La vie en Rose |
Segunda, 25 Maio 2009 | |||
Nenhum acontecimento na vida de um sistema assume formas mais estrondosas do que uma crise. Dependendo da sua profundidade e da capacidade dos elementos que operam a resistência ao próprio sistema, uma crise pode erguer-se como uma força transformadora profunda, alterando os equilíbrios entre os actores e a natureza das suas relações. Texto de Joana Mortágua Ao ser posta em causa a arquitectura de todo o sistema, os seus gestores sabem que a readaptação da estrutura é a única forma de manter um nível mínimo de estabilidade que permita que os mecanismos que operam a integração dos elementos marginalizados continuem a funcionar, impedindo que o número de marginalizados seja superior ao que o próprio sistema considera aceitável para a sua sobrevivência. É com este simples esquema de análise política sistémica que os líderes europeus se deparam nos últimos tempos. Apesar de tentarem empurrar as responsabilidades da catástrofe para os ombros de uns quantos gestores financeiros imprudentes e gananciosos, eles sabem tão bem como nós quem deveria prestar contas perante os incontáveis despedimentos que elevam aos píncaros as taxas de desemprego nos países europeus, eles sabem perfeitamente a quem devem pedir explicações todos aqueles a quem a crise empurrou para a extrema pobreza. Sabem, mas negam-se a faze-lo. E quando o vírus atinge o sistema, preferem fazer reset e continuar como se não fosse nada com eles. Mas, afinal, quem é que nos meteu na crise? E porque é que não nos tira dela? Os governos sociais-democratas que estiveram à frente da Europa nas últimas décadas devem-nos uma resposta. Mais ou menos inclinados na retórica, mais ou menos mascarados de pretensos socialistas, os sociais liberais por terceiras ou outras vias trataram cristalizar nos tratados aquilo que nunca tiveram legitimidade para decidir, o caminho neoliberal da Europa. Os PSD's e os PS's europeus deparam-se desde cedo com a oposição inconciliável entre a Europa dos Povos e a Europa do Capital, e fizeram a sua escolha. No poder, o governo socialista português nunca desiludiu a imagem de bom aluno destas politicas liberais e contribuiu para a construção e difusão de um discurso que culpa um suposto mercado de trabalho pouco flexível pelo fraco crescimento económico europeu e aponta o desmantelamento do Estado Social, o fim dos serviços públicos, as privatizações e a precariedade como solução para todos os males de que padece a Europa do capital. Gozando da cumplicidade dos grandes de Bidelberg, Sócrates ditou o Código Bagão II, asfixiou as Universidades Públicas, atacou o Serviço Nacional de Saúde e percorreu o país para inaugurar call centres e celebrar a precariedade. Perante a indignação popular, ele respondeu com arrogância e autoritarismo. No entanto, e a despeito de todas as responsabilidades que lhes podem ser imputadas na crise social em que a Europa mergulha, o Partido Socialista Europeu pretende apresentar-se às próximas eleições como a alternativa necessária de esquerda. No esforço de evitar uma reestruturação profunda do sistema, os seus gestores liberais pretendem reformar o discurso e adoptar uma roupagem de esquerda que nos faça esquecer a quem devemos exigir explicações. Desmascarar este transvestismo politico descarado é também a missão da esquerda anti-capitalista europeia. É nossa obrigação lembrar todos os dias que quem nos meteu na crise não nos tira dela. É nossa obrigação mostrar como o PS que na oposição clama por mais emprego e mais Estado social é o mesmo PS que, no poder, aplica as politicas liberais da precariedade e das privatizações. A vida prova os nossos argumentos. Numa entrevista concedida a Mário Soares há poucas semanas, a recém eleita líder do Partido Socialista Francês Martine Aubry discursava eloquentemente sobre a necessidade de respostas socialistas actuais. Aubry falou da crise, das suas consequências, e não se absteve de maldizer a cartilha neoliberal e as sagradas escrituras do sistema financeiro mundial. Falou sobretudo dos efeitos desastrosos que as políticas de Sarcozy têm provocado em França, do aumento do desemprego, da precariedade e dos baixos salários que estrangulam os trabalhadores. E continuava, dizendo que o governo de Sarkozy se limitou a engordar os privilégios dos ricos mas foi incapaz de fazer um investimento sério nos sectores essenciais, que nunca conseguiu ter uma visão estratégica para o desenvolvimento do país. Já no final da entrevista, confrontada com a necessidade de comentar a política do seu homologo português, Aubry teceu longos elogios ao orçamento de Sócrates para a educação e à sua brilhante noção de estratégia nacional que aposta onde realmente faz falta. Que bonito que é um PS na oposição! Não nos deixemos enganar, perante a necessidade de formatar o sistema, os socialistas europeus limitam-se a fazer reset. A crise mostra-nos como não existe alternativa em la vie en rose.
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A Comuna 33 e 34
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