Diz-nos Mário Soares que, nesta crise, não é o capitalismo que está em causa e que o mercado é essencial para que haja liberdade. Argumenta Soares que a queda da URSS é a prova dessa "verdade" sobre o mercado. Argumento fraco, aquele que se baseia na tese do Fim da História. Acaso achará Soares que o capitalismo chinês tornou a China mais democrática? Ou acaso achará Soares que foi o mercado, após a queda do socialista Allende, que fez mais democrático o Chile de Pinochet?
Artigo de Joana Mortágua
Pobre da democracia que se deixa dominar pelo mercado. Ou não foi justamente a obsessão com o mercado que minou a Europa e destruiu a realidade e o sonho da Europa Social? Foram as escolhas do centrão europeu e mundial, devotos da ideologia do mercado, que nos conduziram em romaria para a crise. E o declínio da Europa enquanto economia e enquanto potência deve-se, contrariamente às afirmações de Mário Soares, à própria dinâmica do capitalismo global.
Parece que Mário Soares concorda connosco, os sociais-liberais, os liberais e os conservadores europeus, com ligeiríssimas ou insignificantes diferenças, conduziram a Europa num sentido único: da desregulação, flexibilização laboral, perda de direitos sociais, mercantilização e privatização dos serviços públicos e dos sectores
estratégicos.
A culpa não é de nenhuma fatalidade oculta nem da suposta falta de eficácia da Europa pré Tratado de Lisboa, o problema é que afinal o mercado não democratizou lá muito a Europa. A tirania monetarista do BCE foi criada intencionalmente para uma prática cega e sem preocupações ou conceito de desenvolvimento ou bem-estar social. O
monetarismo, subscrito pelos PS's da Europa como por todo o restante centrão europeu, é o outro nome da crise, do salve-se quem puder e do todos contra todos.
Podem hoje dizer que abandonaram a "Terceira Via". Que importa isso? A "Terceira Via" nunca existiu, foi apenas um matiz do neoliberalismo. E nada mudou nos PS's da Europa e, ao contrário do que diz Mário Soares, nada de fundamental irá mudar no grupo dos PS's europeus.
Mário Soares diz que o PS francês e o SPD se curaram da deriva neoliberal com a passagem pela oposição. A experiência europeia mostra bem a qualidade deste medicamento: esconde os sintomas mas não cura a doença. Os interesses (da grande finança e das grandes empresas) que colonizaram os PS's da Europa continuam instalados e são transversais ao centrão.
Dos mesmos males padece o PS português. Felizmente não temos de esperar por Mário Soares, Guterres ou D. Sebastião cor-de-rosa.
Há legitimidade no protesto da esquerda que está descontente com este governo. A responsabilidade de um partido de esquerda é reunir esse descontamento face às politicas liberais em torno de uma proposta verdadeiramente socialista.
O projecto europeísta de esquerda, socialista e anti-capitalista, com a sua proposta de refundação democrática e social da Europa, é o único que permite às europeias e aos europeus contribuir para mudar esta história e acabar com esta monotonia terrível de destruição global. E o resto são cantigas dos Soares da Europa, cantigas para a mesma dança obsessiva do mercado: de bolha em bolha, de crise em crise. Apenas é necessário que algo mude para que tudo fique na mesma. E o PS está a fazer a sua parte.
Artigo de Joana Mortágua
Este artigo foi escrito publicado no Esquerda.net como réplica a um
outro artigo de Mário Soares, "Novo Modelo de desenvolvimento:
precisa-se!" in Diário de Notícias, 06 de Abril de 2009, pag.51.
Decidimos publicá-lo novamente pois Mário Soares insiste, e bem, na
ideia de que "O que se fez foram mudanças cosméticas e não de fundo e
está agora a desenvolver-se gravemente uma segunda fase da crise, pelo
que é preciso modificar o modelo de desenvolvimento" (http://www.cmjornal.xl.pt/detalhe/noticias/ultima-hora/crise-mario-soares-diz-que-lideres-nao-estao-a-altura). Contudo o que tem para oferecer também não é novo, como já tinhamos visto.
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