MEMÓRIAS DO MEU 25 DE ABRIL |
Terça, 13 Maio 2014 | |||
Esse dia inesquecível de Abril de 1974, começou para mim de forma inquieta e ansiosa para perceber o que se ouvia na rádio, sobretudo os apelos a ficarmos em casa.
Testemunho de Francisco Alves
Também "desobedeci" e fui trabalhar para a Fábrica União no Calvário. Quero dizer que a minha desobediência foi mais fundada na falta de perceção do que se estava a passar, do que propriamente por outra qualquer razão. Curiosamente por volta das 10 horas fomos dispensados do trabalho e aconselhados a ir para casa. Telefonei à minha mulher (nesse tempo era o termo utilizado) que também tinha ido trabalhar para a Escola Ferreira Borges, ali perto, e decidimos ir para casa dos meus pais em Pedrouços, onde então morávamos. Sei que passei o resto do dia a ouvir as notícias da rádio dum carro junto ao Café Restelo, com outros amigos. Tinha 18 anos, casado, com um filho de 8 meses, saído da escola direto para a fábrica como servente de metalúrgico em 15 de Fevereiro de 1974, o primeiro dia de trabalho remunerado. O 25 de Abril, dá-se verdadeiramente para mim, quando regressado ao trabalho no dia seguinte, me apercebo pelas movimentações e conversas dos operários mais velhos, já então organizados sindical e politicamente, que o golpe militar era a nosso favor e que as coisas podiam mudar. E se mudaram! Estávamos a uma semana do 1º de Maio, que se transformou naquele imenso mar de gente a gritar por liberdade e o fim da guerra, onde de forma completamente solta participei e acabei a assistir a um mini comício fora do Estádio da FNAT onde se falava duma maneira, que mais tarde percebi, ser linguagem da extrema-esquerda e confesso que não me lembro de qual organização. O 25 de Abril deu-me liberdade e tirou-me o peso terrível de decidir se "fugia à guerra" ou ia "bater com os costados" no ultramar, como milhares de jovens eram obrigados a fazê-lo. A exigência do fim da guerra expressa na palavra de ordem NEM MAIS UM SOLDADO PARA AS COLÓNIAS, que tantas vezes gritei, teve um valor muito grande para elevar a minha consciência e ajudar a escolher qual o espaço político à esquerda onde me iria inserir. A outra vertente que me marcou imenso e profundamente, foram as mudanças radicais que ocorreram nas relações de trabalho por força da vontade, luta e organização da massa nos locais de trabalho. Na MOMPOR discutimos em plenários a criação da primeira Comissão de Trabalhadores que teve representantes de todos os extratos profissionais (operários; administrativos e quadros técnicos); exigimos de imediato o aumento dos salários; fizemos alguns saneamentos dos lacaios do patronato; alteramos rapidamente muitos procedimentos e práticas (às vezes pequenas coisas) que melhoraram substancialmente as condições de trabalho e eliminaram o carácter opressivo e repressivo das anteriores regras impostas pelo fascismo. No fundo os operários e demais trabalhadores ganharam consciência da sua força, tomaram a palavra e agiram a favor da sua classe. Deixo um exemplo de como a correlação de forças é sempre o fator determinante para alterar as condições dos que vivem do trabalho. - A precariedade sempre esteve presente na vida dos trabalhadores e naqueles idos de Abril, aos precários chamava-se "Eventuais" e a diferença para hoje é que então tiveram condições objetivas para se organizarem e exigir os seus direitos, o primeiro dos quais era a passagem ao quadro das empresas, serem "Efetivos". A MOMPOR estava a fazer uma grande reparação nas instalações da Sacor em Cabo Ruivo, empregando centenas de trabalhadores "Eventuais" que nos finais de Maio de 1974 decidiram em plenário criar uma comissão que os representasse, deslocaram-se à Sede e Delegação 15 da empresa no Largo e Rua das Fontainhas, e ocuparam-nas durante três dias, assumindo o controlo sobre os telefones, fax e as entradas e saídas de pessoas incluindo os colegas trabalhadores. O resultado foi a criação de sentimentos de solidariedade ativa entre "eventuais" e "efetivos" que juntaram forças e levaram à passagem de muitos ao quadro. Esta foi uma das mais gratificantes experiências de luta vividas, que o 25 de Abril nos proporcionou e nós soubemos aprofundar, marcou-me fortemente. Desobedecer continua a ser preciso nos dias de hoje. Francisco Alves - A Comuna nr. 31 (Maio 2014) 35-36. edição Especial 40 Anos do 25 de Abril.
ilustração: Maria João Barbosa/LunaKirscheIllustration para A Comuna
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