«Munta fixes» |
Domingo, 05 Julho 2009 | |||
E, de repente, aí os temos todos, chapinhando no lodaçal do centrão, a clamarem contra os perigos da ingovernabilidade. A ingovernabilidade que seria causada pelo voto na esquerda e pela falta da maioria absoluta mais das alternâncias de trinta e cinco anos, que nos conduziram a este crime global que estão prontos a escamotear e repetir, premiando os criminosos, perpetuando o sistema erigido sobre os destroços de milhões de vidas.
Artigo de Mário Tomé «Munta fixes»
Nestes 35 anos do 25 de Abril, apareceram vários livros* que ajudam a melhor conhecer e entender uma época que marcou duramente a vida de Portugal e traçam um vívido retrato do acto que lhe pôs fim e que marcou a revolução portuguesa com as suas contradições e vicissitudes e, por sua vez, do seu fim às mãos dos pais da democracia. São esses pais que, no PS de Soares até Sócrates, não foram capazes, com a sua pusilanimidade, de acompanhar a luta e exigências populares, estas, de facto, no cerne da fundação da democracia; assim traíram a sua própria social-democracia, ou socialismo democrático, à escolha, antes mesmo de meterem o socialismo na gaveta. Ou aqueles que asseguraram a transição na continuidade do marcelismo como o PSD dos dois Carneiros e o de Cavaco e de Manuela. Em plena crise dupla, a nossa, estrutural, que nunca souberam resolver, e a outra, sistémica e global, acusam os que «abusaram» do sistema e escondem a sua responsabilidade no que a crise veio ostensivamente pôr na praça pública. O sistema é a própria roubalheira, os pilares da comunidade são os ladrões; o Estado de direito rende-se à rede mafiosa e, oh toque sublime!, verga-se em respeitosa reverência ao critério supremo da democracia, a liberdade absoluta do mercado (vide Cavaco Silva primeiro-ministro e Ferreira Leite sua ministra, assessorados pelos corifeus debitadores de lições de democracia, de boa gestão de recursos, de apelos à contenção dos pobres e à unidade nacional para resolver a crise) mais ao alterne da «terceira via» para quem a exigência do pleno emprego é uma espécie de totalitarismo. Pondo o acento na regulação do roubo institucionalizado maxime através dos paraísos fiscais, cumpliciam-se com a subtracção às finanças públicas de quantias suficientes para resolver a crise como ela tem de ser resolvida: através do fortalecimento e generalização do serviço público como eixo da política e garantia das prestações sociais e da política de pleno emprego. E, de repente, aí os temos todos, chapinhando no lodaçal do centrão, a clamarem contra os perigos da ingovernabilidade. A ingovernabilidade que seria causada pelo voto na esquerda e pela falta da maioria absoluta mais das alternâncias de trinta e cinco anos, que nos conduziram a este crime global que estão prontos a escamotear e repetir, premiando os criminosos, perpetuando o sistema erigido sobre os destroços de milhões de vidas. Os pais, munta fixes, sofrem de uma indisfarçada debilidade estrutural: desconfiam da democracia que fundaram e temem o próprio povo em nome do qual se instalaram na galeria das figuras muitíssimo respeitáveis. Em protesto veemente, não duvidemos, ajudam assim ao fortalecimento do neo-fascismo nesta Europa do século XXI, onde ministras italianas já fazem, plenas de garbo, no fim do hino nacional, a saudação de Hitler.. É por isso que o 25 de Abril teima em ser esse «dia inicial, inteiro e limpo» e é importante ler os livros que, saídos de mãos e cabeças que se foram libertando, estão aí para sabermos mais e interpretarmos melhor.
*Entre vários outros: «Os anos da Guerra Colonial», Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes. Correio da Manhã «Do interior de Revolução», Vasco Lourenço. Âncora «O meu Avô Africano», Aniceto Afonso. Casa das Letras «Rostos de Abril, 35 anos depois», (com textos de Eduardo Lourenço e Mário Soares),Veríssimo Dias. Edição do Autor «À espera do Godinho», Amadeu Lopes Sabino, Jorge de Oliveira e Sousa, Jos]e Morais, Manuel Paiva. Bizâncio NR: artigo publicado inicialmente na edição de Julho de 2009 da Revista «Os Meus Livros»
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