5 de Outubro e actualidade |
Quarta, 06 Outubro 2010 | |||
O 5 de Outubro de 1910 pôs fim ao regime monárquico e ao suposto “direito divino” da realeza que sustentava os privilégios da aristocracia e instaurou a Republica, regime político democrático cujos fundamentos assentam unicamente na soberania popular e no voto directo e secreto de cidadãos livres e iguais em direitos e deveres. A República estabeleceu também o princípio do Estado laico e a separação entre o Estado e a(s) igreja(s), como garante da liberdade religiosa ou anti-religiosa e da igualdade entre as diversas confissões. Apesar das limitações na prática do sufrágio universal – só votavam os alfabetizados, menos de 20% da população e os “chefes de família”, o que excluía as mulheres – o regime republicano representou um enorme avanço e uma abertura política na vida dum país com quase oito séculos. Como é próprio dos regimes democráticos, a República foi palco de intensa disputa política entre diferentes interesses e concepções opostas: associações patronais e sindicais, com destaque para os assalariados rurais do Alentejo; reacção monárquica contra os republicanos e, entre estes, uma crescente diferenciação entre esquerda e direita; concepções patriarcais contestadas pelas primeiras feministas que lutaram pelo direito de voto e de participação cívica das mulheres. A primeira República foi derrotada, a partir do golpe militar de 28 de Maio que deu início a 48 anos de ditadura fascista, fruto de contradições internas, das quais destaco: o divórcio com a base popular que garantira o seu triunfo em 1910 e até a repressão violenta sobre o movimento operário e sindical; a carestia de vida que causou enorme descontentamento, enquanto as elites se afogavam em escândalos de corrupção; e, sobretudo, a participação de Portugal na I Guerra Mundial, para garantir as colónias na futura partilha imperialista, à custa de enorme mortandade e de epidemias como o tifo. Da Guerra emergiu a ditadura de Sidónio Pais, predecessora do salazarismo e responsável pela feroz repressão que se abateu sobre o Vale de Santiago, após a Greve Geral de Novembro 1918. O quadro político hoje é totalmente diferente, mas tem pontos de contacto com as circunstâncias da queda da República: agravamento brutal das condições de vida do povo, em tempos de PEC e com o papão do FMI à porta, enquanto as elites que provocaram a crise se atolam em escândalos e fogem alegremente ao fisco na lavandaria dos offshores, incluindo o da Madeira. O bloco central dos interesses que há mais de 30 anos nos desgoverna, hoje é bicéfalo (PS/PSD), mas faz lembrar o “saco de gatos” do Partido Democrático que toda a gente detestava… mas ia ganhando as eleições e só saía do poder à força de golpes militares. Dir-me-ão que hoje não há tanta instabilidade política (45 governos em 16 anos de República) e que estamos na UE… Mas é perigoso ignorar os ventos de xenofobia que nos chegam de Itália e França, bem como os resultados da extrema-direita neonazi em diversos países europeus. Nos últimos anos da I República, houve tentativas de corrigir o défice social e de alargar a sua base de apoio popular, nomeadamente a criação do partido Republicano da Esquerda Democrática, em Abril de 1926 num Congresso presidido por Ezequiel do Soveral Rodrigues, presidente da Câmara (1918 a 1924) que introduziu em Beja o telefone, a electricidade e a água canalizada. A Esquerda Democrática, em aliança com o jovem Partido Comunista Português e com os anarco-sindicalistas, de forte influência em associações de classe como os sapateiros e os trabalhadores rurais, chegou a ganhar eleições em Vale de Vargo. Estas tentativas de regeneração tardia não resultaram, mas a República vendeu cara a derrota. E a resistência ao fascismo nunca esmoreceu, em particular no Alentejo. Da derrota da I República tirou lições a Constituição da República Portuguesa, saída do 25 de Abril, ao instituir o sufrágio verdadeiramente universal e ao inscrever no seu texto os direitos dos trabalhadores e das mulheres, no quadro de uma democracia política, representativa mas também participativa, económica, social, cultural e ambiental, um espaço de cidadania livre de qualquer discriminação. Ontem como hoje, estes ideais estão ainda longe da sua plena concretização. Apesar disso e até por isso mesmo, os valores e ideais democráticos da República e da Constituição são uma bússola para enfrentar e vencer os desafios e as lutas do presente. O reagrupamento da esquerda democrática, em corte com o pântano do “centrão” é inadiável, tal como o confronto entre as direitas do neoliberalismo selvagem e as esquerdas que defendem o estado social e lutam pelo socialismo, no plano nacional e europeu. E este confronto entre esquerda e direita tem uma batalha importante já na próxima eleição do Presidente da República, em Janeiro de 2011. Alberto Matos
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