O (anti-imperialista) Mark Twain Versão para impressão
Quarta, 30 Novembro 2011

Mark_Twain

Comemora-se o hoje o 176º aniversário do nascimento de Mark Twain, ou melhor, de Samuel Langhorne Clemens, que nasceu no Missouri a 30 de novembro de 1835. Curiosamente nascido durante uma das passagens do Cometa Halley acabou por falecer na véspera do regresso desse astro (Redding, Connecticut, 21 de abril de 1910). O próprio Mark Twain considerava que ele e o cometa eram 'dois inexplicáveis fenómenos'. O autor das Aventuras de Tom Sawyer (1876) e das Aventuras de Huckleberry Finn (1885; considerado o maio romance americano) é também um dos raros detentores de best-sellers publicados nos séculos XIX, XX e XXI, desde a publicação do primeiro volume  sua autobiografia, com mais de 700 páginas, pela Universidade da Califórnia, em novembro de 2010 – a publicação 100 anos após sua morte foi desejo do autor.
Tipógrafo, impressor, colonista, mineiro, jornalista, humorista, romancista... a sua vida foi rica em experiências e da sua obra são célebres, além dos livros consagrados, várias expressões humoristas, uma delas que de tão actual já chegou a figurar nuns cartazes e autocolantes do Bloco de Esquerda: “Um banqueiro é um senhor que te empresta um guarda-chuva quando o sol brilha, mas que o quer de volta mal comece a chover”. Considerado o maior humorista da sua época e, mesmo, o pai da literatura norte-americana (de acordo com William Faulkner), é natural que se procure ocultar, especialmente entre os norte-americanos, a sua faceta mais crítica do ponto de vista social e político, com especial relevo para a sua crítica ao imperialismo norte-americano.
Embora tenha sido um crente, tornou-se céptico e crítico da religião, afirmando (em 1885) que “há um deus para os ricos e nenhum para os pobres”. Foi casado com Olivia Langdon, de uma família que embora rica foi activa na luta pela abolição da escravatura. Através dessa família, contactou com  socialistas e activistas dos movimentos pela libertação das mulheres e a igualdade social. Entre os seus melhores amigos estavam Harriet Beecher Stowe, Frederick Douglass e o socialista utópico William Dean Howells.
Twain é contemporâneo da fase avançada das ambições imperialistas norte-americanas expressas no confronto com os últimos redutos do império espanhol: Cuba, Porto Rico e as Filipinas. E o próprio foi confrontado com a ambivalência de sentimentos que afecta, ainda hoje, muita gente quando os norte-americanos 'justificam' guerras imperialistas usando o argumento da libertação dos povos contra os próprios povos. Twain também se iludiu, mas foi claro ao revelar que se tinha enganado totalmente, as suas palavras são reveladoras:
“[Eu era] um imperialista. Queria que a águia americana seguisses gritando para o Pacífico ... Por que não espalhar as suas asas sobre as Filipinas? foi o que eu me perguntei ... Eu disse a mim mesmo, aqui está um povo que sofre há três séculos. Nós podemos fazê-los tão livre como a nós mesmos, dar-lhes de Governo e o seu próprio país, colocar uma miniatura da Constituição americana a flutuar no Pacífico, iniciar uma nova república para tomar o seu lugar entre as nações livres do mundo. Pareceu-me que era uma grande tarefa que tínhamos de levar a cabo.
Mas pensei mais, desde então, e li o Tratado de Paris com cuidado [que terminou a Guerra Hispano-Americana], vi que não queremos libertar, mas subjugar o povo das Filipinas. Fomos para conquistar, não para redimir..”
O contexto era o da participação em “libertações” anti-coloniais, na viragem do século XIX para o século XX, e já aí Mark Twain via as verdadeiras intenções escondidas na guerras americanas. Na Conquista das Filipinas Twain descreveu o assassinato de 600 moros (tribo filipina). Posteriormente , escreve a crítica irónica “A lista de mortos é já de 900. Nunca estive tão entusiastamente orgulhoso desta bandeira como estou agora”.
Há muito a descobrir sobre Mark Twain, que não sendo um revolucionário ou um teórico, como pessoa, como escritor, como humorista e activista das letras armado pela sátira tem também algo mais a contribuir para ilustrar os horizontes das activistas e dos activistas das lutas emancipatórias. Ainda sobre o anti-imperialismo, devemos destacar A Oração da Guerra, escrita em 1905, a propósito da invasão das Filipinas, num artigo cuja publicação foi recusada por ser demasiado radical, tendo sido apenas publicado postumamente, aquando da I Guerra Mundial, e a "oração" reimpressa e divulgada por activistas anti-guerra durante a Guerra do Vietname nos anos 1960:

Oh, Senhor, nosso Deus, ajudai-nos a rasgar a carne dos soldados inimigos em postas sangrentas com nossas bombas; ajudai-nos a cobrir seus campos alegres com as formas pálidas de seus patriotas mortos; permiti-nos abafar o trovão dos canhões com os feridos retorcendo-se de dor; ajudai-nos a destruir seus lares humildes com um furacão de fogo; ajudai-nos a arrancar com dor inútil o coração de viúvas inocentes; ajudai-nos a deixá-las sem lar a vagar, com trapos, fome e sede, na companhia dos filhos pequenos, abandonadas pelas ruínas de sua terra desolada, enfrentando o calor do sol de verão e os ventos gelados do inverno, o espírito abatido, exaustas de aflição, implorando a Vós o refúgio da tumba e vê-lo negado... por nós que Vos adoramos. Senhor, matai suas esperanças, estiolai suas vidas, prolongai sua amarga peregrinação, tornai pesados os seus passos, molhai com suas lágrimas o seu caminho, manchai a branca neve com o sangue de seus pés feridos! Imploramos a quem é o Espírito do amor, refúgio e amigo fiel de todos os que sofrem e buscam Sua ajuda com humildade e contrição. Atendei à nossa prece, oh, Senhor, e Vossas serão a gratidão, a honra e a glória por todos os séculos dos séculos, Amém.


Bruno Góis

 

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