Coincidência do destino ou não, na mesma semana em que o Bloco de Esquerda reafirma a continuidade na sua luta pela aprovação de uma lei que garanta o direito dos casais homossexuais a adoptar uma criança, surge mais uma infeliz deambulação relativa ao mundo LGBT. Refiro-me ao artigo publicado pelo Semanário Sol, da autoria de José António Saraiva, no qual o mesmo investe numa confusa análise a uma badalada notícia relativa ao ex-líder da JSD e ao seu ex-marido. A notícia que JAS desconstrói no seu artigo de opinião, foi publicada no Diário de Notícias, e alude à recente queixa apresentada por Carlos Marcano na Polícia acusando Jorge Nuno de Sá de agressão. Relativamente àquilo que JAS afirma, urge destacar duas problemáticas que estão enraizadas no conservadorismo bacoco de grande parte dos opinion makers direitosos - ou simplesmente ignóbeis na compreensão do mundo LGBT. A primeira é a confusão da ausência de uma “mulher” e de um “homem” no relacionamento, ao passo que a segunda, é o preconceito que associa a existência de casos de violência doméstica apenas ou predominantemente em casais gays. Para Saraiva, ex-director do Expresso e agora director do semanário Sol, a mesma notícia despertou-lhe o interesse devido ao “nome da mulher”, acrescentando que “havia supostamente uma mulher que tinha acusado o marido de agressão. Ora a mulher chamava-se Carlos Maceno. Foi isto que me fez voltar atrás.” Mais adiante no texto, afirma que “o leitor já percebeu uma dificuldade semântica com que me tenho defrontado neste texto: não havendo neste ‘casal’ um marido e uma mulher, poderá falar-se em dois maridos? Ou seja: Carlos Marcano é marido de Jorge Nuno de Sá e este é marido de Carlos Marcano?” Farei de bom grado, o esclarecimento de que o caro senhor Saraiva necessita. É mesmo verdade. Num casal homossexual existe um homem e homem. Ou então, uma mulher e uma mulher. Bem, segundo o poliamor também pode haver um homem e um homem, e pelo meio uma mulher e um outro homem. Quem sabe? A decisão cabe a cada pessoa e não ao director do Sol. A ingerência nos assuntos privados e na sexualidade dos cidadãos não é novidade. Esperava-se que após a aprovação do casamento homossexual algumas barreiras fossem quebradas. No entanto, os argumentos homofóbicos continuam a ser os mesmos, e a atitude machista e predominante continua a proliferar, seja nos média ou no café da esquina. JAS refere duas questões: a de que a instituição casamento foi desde sempre associada a um homem e a uma mulher – e portanto tal visão católica da coisa tem que ser intocável – e, por outro lado, que devido ao facto dos gays terem travado uma tão grande luta para se poderem casar tal não lhes reserva o direito de se poderem separar tão facilmente como os casais heterossexuais. Estes dois comentários podem receber uma análise conjunta. Em primeiro lugar, a “instituição” casamento é apenas mais um daqueles moldes do pensamento dominante para onde a Sociedade e os seus interesses tentam empurrar cada um de nós, tentando fazer com que a mesma esteja apenas disponível para o coroar da “normalidade” heterossexual. A Sociedade não é imutável e a História não chegou ao fim. Tome-se o exemplo da parentalidade. Nos dias que correm é cada vez mais normal a existência de famílias monoparentais – são circunstâncias do tempo e que decorrem, naturalmente, das mudanças sociais. Se de tal falássemos há uns anos atrás, decerto que vários imperativos morais seriam trazidos à tona para condenar tal situação. Por outro lado, o argumento falacioso de que os casais gays, por terem lutado para se poderem casar não se poderem divorciar, é um tremendo desrespeito e uma falta de noção completa da realidade. Se fossemos seguir a mesma lógica, poderíamos retroceder no tempo e abolir a lei do divórcio. Isto porque, a instituição casamento é para toda a vida…Infelizmente, para JAS, as nuances no íntimo de cada um e nos seus relacionamentos são privilégios dos heterossexuais. Subjacente a toda esta temática, denota-se a utilização da ironia e do sarcasmo quando o mesmo se refere à pretensa agressão do ex-deputado e líder da JSD ao seu ex-marido. A ideia ilusória de que a violência impera e predomina única e exclusivamente nos casais gays é promovida pelo mediatismo que lhes é dado. Infelizmente, uma notícia nos mesmos moldes que se refira a pessoas de sexos distintos não é tão apelativa. Principalmente quando, neste caso, a noticia é relativa a uma pessoa com q.b. visibilidade na Sociedade portuguesa. O salazarismo força à velha máxima do “entre marido e mulher, não se mete a colher.”, mas o mesmo não se aplica quando há um homem e… um homem. Recordo, que até há bem pouco tempo a violência doméstica não era sequer crime. Tal passou a ser através de uma proposta de lei do Bloco de Esquerda. Esse partido que só se interessa pelas causas estruturantes mas que, na realidade, até permite o avanço da mentalidade civilizacional do nosso país. Este género de tomada de posição em nada favorece o respeito pelo próximo e, principalmente, o respeito pelos direitos fundamentais. É um direito amar quem se quiser amar, sem se ser julgado. Aliás, para aqueles que insistem em discriminar tendo em conta a orientação (e sim, orientação ao invés de escolha) sexual, não se deve esquecer que essas pessoas são parte integrante da mesma Sociedade, pagam os mesmos impostos e respeitam as mesmas regras que os outros. A questão da adopção de crianças por parte de casais do mesmo sexo ainda levanta mais polémica do que o próprio casamento. Tão importante como consagrar este direito, é a necessidade do desenvolvimento de uma política de sensibilização junto aos portugueses que tenha como objectivo último a desmistificação da temática. Só desta forma é que se poderá combater a imposição do pensamento único, desta feita veiculado por Saraiva, que se reflecte num imenso desrespeito pelo mundo LGBT.
Cláudia Ribeiro
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