A Luta pelo Socialismo e a crise global Versão para impressão
Segunda, 10 Maio 2010

Nos últimos 3 anos, o sistema capitalista foi assolado por uma tremenda crise económica, a primeira global e a maior desde a crise de 1929. A crise significou a derrota ideológica do neoliberalismo, mas o capitalismo actual não tem outra política que não seja um neoliberalismo ainda mais agressivo.

Desta crise está a emergir um mundo mais instável, em que a ameaça à sobrevivência humana está mais próxima e o neoliberalismo é o capitalismo real. A globalização tem vindo a agravar a exploração capitalista no mundo e as desigualdades sociais, mas trouxe também alterações ao sistema produtivo mundial e à divisão internacional do trabalho.

As “fábricas do mundo” encontram-se actualmente na Ásia, mas com elas desvia-se também o centro do comércio e da produção mundiais. Da crise económica mundial emerge a polaridade asiática e do Oceano Pacífico. A China afirma-se como segundo maior produtor mundial e primeiro exportador.

O imperialismo global é o sistema dominante actual, mas sai reconfigurado da crise económica mundial: A China emerge como segunda potência do mundo, a União Europeia atravessa profunda crise e torna-se um elo fraco do sistema imperialista actual.

As alterações no sistema dominante tenderão a provocar igualmente mudanças na luta de classes. As lutas dos trabalhadores asiáticos poderão assumir maior relevo. Na União Europeia o confronto de programas e de classes tenderá a ser mais agudo, aos marxistas europeus colocam-se novos desafios.

O centro da luta actual é o combate às consequências da crise, que o capitalismo globalizado procura lançar ainda mais drasticamente sobre os trabalhadores. Aos marxistas cabe a tarefa de propor alternativas políticas no enfrentamento das consequências da crise global.

 

1. Crise prolongada, instabilidade agravada

1.1 A crise pôs a nu a falência do sistema capitalista, na sua fase actual, e do neoliberalismo como ideologia. Por ora, a fase de queda vertiginosa está ultrapassada, mas a crise e as suas consequências não foram superadas, em particular para as massas trabalhadoras.

1.2 Apesar de global, a crise não foi uniforme em todo o mundo. Significou um recuo na produção e nas trocas mundiais e foi particularmente devastadora nos Estados Unidos e na Europa. Mas, em diversos países, ditos emergentes, manifestou-se apenas por uma redução das taxas de crescimento. Foi o que aconteceu no Brasil e em parte da América Latina, na Índia e em parte da Ásia e, sobretudo, na China.

1.3 Ao contrário da crise de 1929, ela foi enfrentada mais rápida e drasticamente pelos Estados capitalistas. Também em contradição com os anos 30, as potências capitalistas responderam com colaboração entre si e não com um exacerbar desmesurado dos seus antagonismos. Não assistimos, por ora, à emergência de um novo proteccionismo agressivo e a colaboração entre Estados, organismos internacionais e bancos centrais foi decisiva para responder à grande crise financeira. O entendimento entre os Estados Unidos e a China foi o factor decisivo para superar a fase de queda vertiginosa. A diferente resposta dada pelos Estados capitalistas traduz a existência do imperialismo global, uma situação de fundo diferente da terceira década do século XX.

1.4 Os Estados capitalistas, com os EUA à cabeça, intervieram activamente na economia, numa reacção pragmática, em aberta contradição com a teoria neoliberal que proclamam. Sobretudo, concederam empréstimos e doações aos bancos e ao sistema financeiro, assim como a algumas grandes empresas, nomeadamente da indústria automóvel. Mas intervieram também com pacotes favorecendo o crescimento da procura, minorando os efeitos imediatos da crise sobre os milhões de pessoas duramente afectadas.

1.5 A China lançou um plano de apoio ao desenvolvimento do mercado interno, que foi decisivo para que a economia chinesa continuasse a crescer e não entrasse em queda profunda. O mesmo parece ter acontecido noutros países emergentes. Estas medidas impediram, pelo menos para já, que a economia mundial tenha entrado numa profunda depressão global.

1.6 Também ao contrário do que aconteceu nos anos 30 do século XX, não se tem assistido a revoltas de massas e profundas crises de regime. Multiplicaram-se os protestos e as greves, nalguns países existiram ocupações de empresas, mas muito longe de qualquer clima insurreccional. Havendo polarizações políticas à esquerda e à direita, não existe no entanto semelhança com o ascenso do fascismo e das revoltas populares, que se verificou nos anos 30. A nível mundial os povos aspiram e lutam por mais democracia.

1.7 A resposta limitada das massas à crise deve-se sobretudo a razões que têm de ser entendidas, em grande medida, como objectivas. A nível mundial, os anos 80 e 90, sobretudo com o desmoronar dos regimes do socialismo real, estabeleceram um quadro vitorioso para o imperialismo global, em que o capitalismo aparecia às massas como a única alternativa para o mundo e com capacidade de se renovar. A crise veio minar a credibilidade de importantes pressupostos do neoliberalismo, constituindo uma derrota ideológica. Mas política e economicamente o imperialismo é dominante e ideologicamente as forças de esquerda e revolucionárias enfrentam ainda o peso da derrota anterior.

1.8 Na crise económica, os Estados tomaram medidas para minorar as consequências da crise sobre quem trabalha. Tomaram sobretudo medidas assistencialistas e temporárias, havendo muito poucas medidas de desenvolvimento do Estado social e quase nenhumas conquistas sociais, que fiquem para o futuro. Além das medidas tomadas pelos Estados, a limitada resposta à crise por parte dos 'de baixo' deve-se também à sua situação objectiva, nomeadamente a dois factores: o profundo endividamento, nomeadamente nos Estados Unidos e na Europa, e a crise do trabalho (precariedade, trabalho temporário, etc). Os atrasos no factor subjectivo, na organização social e política dos trabalhadores, derivam não só de limitações e orientações erradas dos activistas, mas também de situações objectivas novas e bem mais complexas.

1.9 A intervenção dos Estados capitalistas traduz uma profunda derrota ideológica do neoliberalismo, mas não significou qualquer ruptura com as políticas neoliberais. Em vez de regulação o que se assistiu foi a coordenação temporária, nomeadamente através dos bancos centrais. As medidas tomadas não significam qualquer regresso ao keynesianismo, nem existem medidas de desenvolvimento do Estado social. E assim que surgiram sinais de ultrapassagem da fase de queda, as orientações voltaram a ser as anteriores.

1.10 A crise não está superada. Dela ficaram problemas de fundo agravados: grandes défices orçamentais dos Estados; brutal endividamento das pessoas e das empresas; queda da taxa de lucro; convulsão no sistema monetário; e, sobretudo, um desemprego enorme nos EUA e na Europa. Ficou também uma nova arrumação das potências capitalistas.

1.11 O retorno às velhas receitas neoliberais tenderá, pois, a ser ainda mais incisiva e brutal, como já se tem verificado nalguns países. Cortes nos rendimentos de quem trabalha e ataques ao Estado social estarão de novo no centro das medidas neoliberais, acompanhadas de um desemprego prolongado. Todas estas medidas, para além de representarem um ataque aos povos, tenderão a ter um impacto económico recessivo, prolongando a crise. A financiarização é o modo de funcionamento do capitalismo actual e o neoliberalismo a sua política e ideologia. Neste quadro, novas bolhas especulativas são possíveis e mesmo necessárias. A crise económica tende a ser uma crise prolongada.

1.12 À crise económica somam-se a crise energética, a crise ambiental e a crise alimentar. No seu conjunto, representam uma crise estrutural do modo de produção. A crise ambiental, com o seu dramático desenvolvimento nas alterações climáticas, e a crise energética representam o esgotamento e insustentabilidade do modelo de desenvolvimento. A globalização capitalista significa sobretudo a globalização do valor, da exploração e da apropriação das riquezas naturais, acarretando um agravamento exponencial das antigas contradições e um acrescento de novas contradições, que a prazo se tornam insustentáveis para a sobrevivência humana.

1.13 O traço mais marcante da situação económica e política mundial é uma profunda instabilidade, com os Estados e os poderes dominantes a gerirem os conflitos numa navegação à vista, guiada pela busca da realização capitalista e do máximo lucro.

1.14 Neste quadro, qualquer retorno ao keynesianismo e ao capitalismo regulado é impossível. Ao neoliberalismo só pode suceder o neoliberalismo, que é a política actual do capitalismo. A regulação civilizada do capitalismo não passa de uma vã ilusão, a reforma progressista do capitalismo global e das instituições internacionais é, no quadro actual, impossível.

 

2. Obama: Em busca de uma nova face para o império

2.1 A presidência de George W. Bush levou os Estados Unidos ao seu ponto mais baixo de sempre. O unilateralismo guerreiro imposto pelos neoconservadores gerou o oposto do que pretendiam: acelerou a decadência da potência hegemónica e provocou isolamento político mundial. Nessa governação, os EUA ganharam batalhas militares, mas não conseguiram impor um domínio incontestável. Os défices comercial e orçamental dos EUA agravaram-se, prolongando o declínio económico, ao ponto de se terem tornado nos maiores devedores em mercadorias e capitais. O consumo norte-americano é o motor da economia mundial, mas apenas é assegurado pelo endividamento. A potência hegemónica tornou-se no protótipo do império parasita, que depende do trabalho e da riqueza de outros países e regiões para manter o seu estatuto e domínio.

2.2 Obama representou assim a busca de uma nova face para o império, a procura de uma saída para a elite dominante, gerando simultaneamente uma expectativa de alguma mudança para os “de baixo”. E, como resposta política, teve bastante êxito: O presidente dos EUA foi eleito por uma maioria significativa. Internamente, gerou uma forte esperança no fim da política de guerra unilateral e na melhoria significativa nas condições de vida da maioria do povo norte-americano. Externamente em muitos países, nomeadamente na Europa, gerou uma expectativa de mudança na política dos EUA. Conseguiu mesmo atrair a simpatia de sectores moderados de esquerda, desejosos de uma humanização da globalização, e que viram em Obama o representante de uma esquerda norte-americana.

2.3 Um ano após a eleição do primeiro presidente negro dos EUA, a esperança deu lugar à frustração, cada vez mais global. Na política interna, não mudou nada de importante. Mesmo a tão divulgada reforma da saúde não significa a construção de um serviço público e vai manter milhões de pessoas sem cobertura de saúde.

2.4 O plano de apoio à economia ficou muito longe do prometido e assentou sobretudo no apoio ao sector financeiro. O desemprego continua a crescer, a perseguição ao sindicalismo mantém-se inalterável. Nem os negros viram um passo positivo deste presidente, arriscando-se a tornar-se na maior desilusão dos movimento cívicos norte-americanos.

2.5 Na política ambiental, em vez de aplicar medidas para enfrentar a “verdade inconveniente”, teve um papel chave em levar a zero a cimeira de Copenhaga, esforçou-se por travar as medidas mínimas e procurou fazer alianças para manter a desastrosa política de agravamento das alterações climáticas. A sua iniciativa inovadora na área ambiental foi, pelo contrário, lançar a construção de novas centrais nucleares, uma política que estava suspensa há quase 30 anos nos EUA.

2.6 Na política da guerra unilateral, aumentou o envolvimento na guerra do Afeganistão e intensificou-a, sem ter terminado com a intervenção no Iraque. Em ambas as guerras, continuam envolvidos grandes exércitos privados de mercenários, enquanto os EUA desenvolvem novos armamentos, como os mortíferos aviões não tripulados, comandados a partir de território norte-americano. Obama nem sequer conseguiu encerrar Guantánamo, como prometera, e ao receber o prémio Nobel da Paz fez um discurso a justificar e apelar à guerra no Afeganistão.

2.7 A presidência de Obama aumenta drasticamente o orçamento de guerra e pressiona cada vez mais os países europeus a aumentarem os seus contingentes no Afeganistão. Os EUA desencadearam mesmo uma campanha contra o “pacifismo” europeu. Na NATO, prosseguem o caminho de generalizar a intervenção do pacto militar em todo o mundo e procuram dar-lhe uma base mais fácil de actuação de acordo com os interesses de Washington, alterando a tomada de decisão para maioria em vez de unanimidade.

2.8 Na política internacional, procurou tomar a iniciativa, criar diferentes parcerias, substituindo o unilateralismo de Bush II por uma política de geometria variável, que procura comprometer os seus parceiros na política que interessa aos Estados Unidos.

2.9 A ilusão numa mudança a partir da eleição de Obama esqueceu o essencial: os Estados Unidos são o centro do imperialismo e o garante actual da sobrevivência do capitalismo. A sua política representa a busca da melhor política para que os EUA mantenham o papel hegemónico no sistema imperialista actual. Os EUA são uma potência agressiva belicista, mesmo em queda mantêm esse carácter, e poderão até aumentá-lo.

 

3. China e Ásia no centro

3.1 A crise fez também emergir novas potências. Ao longo de vários anos, alguns países têm estado a crescer economicamente a taxas muito mais elevadas que as potências imperialistas tradicionais. A crise atingiu muito mais duramente estas do que alguns dos chamados países emergentes. Este desenvolvimento desigual, que é normal no capitalismo, se prosseguido ao longo de anos leva ao surgimento de novas potências.

3.2 Dessas novas potências a mais importante é a China, que se tornou, em 2009, no país que mais exporta no mundo e no segundo que mais produz. A China tem uma população de 1.350 milhões de pessoas, é um Estado centralizado e uma forte potência militar. A sua economia continuou a crescer a elevados ritmos, apesar da crise. Os seus dirigentes dizem que provavelmente serão precisos três anos, para que a China volte a exportar tanto como em 2008. No entanto e apesar da queda, a China tornou-se o maior exportador mundial e prevê a continuação das altas taxas de crescimento.

3.3 Além da China, outros países cresceram e vêm assumindo um destacado papel económico e, por via disso, político. É o caso da Índia e do Brasil. Simultaneamente, a Rússia encerrou a fase de queda profunda, que se seguiu ao desaparecimento da ex-URSS, e tem vindo a procurar recuperar o seu papel no mundo, tendo também como base o facto de ser a segunda potência militar mundial e uma grande exportadora de armamento e de energia, em particular gás natural. No entanto, foi duramente atingida pela crise e não conseguiu ainda reconstituir a sua área de influência destruída pela crise de 90.

3.4 Algumas das potências emergentes eram até há pouco países colonizados e dependentes. A sua transformação em potências imperialistas é limitada por essa dependência, mas se desenvolverem uma burguesia autóctone, assente no seu país ou integrada numa área regional, poderão vir a ter um papel crescente na política mundial. Em qualquer caso, já não podem ser “esquecidas” pelas tradicionais potências dominantes.

3.5 A maior limitação destas potências deriva do modelo distorcido do seu capitalismo, essencialmente exportador, e como tal dependente do que vendem para os “países ricos”. O desenvolvimento do mercado interno será a condição decisiva para a sua afirmação como potências capitalistas.

3.6 O facto mais relevante é no entanto a crescente integração da economia chinesa com outras economias asiáticas, em três aspectos. Os chamados tigres asiáticos (Coreia do Sul, Singapura e Formosa – Taiwan) já exportam mais para a China, do que para os Estados Unidos, assistindo-se a que a exportação da China para os Estados Unidos tem uma componente cada vez maior de produção destes países. As relações comerciais económicas entre a China e o Japão têm também crescido significativamente, apesar das suas divergências políticas. Também neste caso, é o Japão que exporta cada vez mais para a China. Em terceiro lugar, a integração crescente da economia chinesa com a dos países da ASEAN, que engloba actualmente dez países e uma população total de quase 550 milhões de pessoas. A integração já não é só comercial, mas cada vez mais também monetária. Os empréstimos chineses para muitos destes países é cada vez mais em yuans e as suas moedas estão inevitavelmente atreladas ao yuan.

3.7 O desenvolvimento da economia chinesa, do Japão e dos chamados tigres asiáticos e o peso do seu comércio com os Estados Unidos deu lugar à mudança do centro das trocas mundiais do Atlântico para o Pacífico. E, se esta integração prosseguir, este centro asiático pode vir a tornar-se no pólo económico mais importante do mundo. Neste centro asiático, assim como na Índia, os salários são muito baixos e os serviços públicos muito limitados, ou até inexistentes.

 

4. Imperialismo global tem novo formato

4.1 A evolução da crise mundial mostrou, de novo, que o mundo não está mais na situação que Lénine analisou na primeira década do século XX e o imperialismo actual, sendo igualmente agressivo, tem características diferentes. Como a UDP assinala há uma década, vivemos actualmente numa fase de imperialismo global, composto por um conjunto de potências. Os Estados Unidos são o centro hegemónico dentro desse conjunto, mas não a única potência imperial. Esse imperialismo global é fruto da globalização dos capitais, da financiarização da economia e da emergência das transnacionais actuando mundialmente. O interesse desse imperialismo global predominou na actuação dos diferentes Estados perante a crise e levou a que a colaboração vigorasse por cima da concorrência.

4.2 Quando a UDP introduziu o conceito de imperialismo global, isso significava a chamada Tríade: Estados Unidos, União Europeia e Japão. O que a crise económica mundial trouxe de novo foi a emergência de novas potências, o imperialismo global é hoje muito mais do que a Tríade e o peso das diferentes potências alterou-se significativamente.

4.3 A China, que emergiu claramente como segunda potência mundial, e o pólo asiático que encima tendem a ter um papel crescente na economia mundial, com repercussão política inevitável. Naturalmente, o crescente papel da China fará surgir novas contradições entre ela e as outras potências, sobretudo os Estados Unidos. Porém, actualmente os interesses da China estão claramente articulados com os dos EUA: no fundo as duas potências dependem uma da outra e, como tal, acabam por actuar em conjunto, como aconteceu na resposta à crise ou na Cimeira de Copenhaga.

4.4 Os Estados Unidos são pequenos para sozinhos dominarem o mundo, com uma política unilateral. São a potência hegemónica do imperialismo global e apesar de em queda mantêm a hegemonia. A evolução da sua política traduz precisamente a busca da política adequada para manter o papel hegemónico. Por isso, os Estados Unidos desenvolveram, com a eleição de Obama e a dinamização do G20, uma política internacional de geometria variável, conforme as áreas e as temáticas. A actuação unilateral surge mais como iniciativa do que como política geral, dando um papel crescente a diferentes G (G2, G7, G8, G20...) para envolver e comprometer diferentes potências na defesa dos seus interesses e na sua governação do mundo, mas sem se amarrarem a nenhum formato, nem reconhecerem nenhuma parceria como igual.

4.5 Os Estados Unidos continuam a ser a potência hegemónica, porque detêm a supremacia militar, têm vantagem tecnológica, nomeadamente na informática e nas comunicações, continuam a ser a maior potência económica, apesar de estarem em queda, dominam na área financeira e monetária e comandam uma importante rede de organismos mundiais (FMI, Banco Mundial, etc). A estes factores, há que acrescentar a vantagem de serem um Estado único de democracia representativa, sem reivindicações autonómicas ou independentistas significativas, com um poder dominante consolidado, o que lhe dá alguma capacidade de renovação da elite sem rupturas.

4.6 A teoria de um império sem centro e com papel decrescente dos Estados, defendida por Negri e tão na moda no início do século, que já tinha falido na guerra do Iraque, mostrou agora na crise que não passa de uma invenção que nada tem a ver com a realidade do mundo actual. Foi o poder dominante, com o aplauso de toda a finança, que defendeu o intervencionismo dos Estados e a sua coordenação. Ficou provado o papel dos Estados e o seu peso. Os fundos financeiros, os bancos e as empresas transnacionais actuam globalmente, cruzam capitais e até podem variar de bandeira, mas o seu interesse comum é o que determina o imperialismo global e ganham conforme a potência e o Estado a que estão vinculados.

4.7 O partido detentor do poder na China continua a dizer que é comunista e que está a construir o socialismo. É um grave prejuízo para a causa do socialismo e do comunismo no mundo. A China é um Estado capitalista, em que os interesses dominantes são os da burguesia nacional estatal e privada. As desigualdades sociais na sociedade chinesa não cessam de crescer e o regime, onde o exército tem um papel chave, tem como primeira preocupação garantir uma classe operária dócil e superexplorada, para que o país continue a ser uma das fábricas do mundo. Internacionalmente, a China apoia ditaduras sanguinárias, como a de Myanmar, e o seu crescente papel internacional, como na África, nada tem a ver com ajuda desinteressada ao desenvolvimento, mas pelo contrário faz parte da sua expansão capitalista internacional em busca de mercados, matérias primas e áreas de influência.

4.8 A teoria internacional que defende que a China constrói o socialismo, em oposição ao imperialismo norte-americano, dá crédito ao poder chinês, dificulta a busca de respostas à esquerda e socialistas à situação mundial. Nesta crise, a China mostrou o seu papel na defesa do statu quo e na colaboração para a superação imperialista da crise.

4.9 Com o crescente papel da China no mundo, irá aumentar a visibilidade dos interesses que o poder chinês defende nas diferentes partes do globo, a sua interpenetração com outros capitais e a sua defesa da exploração capitalista. Simultaneamente, é previsível um aumento das disputas entre os poderes dos Estados Unidos e da China, que no Ocidente pode até incentivar correntes xenófobas anti-orientais. Para a UDP, o poder dos EUA e da China são cara e coroa da mesma moeda. A nossa solidariedade está com a/os trabalhadora/es e povos da China e da Ásia e com as suas lutas. A defesa do trabalho e dos serviços públicos em Portugal também depende das conquistas dos trabalhadores asiáticos, onde estão actualmente as fábricas do mundo.

4.10 Nos últimos anos, a América Latina teve importantes e positivas alterações políticas. As mudanças são o resultado das lutas sociais e do combate ao imperialismo americano. Nessa evolução política, acumularam forças diversas correntes: de esquerda, nacionalistas e também social-liberais. As conquistas sociais alcançadas e a construção de governos anti-imperialistas, nalguns países, são elementos importantes para a luta dos trabalhadores e dos povos a nível mundial, contra o imperialismo global e as políticas neoliberais.

 

5. União Europeia em crise

5.1 A União Europeia (UE) foi duramente atingida pela crise e o seu papel no mundo esteve longe do que as burguesias europeias têm pretendido em palavras. A UE funcionou para coordenar políticas, mas não actuou como um bloco único. As intervenção económicas verificaram-se a nível dos diferentes Estados nacionais e não a nível europeu. A crise tende a prolongar-se na região e está a atingir duramente diversos países, alguns em sério risco de falência. Os Estados desses países não encontram apoio na UE, sendo obrigados a constantemente recorrerem ao FMI.

5.2 O ataque às dívidas dos Estados provém, contraditoriamente, de dentro da própria UE, como está provado com o caso da Grécia, em que mais de 90% dos títulos da dívida são detidos por entidades (nomeadamente, fundos e bancos privados) europeias. Neste caso, as entidades norte-americanas detêm apenas 1% da dívida.

Esta situação pode mesmo levar a uma grande crise do euro, devido aos elevados défices orçamentais, à rígida política monetarista e à política estreita do BCE.

5.3 O envolvimento na NATO e na guerra do Afeganistão agudiza as contradições internas na UE, como claramente se viu na recente queda do governo holandês, dificulta as relações com o Médio Oriente e agudiza a conflitualidade com a Rússia e a Turquia.

5.4 A falta de união política é inevitavelmente um ponto fraco da UE, que o tratado de Lisboa consignou e aprofundou. A inexistência de união política agrava as contradições internas, em particular entre os Estados dominantes e os seus diferentes interesses.

5.5 A UE perdeu peso a nível mundial, como a cimeira de Copenhaga comprovou, e é hoje um ponto fraco do imperialismo global. O deslocamento da produção mundial para a Ásia e do comércio para o Pacífico retira centralidade à UE. As suas contradições internas dificultam uma resposta coordenada à crise. As tendências centrífugas ganham de novo força. A saída neoliberal tenderá a intensificar o ataque ao chamado modelo social europeu, com novos cortes nas despesas sociais públicas, mais privatizações e baixa dos rendimentos de quem trabalha.

5.6 Esta situação agrava a decadência do social-liberalismo. O modelo do partido socialista europeu e da internacional socialista era a UE: Uma UE caminhando para a união política, em aliança mas contra-balançando os EUA, com uma “economia social de mercado”, em que as parcerias público-privadas teriam um papel chave, e com um “modelo social” com serviços públicos em concorrência com o sector privado. Este modelo entrou em falência com as guerras do Iraque e do Afeganistão, mas a crise actual e a evolução da UE transforma-o num projecto completamente indiferenciado do das correntes de direita. A chamada “terceira via” é o neoliberalismo e as suas receitas as mesmas.

5.7 Este descalabro do social-liberalismo gera deslocamento à esquerda de sectores da social-democracia e abre caminho à construção de alianças mais amplas para o combate à política neoliberal e em defesa dos serviços públicos e da paz.

5.8 A evolução política da UE pode levar à radicalização à direita e à esquerda. Há espaço para o reforço dos populismos de extrema direita. Mas há também espaço para o reforço das forças à esquerda. Neste quadro, é essencial que as forças anti-capitalistas tenham claro que o neoliberalismo é o capitalismo actual, pelo que o combate a ele, a defesa de um programa de serviços públicos e pela paz é que abre caminho à luta socialista.

5.9 A destruição da pequena propriedade e a centralização do capital favorece o crescimento da extrema direita, que culpa os imigrantes e outros sectores mais pobres pela crise. A esquerda tem de se preocupar com os métodos correctos e necessários para combater essa política populista. Com base na nossa experiência, é preciso que a esquerda identifique causticamente os responsáveis da crise, a banca e o capital financeiro, e apresente políticas para os fazer pagar as consequências da crise.

5.10 Na esquerda europeia a aliança de forças de esquerda com os partidos social-liberais tem sido desastrosa, levando até ao quase desaparecimento eleitoral e político como aconteceu na Itália. Só há caminho para a luta pelo socialismo na oposição aos governos social-liberais.

5.11 Na esquerda europeia têm sido igualmente nefastos o sectarismo e a tendência para substituir a  luta política prolongada entre diferentes correntes, pela ruptura artificial e a criação de pequenos grupos que se tornam assim marginais na luta política. No quadro político actual, a esquerda socialista precisa de lutar sempre pela representação parlamentar, essencial para a sua existência e afirmação. A luta da esquerda europeia actual precisa de partidos com pluralismo político, integrando diferentes correntes e diferentes perspectivas, com base num programa comum.

5.12 Perante a crise da UE é preciso que a esquerda e os movimentos sociais encontrem formas de coordenação e espaços de actuação conjunta. A luta pelo socialismo na UE não passa pelas políticas assentes no soberanismo, mas exigem políticas de defesa de uma outra Europa, alternativa aos tratados e à construção neoliberal da UE. A aproximação e intervenção comum das esquerdas dos diferentes países da UE é vital para ajudar a esquerda a crescer e a encontrar políticas e reivindicações comuns para a Europa no seu conjunto.

 

6. Portugal em crise e a saída à esquerda

6.1 Portugal vive uma prolongada crise e é um elo fraco numa União Europeia, também ela em crise. A submissão dos governantes do país às políticas neoliberais agressivas, predominantes em Bruxelas e impostas pelas grandes potências europeias, traz consequências muito nefastas para os trabalhadores portugueses, agravando as desigualdades sociais e a pobreza. No centro da luta política está a resposta às consequências da crise.

6.2 O segundo governo Sócrates, minoritário no parlamento, tem vindo a governar nas questões essenciais em acordo com a direita. Foi assim no orçamento de Estado para 2010 e no Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC). A política que segue é totalmente contrária ao que prometeu nas eleições e é a submissão completa ao neoliberalismo mais agressivo.

6.3 O PEC é um ataque brutal aos trabalhadores, que prolongará o drama do desemprego: Congelamento salarial, que significa abaixamento real dos salários; cortes nas despesas sociais do combate à pobreza; aumento de impostos para quem trabalha; redução do orçamento dos serviços públicos; privatizações de bens públicos essenciais. Mas o PEC é também recessivo e levará a que o nível de vida dos trabalhadores portugueses fique ainda mais longe da média europeia.

6.4 A situação dos jovens é neste contexto particularmente dramática. Sem perspectivas de futuro e com as maiores taxas de desemprego e índices de precariedade, uma fatia substancial da juventude vê-se, uma vez mais na nossa história, forçada a emigrar. Hoje porém, ao contrário de outros períodos históricos, a emigração atinge muitos dos nossos quadros jovens mais qualificados debilitando assim seriamente o futuro desenvolvimento de Portugal.

6.5 A política do governo rompe com as promessas, até do social-liberalismo, e assume a política mais agressiva da direita. No combate político, o governo procura dividir diferentes camadas sociais, como o fez no passado com os professores e os funcionários públicos, e chega até a usar argumentos demagógicos e populistas caros à extrema direita.

6.6 Sem maioria parlamentar e com uma política que afecta a esmagadora maioria da população, o governo é frágil e a situação política instável. A direita não tem política alternativa à do governo e está obrigada a viabilizar as suas medidas essenciais, mas procura acumular forças no descontentamento popular com a governação.

6.7 O governo faz do Bloco de Esquerda o seu inimigo principal, não esquece que foi o Bloco que  lhe retirou a maioria absoluta e teme o combate com amplitude e alternativa política.

6.8 No centro da luta política está a crise e quem a paga. A política do governo, apoiada pela direita, visa descarregar as consequências da crise sobre quem trabalha, directamente ou por via dos cortes orçamentais aos serviços públicos. É uma política que serve a burguesia portuguesa que sempre viveu assente no apoio do Estado e nos baixos salários dos trabalhadores.

6.9 O Bloco de Esquerda tem proposto medidas e mostrado que há uma alternativa socialista à  crise. Uma alternativa que faz do combate ao desemprego uma batalha essencial, que ataca a entrega dos bens públicos aos privados, que tem como eixo a defesa dos serviços públicos e da paz.

6.10 A situação política instável e o agravamento ainda maior das condições de vida de quem trabalha tornam a luta mais complexa e difícil. Para alcançarem vitórias as lutas precisam de ser maiores, mais massivas e participadas. A crise tende a alargar a base social dos descontentes, incorporá-los na luta social e política é uma tarefa difícil, mas a mais necessária. Em particular, é necessário aumentar a mobilização das camadas mais jovens para a luta.

6.11 As eleições presidenciais vão ser muito importantes na luta política. Cavaco tem grande vantagem à partida e é apoiado fortemente pela direita e pelo grande capital. A candidatura de Manuel Alegre nasceu fora da direcção do PS e posiciona-se justamente na defesa dos serviços públicos. Sócrates procura adiar a decisão do PS sobre as presidenciais, enquanto tenta calar Alegre. Para o governo uma vitória de Cavaco Silva não é um problema, por isso a direcção do PS só apoiará Alegre se não puder ter outra posição. A maioria dos votantes do PS, sabe que Alegre representa a oposição à direita na presidência e é a única alternativa ao conservadorismo cavaquista. O Bloco de Esquerda apoia correctamente a candidatura de Manuel Alegre e os membros da UDP devem participar activamente nesse apoio.

6.12 Na luta contra contra as consequências da crise sobre os trabalhadores, a UDP militará activamente no Bloco de Esquerda, pelo reforço dos movimentos sociais e pela incorporação de mais pessoas e, sobretudo mais jovens, na luta. A revista A Comuna saiu regularmente no último ano e o site acomuna.net foi semanalmente actualizado. No próximo ano será possível tornar acomuna.net num site mais regularmente actualizado, contribuindo para a divulgação das posições políticas da UDP, do marxismo e para os debates necessários à sua renovação.

Lisboa, 8 de Maio de 2010

5ª Conferência Nacional da UDP

 

 

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