O mais recente exemplo de que o capitalismo não tem resposta aos problemas sociais que esta crise trouxe aos povos da Europa está visível no tipo de ajuda que a União Europeia oferece à Grécia. Quando o grande flagelo do desemprego, da precariedade, do aumento das desigualdades sociais num país que, nesta altura, não conhece outra realidade que não a destruição que o próprio sistema pode ter no âmago da classe trabalhadora e do próprio sistema em si, a resposta da União Europeia é austeridade.
É cientificamente impossível acreditar num sistema liberal que reclama proteger o povo se essa própria organização económico-financeira não se salva a si mesma.
Conhecida a situação grega, a UE com a Alemanha à cabeça recusa-se a ajudar o povo grego na mesma medida que ajudou a financeirização, pois daí iria perder a sua austeridade dentro da Europa.
Essa solidariedade com a Grécia, que por acaso, integra a UE tal como a Alemanha, significava gastos grandes de mais para tentar salvar um povo que, economias fictícias e enganosas à parte, sabe o que é não encontrar qualquer saída possível nesta economia de mercado livre totalmente falhada.
Os acontecimentos que se têm sucedido no que toca à Grécia, ao seu défice, à sua situação de iminente insolvência e à resposta dos restantes países europeus mostram bem que qualquer ideia de solidariedade entre os países europeus ou entre países da zona euro não passam de uma miragem; que qualquer discurso do tão propalada modelo social europeu não passava disso mesmo: discurso. Apenas discurso.
Parece cada vez mais certo que, perante a crise que ainda persiste e alastra na economia, os mercados andam à procura de um bode expiatório, ou de alguém que sirva de exemplo. Como sempre em qualquer sistema arquitetado no liberalismo e na desregulação, são sempre os de baixo que levam com a factura para que os de cima se possam salvar.
Isto hoje é visível a dois níveis: na forma como a União Europeia trata a Grécia enquanto país; e na forma como a Europa, bancos centrais e outros organismos como o FMI, pressionam os Estados com maiores défices a avançar com medidas anti-sociais que fazem tombar a crise social sobre os mais pobres e desprotegidos.
É óbvio que as medidas levadas a cabo na Grécia, como em Portugal, não são caminhos únicos nem podem ser encaradas como fatalismos, mas não podemos ignorar a pressão feita pela UE e BCE na adopção de medidas de cortes no Estado Social, nas políticas de direitos laborais ou nas prestações sociais e empregos.
A forma como certos países – Alemanha à cabeça – se pronunciaram sobre a situação grega, colocou o país numa situação ainda mais difícil, provocando a subida de juros e tornando-o mais vulnerável aos ataques especulativos. A forma como se recusaram a intervir de imediato, admitindo apenas um empréstimo com intervenção do FMI ou a forma como se tem especulado sobre a sua'expulsão' da zona euro mostra bem que o projecto europeu não é baseado numa relação de estabilidade-solidariedade.
A obrigação de uma Europa solidária é intervir na ajuda às zonas periféricas, sempre mais vulnerávies às crises. O discurso, os actos e a forma como se deixa a Grécia à mercê das empresas de rating e da lógica especulativa é a forma mais eficaz de se levar a economia helénica a uma recessão económica fortíssima e não a uma recuperação e estabilização económica.
Apenas como um aparte, o facto de em plena crise os países viverem virados para aquilo que as empresas de rating assinalam tem tanto de contraditório como de ridículo. Na prática é permitir que o papel regulador passe a ser executado por empresas de rating. O ridículo da questão está no facto de terem sido – isto é apenas um exemplo – estas mesmas empresas a classificarem as obrigações hipotecárias surgidas do subprime como altamente seguras (AAA), incentivando mesmo a que se investissem neste tipo de produtos financeiros os fundos de pensões.
Mas voltando à Grécia e ao modelo social e solidário desta Europa em crise...
Parece que cada vez está mais provado que a solidariedade europeia não passa de uma frase feita de lapela. Vejamos onde está o tantas vezes aclamado projecto social europeu que pretendia ser alternativa de disputa económica e política aos EUA:
Perante a crise que abala a Grécia (e que sacrifica as mulheres e os homens mais vulneráveis, como os pensionistas, os reformados, os trabalhadores – em especial os baixo-assalariados -, os desempregados...), quais são as exigências da UE e do BCE? Impôr medidas de austeridade. Que recaem sobre quem? Aqueles que já eram os mais vulneráveis à crise. Que metas são impostas? Reduzir o défice abaixo dos 3% em 2012. isto num país com cerca de 13% de défice. Quais são as medidas recomendadas para atingir estas metas? Cortes nas pensões, nos salários e no Estado social, conjugado com um aumento de impostos, em especial o IVA, um imposto cego e que prejudica em especial aqueles que já têm um menor poder de compra.
Em Portugal conhecemos bem o nome destas imposições: PEC. E sabemos quem é que estas políticas afectam no essencial e como são uma machadada a qualquer sociedade minimamente redistributiva.
Estas medidas mostram bem que do projecto da Terceira Via morreu o social e só ficou o liberalismo. É este o projecto europeu que tantos governos pseudo-socialistas apoiaram. Um projecto que safa a burguesia e castiga o proletariado, distribuindo as consequências de uma crise do liberalismo sobre todos os trabalhadores.
A Terceira Via tentava doutrinar o mundo na ideia de que hoje, a sociedade em que vivemos, é pós-matrialista. Pois bastou agudizar-se a crise e a objectividade materialista para este projecto ruir de podre e de inépcia, mostrando que o chamado social-liberalismo, na sua cartilha, só tinha respostas liberalizantes...
Artigo de Luís Monteiro e Moisés Ferreira
Este artigo foi inicialmente escrito e publicado na Tribuna 2 da 5ª Conferência Nacional da UDP, realizada a 8 de Maio de 2010
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