Marxista criativo Versão para impressão
Quinta, 07 Novembro 2013
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Em 21 de Janeiro de 1924, aos 53 anos, falecia em Gorki, nos arredores de Moscovo, Vladimir Ilitch Ulianov, o líder político da maior revolução do século XX, imortalizado pelo pseudónimo bolchevique “Lenine”.

 

Artigo de Alberto Matos

 

Evocar a sua figura e obra é muito mais do que um exercício de memória, retratada nos 55 volumes das obras completas do autor mais publicado em todo o mundo, após a Bíblia.

Além do espírito prático e do génio revolucionário evidenciado em Outubro de 1917, Lenine foi um eminente teórico marxista cujo principal mérito, em contraste com outros seus contemporâneos, consiste em não se ter limitado à mera divulgação ou repetição dogmática das obras de Marx e Engels.

Tomando por base filosófica o materialismo dialéctico e histórico, que desenvolveu em obras com “Materialismo e Empiriocriticismo” (1909) e nos “Cadernos sobre a Dialéctica de Hegel”, Lenine foi antes de mais um marxista criativo.

O partido leninista

A primeira contribuição original de Lenine foi a luta pela construção do partido como fusão da teoria marxista com a vanguarda do proletariado. Inspirado no modelo industrial da época, com uma estrutura verticalizada e dotado de disciplina férrea, o partido bolchevique venceu as provas de resistência à repressão czarista e à guerra imperialista e foi capaz de dirigir o proletariado russo “ao assalto dos céus” no Outubro vermelho.

Lenine desenvolveu a concepção de centralismo democrático, em oposição aos mencheviques que preconizavam um partido reformista, sindicaleiro e mais vocacionado para a intervenção parlamentar. As duras condições de clandestinidade nunca foram obstáculo a acesas polémicas políticas e ideológicas que, não raras vezes, se traduziram na criação de tendências organizadas no seio do partido.

Após a morte de Lenine, a deformação estalinista reduziu o centralismo democrático a uma caricatura de sentido único, de cima para baixo, abafando o debate ideológico, submetendo todo o partido ao comité central e este ao secretário-geral e gerando um novo conceito: o de partido monolítico.

 

O(s) imperialismo(s)

 

Um segundo desenvolvimento criativo do marxismo está condensado na obra “O imperialismo, estágio supremo do capitalismo”. Lenine caracterizou esta nova era como resultante da fusão do capital industrial e do capital bancário, gerando o capital financeiro que passou a dominar o planeta. Há um século, este domínio estava compartimentado entre as principais potências imperialistas europeias: cada metrópole tinha o seu sistema colonial e a guerra tornou-se a única saída para uma nova partilha do mundo.

Sem compreender esta nova fase do capitalismo, a maioria dos partidos da II Internacional adoptou a sigla “proletários de todo o mundo, matai-vos uns aos outros”, apoiando os respectivos governos na I Guerra Mundial. Só os bolcheviques russos, os espartaquistas alemães de Rosa Luxemburgo e uns poucos marxistas mantiveram a postura internacionalista consequente, apontando a revolução socialista como saída para a carnificina imperialista.

A revolução soviética de Outubro de 1917 realizou vitoriosamente esta estratégia e os seus primeiros decretos – os da Paz e da Terra – ganharam o apoio dos camponeses que constituíam a esmagadora maioria da população russa. Outras tentativas revolucionárias dos sovietes, nomeadamente na Alemanha e na Hungria, foram afogadas em sangue; e na própria Rússia, submetida à guerra civil e invadida por uma coligação imperialista, a revolução soviética acabou por triunfar mas à custa de inúmeras perdas humanas e materiais.

 

O(s) erro(s) de Lenine

 

Como todos os grandes pensadores e também como artífice prático da revolução, Lenine cometeu erros. Nem podia ser de outra forma, o que só poderá parecer estranho a quem confunda o marxismo com uma religião e pretenda agrilhoar o pensamento leninista numa qualquer Bíblia.

Pelas suas consequências, a dissolução da Assembleia Constituinte, em Novembro de 1917, terá sido o maior desses erros. Rosa Luxemburgo, apoiante entusiástica do regime soviético, assassinada numa prisão alemã em 15 Janeiro de 1919, criticou abertamente a dissolução da Constituinte na obra “A Revolução Russa”.

“Uma vez que a Assembleia Constituinte tinha sido eleita muito tempo antes da reviravolta decisiva de Outubro e reflectia, na sua composição, a imagem de um passado caduco e não do novo estado de coisas, uma conclusão se impunha: dissolver essa Constituinte envelhecida, nada-morta, e convocar sem demora as eleições para uma nova Constituinte”.

“Lenine e Trotsky colocaram os Sovietes como a única representação verdadeira das massas operárias, no lugar dos corpos representativos surgidos de eleições gerais. Mas, ao abafar a vida política em todo o país, é fatal que a vida no próprio Soviete seja cada vez mais paralisada. Sem eleições gerais, sem liberdade ilimitada de imprensa e de reunião, sem luta livre entre as opiniões a vida morre em todas as instituições públicas, torna-se uma vida aparente, na qual a burocracia resta como o único elemento activo.”


E Rosa, alertava profeticamente:

 

“Algumas dezenas de chefes de uma energia infatigável e de um idealismo sem limites dirigem o governo e, entre eles, quem governa de facto é uma dezena de cabeças eminentes, enquanto uma elite da classe operária é convocada de tempos em tempos para reuniões com o fim de aplaudir os discursos dos chefes e de votar por unanimidade as resoluções que lhe são apresentadas.”

“O erro fundamental da teoria Lenine e Trotsky está justamente em que, tal como Kautsky, eles opõem democracia e ditadura. “Ditadura ou democracia”, assim se coloca a questão tanto para os bolcheviques como para Kautsky. Este pronuncia-se pela democracia burguesa, contrapondo-a à transformação socialista. Lenine e Trotsky, ao contrário, pronunciam-se pela ditadura de um punhado de pessoas, quer dizer, pela ditadura segundo o modelo burguês jacobino. Estes dois pólos opostos estão ambos muito distantes da verdadeira política socialista.”

 

Águias e galinhas

 

Lenine e Rosa Luxemburgo, dois eminentes marxistas criativos, travaram ao longo de mais de duas décadas polémicas enérgicas, sobre as quais prevaleceu sempre a camaradagem comunista.

Segundo Lenine,“Rosa Luxemburgo equivocou-se na questão da independência da Polónia; na sua apreciação do menchevismo, em 1903 e em Julho de 1914, quando com Plekhanov, Kautsky e outros, defendeu a unificação dos bolcheviques com os mencheviques; na teoria da acumulação do capital; e nas suas notas redigidas na prisão sobre a revolução russa, a maioria dos quais corrigiu depois de libertada, no fim de 1918 e início de 1919). Porém, apesar de todos os seus erros, Rosa foi e permanece uma águia”.

E se uma águia pode voar tão baixo como uma galinha, a galinha jamais dominará os céus como a águia, contrastando a figura de Rosa  com os chefes reformistas da social-democracia.

Ao entrarmos na década em que se comemora o centenário da Revolução de Outubro de 1917, vale a pena reler criticamente estas duas águias marxistas. Não para as macaquear, mas para beber o seu espírito criativo na época do imperialismo global, quando a alternativa à barbárie urge e nos obriga a reinventar o Estado de Direito Socialista.

 

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