O perigo social da inveja Versão para impressão
Domingo, 02 Agosto 2009

Manuela Ferreira Leite prometeu para meados de Agosto, se não for para o fim das férias, o programa do PSD.

Programa minimal, assegura, para não prometer o que não pode cumprir. Esta peregrina inovação, na apresentação de programas de partidos a eleições legislativas, tem o toque mágico de Pacheco Pereira.

Artigo de Mário Tomé

O PSD só poderá seriamente demarcar-se do PS sublinhando a ideologia que já os une mas o PS não pode assumir, muito menos em pleno colapso do neoliberalismo e com a esquerda a crescer.

É evidente a dificuldade de o PSD ir a votos contra o PS não conseguindo encontrar sequer uma forma alternativa de apresentar as mesmas políticas globais e sectoriais para as questões de fundo que vão mobilizar os eleitores em 27 de Setembro: desemprego, saúde, educação, segurança social, economia.

Eureka! Exclamou então Pacheco Pereira do alto da Marmeleira. Vamos avançar com um programa minimal. Esperamos pelo do PS para depois podermos ajustar a forma de acordo com a necessidade de mostrar que nunca baixamos os braços nem mesmo quando precisamos de nos coçar.

O programa minimal será a garantia de que queremos governar sem programa de governo, porque os  programas de governo só servem para enganar. Temos grandes linhas, enormes mesmo, como a de que nunca enganaremos ninguém.

Um programa minimal permitirá  responder a cada oscilação das enganadoras sondagens, a cada mudança de humor de um eleitorado volúvel, lançando as bases ideológicas do programa futuro (o mesmo do passado ainda não passado)  com propaganda adequada, fieis ao rumo traçado para a governança pelos grandes senhores da finança.

Os caprichos violentos da crise dar-nos-ão argumentos para lembrarmos a necessidade de sacrifícios e brandirmos o espírito cívico e de cidadania.

Com esta crise só o Bloco de Esquerda, no irrealismo e demagogia (como diz José Sócrates) de quem sabe que não será confrontado com a responsabilidade de governar, é que se pode arriscar a traçar um programa de combate radical à crise. Se fosse para governar a sério poria em fuga os Jardins Gonçalves, os Oliveira e Costa, Amorins, Belmiros, Jorges Coelhos, Dias Loureiros e Varas, todos aqueles que têm contribuído para a governabilidade da Pátria.

E desenganem-se os crédulos. Toda a ideologia do Bloco de Esquerda tem como base e sustentação a inveja social, essa chaga que se aproveita da hipocrisia dos ricos que não sabem assumir a sua condição, parece até que têm  vergonha de proclamar a sua riqueza e reivindicar a sua legitimidade. Veja-se ainda há pouco Jardim Gonçalves a defender que os vencimentos dos administradores e executivos não deviam ser publicitados. E há anos, nos tempos frouxos de Guterres a concorrer  ao Plano Mateus, quando o BCP teve, no mesmo ano, 6 milhões de contos de lucros. Só para ser confundido com uma PME! Vergonha! Hipocrisia. Quem não deve não teme!

Mesmo os que falharam e estão a atravessar maus momentos construiram carreiras de êxito que um golpe de má sorte atirou por água abaixo.Até esses hão-de levantar cabeça porque, ao contrário dos que provocaram a crise - os milhares e milhares que se endividaram sabendo que não tinham capacidade para pagar - conseguiram amealhar muitos milhões que lhes irão permitir, passada a desgraça que sobre eles se abateu, de novo surgirem em todo o seu esplendor de homens capazes de investir e correr riscos. A cepa de que são feitos é uma promessa. Os offshores intocáveis uma garantia. E o governo, nosso ou do PS, uma protecção.

De facto, Pacheco Pereira há  já bastantes anos que defende a transparência na relação com o dinheiro que, em citação sua de Aristóteles, é a fonte da liberdade. Embora no caso Madoff não tenha sido bem assim, pelo menos desde que apanhou 150 anos de prisão.

Já Sófocles, um século antes de Aristóteles, mostrando a superioridade da arte sobre a filosofia, assegurava na sua inultrapassável Antígona:«Nada suscita tanta ignomínia como o ouro. É capaz de arruinar cidades, de expulsar homens do seus lares, seduz e deturpa o espírito nobre dos justos levando-os a acções abomináveis.»

Mas Pacheco Pereira, mais filósofo que artista, seguido de muito perto por Bagão Félix que ainda há dias alertava, no programa  da RTP «Antes pelo Contrário», contra essa chaga da inveja social, tira todas as consequências da lição de Aristóteles : «o capitalismo é o regime económico da democracia e a inveja, o mais poderoso sentimento capaz de socialização, impulsionou muitas das convulsões sociais dos últimos séculos, e os estragos que fez foram enormes», (DN;26/8/93).

Não será difícil vislumbrar aqui a inspiração para a recente escorregadela de Manuela Ferreira Leite na estrebuchante doutrina neoliberal. Os ricos são necessários para que haja emprego.Se eles não comprarem os iates e não derem muitas festas, muitas pessoas perderão os seus postos de trabalho. Portanto não devemos obrigá-los a pagar mais impostos mas sim taxar como  deve ser os produtos que eles compram. Deixá-los escolher entre comprar o iate altamente taxado – quase  tanto como o automóvel que «todos» usamos - ou aforrar dando assim um bom exemplo numa sociedade de gastadores acima das suas posses. 

A perseguição aos  ricos de que Manuela acusa as medidas anunciadas por Sócrates mereceram ao Director do Jornal Económico, Pedro Santos Guerreiro, a seguinte reflexão: « Os verdadeiros ricos [que não vêem tributados os dividendos e as mais valias] nem ganham 64 mil euros nem estão na bancarrota bancária. Esses não estão nada preocupados com 42% de IRS [que levam Manuela Ferreira Leite a saltar corajosa e, pelos vistos, inutilmente em sua defesa]. A taxa que os preocupa é outra e até é menor: 25%. É quanto o Bloco de Esquerda e o PCP podem ter nas legislativas.»

Agora, no declínio e na crise, e com Manuela Ferreira Leite como único emplastro do PSD capaz de falar de seriedade e de verdade  ainda sem pôr a malta toda a rir, Pacheco Pereira segreda-lhe a táctica da generosidade  social num discurso semicúpio e abstracto e, em desespero de causa na oposição ao PS, empurra-a para reafirmação das bases ideológicas do neoliberalismo em colapso. Conta  com a ressonância assegurada pela trupe dos  propagandistas enquistados nas instituições e nos media,  desorientados com a perspectivas de mudanças mais sérias que o rotativismo do sistema a que chamam governabilidade, mesmo que só tenha servido para se governarem os do costume e os lambe-botas que gostam de apanhar migalhas.

Nada melhor, portanto, que um  «programa minimal» que não denuncie a integridade sustentada do bloco central, e permita ir a eleições sem compromisso!...

A questão fundamental mantém-se desde há quatro anos mesmo apesar do grande desgaste do governo PS: o melhor executor do programa do grande capital é José Sócrates e mais ainda neste tempo de crise. Aos titubeios  do PSD não há  Manuela Ferreira Leite que valha nem Pacheco Pereira que disfarce.

E vai ficando cada vez mais claro para cada vez mais «invejosos»  que  o país do PS e do PSD é o da crise,  que a crise desencadeada pelas mafias financeiras e gerida pelos fantoches do Bloco Central tem de ser atacada por um programa com o realismo, a coragem, o radicalismo e a responsabilidade necessários  para tornar este país governável: o programa do BE.
 

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