Tanta energia desperdiçada! |
Segunda, 06 Julho 2009 | |||
Um cientista contou que um seu relatório foi corrigido à mão pelo presidente do Conselho de Qualidade Ambiental dos EUA, lobista da indústria petrolífera, que riscou a frase: “A produção de energia contribui para o aquecimento global”. Um parágrafo sobre o degelo do Árctico foi cortado por alegada “especulação alarmista”.
Artigo de Carlos Vieira e Castro
TANTA ENERGIA DESPERDIÇADA!
Como é sabido, o petróleo tem os anos contados. Há 40 anos pensava-se que o petróleo só chegaria até ao ano 2000; no entanto, hoje, graças ao emprego de novas tecnologias de extracção e a redução dos custos de exploração (o que permitiu rentabilizar jazidas como as do Mar do Norte) o prazo foi dilatado para mais 40 anos. A previsão (da BP) de duração de reservas do gás natural é de 62 anos e a de carvão é de 216 anos. Segundo a Agência Internacional de Energia, órgão da OCDE, a produção mundial de petróleo começará a declinar entre 2020 e 2030, mas a Associação para o Estudo dos Picos de Produção de Petróleo e Gás Natural atira esse ponto de viragem já para o próximo ano, 2010. Seja como for, ainda que surjam novas jazidas, a reposição só será possível dentro de milhões de anos. Problema ainda maior é que a combustão destas matérias fósseis está a provocar o aquecimento do planeta e a biosfera não aguenta por muito mais tempo esta alteração do ciclo do carbono, como já é visível no degelo dos pólos, nas inundações e secas, na desregulação climática, na redução das colheitas e no aumento de doenças provocadas pela poluição. Jim Hansen, o maior especialista da NASA sobre aquecimento global queixou-se, no programa “60 minutos” da CBS, há pouco mais de um ano, de ter sido censurado pela Casa Branca de Bush, que não o autorizava a dar entrevistas livremente, sem ser supervisionadas pela NASA (como aconteceu naquele programa), por defender que só temos 10 anos para impedir que as alterações climáticas atinjam o ponto de não retorno. No mesmo programa um outro cientista contou que um seu relatório foi corrigido à mão pelo presidente do Conselho de Qualidade Ambiental dos EUA, lobista da indústria petrolífera, que riscou a frase: “A produção de energia contribui para o aquecimento global”. Um parágrafo sobre o degelo do Árctico foi cortado por alegada “especulação alarmista”. Há quem meta a cabeça na areia, como Bush & Cia, favorecendo negócios particulares, sem pejo de prejudicar o futuro da humanidade (não parece ser o caso de Obama) e quem procure alternativas para a sustentabilidade energética, como fez o governo da Suécia que em 2005 criou uma Comissão para a Independência do Petróleo. O primeiro objectivo é aumentar a eficiência energética em 20% até 2020. Como? Reduzindo o consumo de gasolina e gasóleo em 50% (100% daqui a 15 anos), substituindo-os por biocombustíveis (bioetanol) e agrocombustíveis com menos consequências negativas sociais e ambientais, a partir das madeiras das suas imensas florestas). Por outro lado, continuando a reduzir a utilização do petróleo no aquecimento dos edifícios de habitação e de comércio, que nos últimos 30 anos a Suécia já tinha reduzido em 70%, substituindo o fuelóleo pela biomassa. Entre as medidas de incentivo contam-se benefícios fiscais às famílias que trocarem o aquecimento por fuelóleo por caldeiras a lenha, ou isenção de taxas nos parques de estacionamento e nas portagens urbanas à entrada de Estocolmo para veículos híbridos (85% de etanol). O governo sueco pretende eliminar a electricidade de origem nuclear dentro de quarenta anos, substituindo-a por energias renováveis, sobretudo pelo biogás a partir dos resíduos orgânicos. Um outro bom exemplo é a Índia que tem o quarto maior parque eólico do mundo (a seguir à Alemanha, à Espanha e aos EUA) e cerca de 8% da sua produção eléctrica proveniente de energias renováveis, eólica, biomassa, solar (não contando com as centrais hidroeléctricas). Güssing, na Áustria, era há vinte anos atrás uma localidade desertificada e pobre. A aposta nas energias renováveis levou à criação de 50 novas empresas e mil postos de trabalho no Centro Europeu de Energias Renováveis de Güssing. Hoje é auto-suficiente a 100% em termos energéticos, produzindo 60% da energia da região proveniente de biodiesel, biogás e cogeração a gás natural (produção combinada de calor, frio e electricidade). Os agricultores organizaram-se numa cooperativa que recolhe ramos e desperdícios de madeira num raio de 10 a 50 km. A serradura gaseificada a altas temperaturas produz gás utilizado no aquecimento e como combustível. Em Portugal, Mortágua foi pioneira com a construção da primeira central de biomassa, com uma capacidade instalada de 9 MW. A biomassa que está na origem de 3% do consumo de electricidade contribui para a prevenção dos incêndios e para a gestão sustentada da floresta. No entanto, pode ser nefasta para a biodiversidade da floresta se a deixar exaurida de resíduos florestais, aconselhando-se a partilha da produção com os resíduos da indústria da madeira e da exploração florestal (aparas de madeira, casca de pinheiro e de eucalipto) e lixos orgânicos. Mas é na energia eólica que Portugal mais tem apostado. No ano passado 11% da electricidade consumida em Portugal provinha do aproveitamento da força do vento, o equivalente a duas centrais térmicas com a de Sines. Em Viana do Castelo já se fabricam torres, pás e geradores eléctricos, componentes dos parques eólicos que, por vezes agridem a paisagem ou a avifauna. “Não há bela sem senão”, mas há que ter em conta também o património natural e biológico. Já relativamente às outras energias renováveis o nosso país tem andado a passo de caracol. A energia das ondas e das marés, apesar dos 800 km de costa marítima continental, ainda está numa fase incipiente de exploração, embora o parque de ondas da Póvoa de Varzim tenha sido pioneiro a nível mundial. Portugal tem uma das melhores exposições solares do mundo e, no entanto, desperdiça esse potencial energético, apesar da recente obrigatoriedade de dotar as novas construções com painéis solares para aquecimento. Em 2008, só 0,07% do consumo nacional de electricidade era proveniente da energia solar. As grandes centrais solares fotovoltaicas de Serpa e de Moura são o orgulho dos nossos governantes, mas, na opinião de alguns especialistas, é preferível a produção descentralizada, junto dos consumidores, como acontece nos concelhos de Ourique e Castro Daire, onde existem sistemas de electrificação de aldeias a partir da energia fotovoltaica. Existem algumas ETARs e aterros (Frielas e S. João da Talha) onde se produz biogás através do processamento de resíduos e efluentes. Nos Açores há uma central geotérmica que produz 33% da electricidade da ilha de São Miguel. E é tudo, se descontarmos as mini-hídricas. A U.E. comprometeu-se atingir até 2020, 20% do consumo de energia a partir das energias renováveis e reduzir em 20% as emissões de gases de efeito de estufa, mas seria necessário 30% de redução para evitar aumentar em 2º C a temperatura média do planeta, o que seria catastrófico. Além de que coloca nas mãos das grandes empresas petrolíferas europeias o negócio das renováveis. Daí o insuficiente investimento europeu nas energias renováveis e na eficiência energética.
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