Além do mais, disse ela, grande parte da receita que fazem das Obras Completas é gasta a publicar novos livros, alguns dos quais estão disponíveis gratuitamente no website da Lawrence & Wishart .
Ainda, considerando a crítica, Davison disse que a sua editora podia tentar conceder acesso às Obras Completas a certas bibliotecas não-institucionais, com base num acordo que não interferiria com a sua capacidade para vender a colecção às universidades. "Tudo o que produzimos, pensamos sempre no que podemos oferecer de graça", disse Davison. "Se déssemos tudo, já não estaríamos aqui."

Ben Mauk

publicado originalmente em New Yorker.com

e traduzido por Almerinda Bento para A Comuna

 

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