Notas do movimento estudantil: Porque é que não se mexem? Versão para impressão
Segunda, 06 Setembro 2010

O movimento estudantil português tem inscrito na sua história a capacidade de marcação de agenda política, de fazer triunfar a sua contestação na praça pública: dos movimentos pela democratização do país até à oposição à guerra colonial, sem nunca esquecer a luta contra as propinas, mas o que se passa hoje? Porque é que não se mexem?

Artigo de Fabian Figueiredo 

A explicação poderia ficar pelo simples desinteresse generalizado, pelo conformismo ou pela alienação triunfante na sociedade portuguesa. Para além destas válvulas de segurança, encontramos outras, que objectivamente, trazem novos desafios ao movimento e essencialmente à constituição deste.

 Para uma análise a este fenómeno – ou ausência deste – torna-se necessário afirmar que o movimento enquanto corpo coeso, ou com consciência de existência per si, não existe, transportando esta ideia para uma alegoria, sofre de amnésia e de desmembramento crónico.

Desde da derrota da luta contra as propinas em 2004, o movimento estudantil, não conseguiu, mais atingir um processo de mobilização em crescendo. O Processo de Bolonha e o RJIES, são demonstrações claras disso, foram duas reformas que transformaram radicalmente o ensino sem que tenha havido uma resposta por parte do movimento.

 Desde daí, o movimento não conseguiu mais constituir-se como agente de intervenção consequente no rumo do Ensino Superior em Portugal, tendo vindo a perder a cultura de contestação e a genética da inconformação. Fazendo com que hoje o Ensino Superior esteja preenchido por uma geração que não recebeu o testemunho da mobilização colectiva, o que dificulta já só por si, ao que se pode somar uma elite dirigente, que tem vindo a cumprir o papel de sonegar a oposição às contra-reformas e a ser mais institucionalista que o reformar.

 

Processo de Bolonha e RJIES

 

 A primeira reforma, reduziu a qualidade académica de todos os cursos universitários, diminuindo a sua duração, forçando a “obrigatoriedade” de frequência de um Mestrado (para se poder ter uma formação, honestamente equitativa à licenciatura pré-bolonha), que por sua vez têm, generalizadamente, propinas mais elevadas que a licenciatura anterior (existem no entanto mestrados integrados/fileira, com propina equivalente à licenciatura, porém o seu conteúdo científico é mais pobre em relação aos outros mestrados, cumprindo a lógica “a qualidade paga-se cara”).

 Simplificando, Bolonha reduziu a qualidade do ensino e introduziu um novo factor de discriminação económica e social no acesso ao segundo ciclo.

 O RJIES por seu lado, terminou com a gestão democrática nas Universidades e Institutos de Ensino Superior, acabando com a paridade nos órgãos de gestão - equilíbrio entre todos os membros constituintes da comunidade universitária, e acrescentou elementos externos (maioritariamente constituídos por representantes de grupos económicos com interesses rentistas) aos referidos órgãos.

  Para além de chacinar a democracia, o RJIES, abriu espaço para a privatização gradual do Ensino Superior, empurrando este para o funcionamento da lógica de mercado, isto é, as instituições devem procurar investimento privado para se aguentarem financeiramente, o que obriga a que estas, concorram entre elas na captação deste capital, e que os cursos que não sejam do apetite do mercado sofram com ainda mais desinvestimento e em muitos dos casos se arrisquem mesmo a fechar (com especial enfoque nas ciências sociais e humanas, estudos literários e artísticos).

 As alterações introduzidas por estas reformas, fizeram com que a massa estudantil, tenha mais constrangimentos económicos e sociais, passe menos tempo no meio académico e a maior parte dele sobrecarregado. O que é que se sucede?

O espaço e o tempo de agregação de contestação fica diminuto, o movimento tem dificuldades para se constituir e ganhar força locomotora. Para além de todos os constrangimentos clássicos que sempre teve: festas académicas, praxe, épocas de exames...

 

A acção social, a contestação de Novembro de 2009 e as perspectivas futuras.

 

 A 17 de Novembro do ano transacto os estudantes do Ensino Superior voltaram a sair à rua, quebrando um longo tempo de travessia no deserto. A questão que se põe, para analisar esta ocorrência, é o confronto entre os constrangimentos e como esta foi possível.

Esta marcha ocorreu por uma razão muito simples, apesar de todos os constrangimentos e de um movimento estudantil totalmente enfraquecido, grande parte dos estudantes não tinham recebido ainda a sua bolsa de estudo, o mesmo que se tinha sucedido no ano anterior, e muitos Serviços de Acção Social e Universidades reivindicavam na praça pública por mais financiamento, uma vez que não conseguiam cobrir os gastos com os variados cortes orçamentais que foram ocorrendo.

 A questão aqui foi simples, estava-se a tornar impossível permanecer no Ensino Superior, o atraso nas bolsas estava a expulsar pessoas e causar inúmeros constrangimentos a outros tantos. Os efeitos das políticas governamentais de Mariano Gago entravam radicalmente na rotina dos estudantes dependentes da acção social. E assim foi possível mostrar força, porque o ataque afectava um a um, no seu desenvolvimento de personalidade, na sua vida quotidiana.

 E assim continuará a ser, pelo que se prevê, as bolsas de estudo vão atingir um recorde de atraso histórico. O regulamento foi publicado poucos dias antes do começo das aulas, o que obrigará a que todas as bolsas comecem a ser calculadas e analisadas apenas agora, ao que se soma, os milhares de estudantes que ficarão sem ela e os outros tantos que verão a sua a reduzir.

 
E é por aqui que terá que passar o processo de formação de colectivo, de movimento, de desconstrução do projecto privatizador e elitista que se tem desenhado governo após governo para o Ensino Superior. Porquê? Porque entra, desde do primeiro dia em que se regressa ou se vai para o Ensino Superior, directamente em casa.

 

 

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