Qual Europa? |
Quinta, 22 Maio 2014 | |||
A nossa Europa não é uma declaração política feita por Schuman, em 1950. É a derrota dos nazis pelos aliados, em 1945. É a Europa antifascista. A base é essa, o que fazemos dela depois são outras lutas, por outros meios - para transgredir a expressão de Clausewitz. E profundas transformações socio-ecológicas são o nosso horizonte.
Artigo de Bruno Góis
A Europa carrega consigo grandes responsabilidades: por um lado, o negativo, com o colonialismo e as duas guerras mundiais, e por outro, o positivo, as grandes conquistas emancipatórias e civilizacionais dos trabalhadores e dos povos, da Revolução Francesa à Revolução de Outubro, da Revolução Industrial aos direitos sociais conquistados pelo movimento dos trabalhadores e por todos os movimentos de emancipação social, nacional, das mulheres, das identidades LGBTI, e de defesa do ambiente e dos interesses dos animais. Neste quadro geral, a oposição à política da guerra protagonizada pela NATO e aos tratados europeus feitos contra os povos da Europa são uma linha de fundo da matriz do internacionalismo e do europeísmo de esquerda. E este europeísmo de esquerda, como já dizia o programa do Bloco nas Europeias de junho de 1999, tem como adversário o federalismo europeu, em que os povos são submetidos aos interesses dos mercados. A propriedade coletiva de setores estratégicos é estruturante para a soberania popular e, portanto, para as democracias avançadas que queremos desenvolver no nosso continente. E se essa pauta marcou desde princípio a oposição à agressão neoliberal pactuada entre os partidos da Internacional Socialista e a direita, hoje o combate às políticas de austeridade promovidas pelos mesmos parceiros é marca da via para uma Europa da solidariedade, do progresso, da paz e dos direitos sociais. A vida confirmou que a estratégia de integração europeia em curso falhou. A liberalização do grande mercado europeu e a via da Organização Mundial do Comércio vieram a revelar, na prática, como cairia pela base a ilusão da Estratégia de Lisboa (2000). A alternativa que a UE pretendia afirmar no mundo desfez-se em cacos na sequência da crise iniciada em 2007/08. A globalização dos mercados minou a base fiscal dos direitos sociais, a via das parcerias publico-privadas e das privatizações da propriedade pública completaram o golpe. Sem possibilidade de ter um papel ativo para promover o desenvolvimento, as democracias europeias viram-se cada vez mais limitadas. As desigualdades sociais e entre os Estados-Membros estão a aumentar e a "desintegrar" a Europa. Com a crise, o buraco aberto pelo ataque aos salários e aos direitos sociais teve consequências no afundar do mercado interno. Perante o ataque especulativo às dívidas soberanas dos Estados-Membros, as instituições da UE foram agentes da crise, serviram à banca e não aos povos. Nesta Europa só se salvam os bancos. Só os prejuízos foram socializados, tornando pública a dívida privada. Os Estados e as suas organizações e bancos centrais tornaram-se garantia de recapitalização da banca privada. Na tutela da troika: o BCE e a Comissão Europeia foram o braço direito da política do FMI. Ao Estado mínimo pregado pelo neoliberalismo seguiu-se o Estado que é garantia direta do saque da banca. Faliram duas Lisboas: a Estratégia de 2000 e o Tratado de Lisboa. A nossa Europa é outra. É preciso "desobedecer à Europa da austeridade". O Tratado Orçamental é a frente de ataque mais avançada contra os direitos sociais e as democracias na Europa. Este tratado apoiado por PS, PSD e CDS em Portugal é a garantia da continuação da austeridade e da destruição da economia e do país. Um limite ao défice estrutural de 0,5% como impõe o Tratado Orçamental significa na prática anular os direitos sociais previstos na Constituição da República. Referendar o Tratado Orçamental é devolver a palavra ao povo para se defender deste ataque. Esta luta para defender o país e pugnar por uma outra Europa é um caminho coletivo que percorremos em aliança com os movimentos sociais e dos trabalhadores, com os nossos parceiros do Partido da Esquerda Europeia, nomeadamente o Die Linke (Alemanha), a Frente de Esquerda (França), o SYRIZA (Grécia), a Esquerda Unida (Estado Espanhol), um caminho que se reencontrará também com muitos outros partidos e movimentos políticos que, com distintas visões sobre o futuro da Europa, unem a emancipação social à nacional, nomeadamente o Sinn Féin (Irlanda), o BNG (Galiza), a ANOVA (Galiza), o Euskal Herria Bildu (País Basco) etc. Continua válido o texto fundador do Bloco de Esquerda, que dizia: "a Europa em que Portugal tem interesse e vantagem em participar é a que sabe projectar o melhor da sua História no futuro. É uma Europa capaz de valorizar todas as identidades, das nacionais às de classe, das migrantes ao multiculturalismo, e fazê-las convergir na defesa das suas conquistas civilizacionais e no combate à barbárie que a globalização espalha pelo planeta" (Começar de Novo, 1999). Ao qual podemos acrescentar, para a transformação das democracias europeias, algumas ideias do programa do Die Linke: "Uma questão crucial da mudança social continua a ser a questão da propriedade. Poder económico implica força política. E enquanto as decisões das grandes empresas forem guiadas pelos interesses de acionistas privados e não pelo interesse público, a política será sempre sujeita à chantagem e à erosão democrática. Uma sociedade democrática, social, pacífica, amiga do ambiente obriga à contenção e à eliminação do poder económico daqueles que prosperam sobre a pobreza, a exploração, a destruição da natureza, o armamento e as guerras" (Congresso de Erfurt, 21 a 23 de outubro de 2011). Bruno Góis publicado originalmente em Esquerda.net imagem: Cartaz do Bloco de Esquerda, 2007.
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