Nem mais um só soldado para as colónias! Versão para impressão
Segunda, 19 Maio 2014

Nem mais um só soldado para as colónias - Maria João BarbosaA minha ideia forte associada ao 25 de Abril resume-se em duas palavras: guerra colonial. E não apenas por esta se ter tornado o foco de todas as contradições do regime colonial-fascista, precipitando a sua queda. Também por motivações pessoais.

 

testemunho de Alberto Matos

Em 1961, ano do início da guerra e da queda do "Estado português da Índia", ecoavam cânticos como "Angola é nossa!" no pátio da escola primária de Manteigas. E não é impunemente que se passam sete anos no Colégio Militar, onde era suposto formar desde a adolescência os quadros da Academia e das Forças Armadas, o braço armado do regime.

Em 1962, no 1.º Ano deste "liceu" castrense, a mais de 300 quilómetros de casa e da família, ouvi estórias de alunos do 6.º e do 7.º Anos – "os graduados" que, aos 15 ou 16 anos, se tinham oferecido para combater em Angola. Felizmente, não lhes deram ouvidos...

Em 1969, no meu curso de 50 finalistas só um seguiu para a Academia – no caso da Marinha, a Escola Naval do Alfeite. A crueza dos números ilustra por si só a "desmoralização das fileiras". Pelo meio vimos e ouvimos, mesmo por meias palavras, oficiais que iam à guerra e não voltavam ou vinham amputados ou traumatizados; e os ecos da Sierra Maestra, do Maio 68, da Primavera de Praga, do Vietname...

Nos cursos próximos o panorama era semelhante. Muitos anos depois, em jeito de brincadeira, apetece-me dizer: com quadros como eu, o Zé Fanha, o "Bolche", o Miguel Pinto, o Heitor Sousa e outros, esta guerra estava irremediavelmente condenada! No mínimo, todos ganhávamos a convicção de que "a tropa não interessa nem ao menino Jesus"...

E se o Colégio falhara a missão de formar quadros para as FFAA, em todo o país os dedos de uma mão sobravam para contar o número de candidatos ao ingresso na Academia Militar, apesar de o "pré" mensal, com tudo incluído, ter aumentado de 400 para 4000$00 – uma pequena fortuna, o primeiro salário mínimo após o 25 de Abril de 1974 foi de 3300$00...

Em desespero de causa, o governo de Marcelo Caetano publicou o célebre Decreto 353/73, de 3 de Junho, fixando as condições para a passagem dos oficiais do Quadro Especial (milicianos) aos Quadros Permanentes das diversas armas. Pretendia colmatar a falta de renovação destes quadros e o crescente esforço de guerra, "custe o que custar".

Link: http://expresso.sapo.pt/o-decreto-que-esteve-na-origem-do-25-de-abril=f387957#ixzz2yyRFka30

Foi a gota de água para o movimento dos capitães do quadro que se sentiam "ultrapassados pelos milicianos", em defesa do "prestígio do Exército Português", como transparece dos seus comunicados. E acabou por colocar na ordem do dia o derrube do regime fascista, única forma de pôr fim à guerra colonial.

A distância reforça a convicção de que este foi também o nó górdio das minhas opções políticas e ideológicas. Comunista, jamais poderia ter aderido a um PCP que, em nome da unidade com a burguesia democrática, não assumia com clareza a independência imediata das colónias. Ainda hoje tenho nos ouvidos, palavra por palavra, as declarações de Álvaro Cunhal à chegada à Portela, a caminho da Cova da Moura, para se encontrar com Spínola e a Junta de Salvação Nacional – link https://www.youtube.com/watch?v=WEjPrJErDXc

Naturalmente, soou-me como música para os ouvidos o texto de Francisco Martins Rodrigues "Os comunistas e a questão colonial – combater o chauvinismo imperialista", publicado no "Revolução Popular" n.º 6 – link http://casacomum.net/cc/visualizador?pasta=06781.006#!

Os conturbados 580 dias do PREC (ver páginas x-x) puseram à prova todas as nossas convicções políticas e ideológicas, fortalecendo-as e libertando a ganga do esquematismo livresco e sectário.

Cometemos erros infantis, mas acertámos "na mouche" com a palavra de ordem NEM MAIS – UM SÓ – SOLDADO P'RÀS COLÓNIAS! Ganhou asas no 1.º de Maio de 1974, ecoou nas ruas e quartéis, na recusa de embarques, na confraternização entre soldados e guerrilheiros e até na entrega das armas aos movimentos de libertação.

Às aventesmas que ainda hoje repetem que "a guerra estava praticamente ganha" ou "só estava perdida na Guiné", convém recordar: a derrota (política e também militar) está iminente quando um exército se recusa a combater. Os soldados e muitos quadros intermédios aprenderam na carne que NÃO PODE SER LIVRE UM POVO QUE OPRIME OUTROS POVOS!

Sofremos derrotas pesadas, a partir de 25 de Novembro de 1975, que ainda estamos a pagar. Mas ninguém nos tira a vitória decisiva: o fim do império colonial. A burguesia não podia mais dominar como antes e o povo já não aceitava a velha ordem fascista. O 25 de Abril foi a faísca e a crise geral serviu de pasto à revolução cuja memória, mesmo derrotada, ainda hoje faz tremer os poderosos.

Terminado o ciclo do Império – ver CHAIMITE, publicado no 25.º aniversário do 25 de Abril – a burguesia portuguesa atrelou-se de pés e mãos à Europa da finança, arrastando o país para uma condição próxima de semicolónia. O austeritarismo induz décadas de regressão social e reproduz formas de dominação conservadora que comprometem a própria democracia.

A história não se repete nem chegou ao fim: 40 anos depois, está tudo em aberto. E os seus nós serão desatados com novas formas de insubmissão. De revolução, pois claro!

Alberto MatosA Comuna nr. 31 (Maio 2014) 23-24.

edição Especial 40 Anos do 25 de Abril.

ilustração: Maria João Barbosa/LunaKirscheIllustration para A Comuna 

 

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